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Coluna
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Campanha por um peru sem partido

Pai, afasta de mim essa treta; que o Natal seja uma trégua, um armistício, deixo abaixo um guia cristão com esta finalidade

Fogo brando, amigo, nada de tostar o peru no forno da polarização, entende?
Fogo brando, amigo, nada de tostar o peru no forno da polarização, entende?

Sei que é um pedido deveras utópico neste 2018 que teima em não acabar nunca mais. Farei de qualquer forma, afinal de contas perder é a minha sina: vamos despolitizar o peru. Que o país volte a estar unido pelo menos durante a ceia e a machadiana Missa do Galo.

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Por um peru natalino sem partido. É só uma noite. Segura a onda, colega. Juro que a frase mais ideológica que pronunciarei será “passa a farofa, tio”. Não, não cairei na tentação de criticar sequer a uva passa, essa unanimidade nacional às avessas.

Por um Natal sem cores. Combine com a família que o Papai Noel, doravante, será bege, para evitar controvérsias e partidarismos com as crianças. São pequenas providências importantes para os novos tempos.

Deixemos o peru alheio à guerra cultural, livre de crocâncias marxistas ou molhos olavianos. Que a origem da orgulhosa ave pernalta esteja também fora do alcance da polêmica - não importa se vem dos quintais da agricultura familiar ou de uma indústria de proteínas metida nos escândalos de Caixa 2. Um peru é um peru é um peru, diria a comadre Gertrude.

Caipira ou da agropecuária pop, o peru é sagrado, símbolo da celebração cristã. E a noite pede paz entre homens e mulheres de boa vontade. Pai, afasta de mim essa treta. Acho que conseguiremos. Faço figa.

Cuidado também com os presentes. Um livro, mesmo com as melhores intenções culturais, pode provocar um sururu na área. Até “O Pequeno Príncipe”, messiê Antoine de Saint-Exupéry, pode ser acusado de agente cultural globalista, afinal de contas, lá para as tantas, o fofo prega contra as fronteiras do planeta.

Mesmo que sua vontade seja montar um “kit gay”, citado pelo tio do pavê o ano inteiro, e presenteá-lo, muita calma nesse momento do bimbalhar dos sinos da cristandade. Nem ouse com uma presepada, tipo “mamadeira de piroca”, adquirida no sex shop fuleiro da esquina. Segure as pontas.

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Sem essa de ofertar aos pimpolhos, à guisa de provocação ou ironia, o polêmico volume “Aparelho Sexual e Cia.”, escrito e desenhado por Hélène Bruller e Philippe Chappuis, o Zep, publicado aqui nos trópicos pela Companhia das Letras. Sim, é aquele livrinho que serviu para o Bolsonaro assombrar a sonsa família brasileira no “Jornal Nacional” que o impulsionou ao triunfo e à glória.

Nada disso, sejamos discretos. Pela volta dos mimos mais neutros possíveis: um impessoal vale-presente para a tia religiosa, caixas de sabonete, fragrâncias, brincos, colares, gravatas, meias, lenços...

Fogo brando, amigo, nada de tostar o peru no forno da polarização, entende? Afinal de contas o pobre peru não é de direita, de centro ou de esquerda. O peru é como o proletariado, se lasca de véspera, fatiado ou inteiro.

A nossa campanha por um Natal livre do bafo eleitoral pode começar desde a festa da firma. Sem essa de encher a cara desabafar com o chefe, relatar injustiças sobre plano de carreira e pedir aumento. Não tem sido fácil ser patrão neste país, pobre patrão ainda explorado pelo que sobrou dos direitos trabalhistas, como lembraria o presidente eleito nos gabinetes da transição em Brasília. Dê moral ao seu “mito”, dê seu sangue e seu suor patrióticos pelo menos uma vez por ano, “simplesmente dê, porra”, como reforçaria, na sua delicadeza, o filósofo oficial Olavo de Carvalho.

Recomende à família que não desligue o WhatsApp, melhor seguir acreditando no grupo, mesmo nesta noite feliz. Sim, o eterno tio Meneses, aquele mesmo do conto “Missa do Galo” do Machadão, mandará uma mensagem pedindo desculpas pelo atraso. Um tremendo engarrafamento na marginal Pinheiros, dirá o canalha que perdeu a hora na casa da senhora de Santana, sua amante desde 1964.

Mantenha a calma, leitor(a), logo passa, no Réveillon você aproveita e vai para Cuba ou para a Bahia, que maravilha, como nos recomendaram tanto este ano.

Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “Sertão Japão” (Casa de Irene edições, 2018), apresentador do Cinefoot, programa sobre futebol e cinema no Canal Brasil.

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