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Autor de massacre na Espanha vivia em São Paulo como motorista de Uber

Condenado pela matança de Atocha, García Juliá usava uma identidade venezuelana falsa

Tom C. Avendaño
Carlos García Juliá na década de 1970.
Carlos García Juliá na década de 1970.

Genaro Antonio Materán, de 63 anos, saiu na quarta-feira passada de sua casa na Barra Funda, um bairro de classe média na zona oeste paulistana, e foi abordado pela polícia assim que pôs os pés na rua. Ainda tentou negar a avalanche de acusações que se seguiu: que Genaro Antonio era um nome falso; que não era venezuelano, como diziam os documentos que usava desde que entrou no Brasil, há quase 20 anos; e que não era nem de longe um homem inocente. Mas não houve forma de convencer a Polícia Federal, que passou meses investigando seu caso. Materán na verdade é espanhol, seu nome real é Carlos García Juliá, e seu crime foi participar de um massacre de advogados trabalhistas na rua Atocha, em Madri, em 1977. Décadas de fuga chegavam ao final para ele.

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O périplo de García Juliá tinha levado esse assassino de Madri — onde foi condenado a 193 anos de prisão em 1977 — a Bolívia, Chile, Argentina, Venezuela e, finalmente, Brasil. O salto para a América Latina, em pleno cumprimento da pena, ele deu em 1994, após três anos em liberdade condicional. Obteve uma autorização judicial para viajar ao estrangeiro e, uma vez ali, não cumpriu sua parte do trato. Em dezembro de 1994, ignorou um requerimento formal e foi declarado foragido.

Voltou a ser encarcerado na Bolívia, desta vez por um crime relacionado ao narcotráfico, mas fugiu antes que a Justiça espanhola pudesse solicitar a sua extradição. Passou anos viajando de um país a outro, com várias identidades falsas, tão a salvo das autoridades que se dava ao luxo de viajar de avião. Passou pelo Chile, Argentina e Venezuela. Em 2001 entrou no Brasil a pé pela fronteira com Roraima, assumindo o papel de Genaro Antonio Materán, e — até onde sabem as autoridades que o detiveram — permaneceu no país desde então. Vivia com uma mulher brasileira e, segundo ele, trabalhava como motorista do Uber, dirigindo um carro que está em nome dela.

Representantes da Interpol e das polícias da Espanha e do Brasil concedem entrevista coletiva em São Paulo sobre o caso de García Juliá. / FERNANDO BIZERRA (EFE) / Em vídeo, entrevista coletiva de Marcos Frías, delegado da Polícia Nacional espanhola.

Em julho de 2018, a Polícia Federal do Brasil detectou a presença de García Juliá, e começaram as gestões para solicitar sua extradição: cruzar dados com a base de fugitivos da Interpol e, finalmente, colaborar com a Polícia Nacional espanhola. Agora, cabe ao setor de execuções penais da Audiência Nacional, principal instância judicial espanhola, solicitar um relatório ao Ministério Público da Espanha sobre a conveniência de tramitar o pedido de extradição do foragido. No seu relatório, os promotores deverão se pronunciar sobre a eventual prescrição da condenação contra Juliá, e se cabe solicitar sua extradição a Brasília. Depois que o Ministério Público se pronunciar, a primeira turma da Audiência Nacional, responsável pela condenação dele a 193 anos de detenção, terá que emitir um auto ordenando, se for o caso, o início do pedido de extradição. Sobre a possível prescrição da sentença, fontes jurídicas ouvidas pela Efe dizem esse prazo começaria a contar a partir da data em que foi declarado fugitivo, e que se aplicaria o atual Código Penal (mais benéfico que o de 1973, que serviu de base à sua condenação), que contempla a prescrição aos 30 anos em condenações superiores a 20 anos de prisão.

Em 24 de janeiro de 1977, vários homens armados invadiram o escritório de advocacia trabalhista da organização sindical Comissões Operárias, localizado na rua Atocha, 55, no centro de Madri. Mataram três advogados trabalhistas (Enrique Valdelvira Ibáñez, Luis Javier Benavides Orgaz e Francisco Javier Sauquillo), o estudante de Direito Serafín Holgado e o funcionário administrativo Ángel Rodríguez Leal. Quatro outras pessoas ficaram gravemente feridas.

García Juliá perpetrou a massacre da Atocha junto a uma milícia fascista de seguidores do falecido notário Blas Piñar, fundador do partido ultradireitista Força Nova. José Fernández Cerra, que também foi condenado a 193 anos como executor, e Francisco Albaladejo, que recebeu pena de 73 anos como indutor, o acompanharam no crime. Fernando Lerdo de Tejada foi processado, mas fugiu antes de se sentar no banco dos réus. Em sua sentença, a Audiência Nacional considerou que, junto do também processado Leocadio Jiménez Caravaca, eles compunham um “grupo ativista e ideológico, defensor de uma ideologia política radicalizada e totalitária, desconforme com a mudança institucional que estava se dando na Espanha”.

Com a captura García Juliá no Brasil, fecha-se uma ferida, mas também se abre a incógnita sobre o paradeiro do principal fugitivo da matança: Lerdo de Tejada, foragido da Justiça espanhola desde 1979. O EL PAÍS publicou que a última ordem de busca e captura ditada contra esse pistoleiro pelo Tribunal Central 1 da Audiência Nacional expirou em 2015, e que o fugitivo já era um homem livre.

A matança de Atocha se tornou um dos símbolos da transição espanhola para a democracia. Ocorreu quando faltavam dois meses para a legalização do Partido Comunista da Espanha (PCE, ao qual as Centrais Operárias estavam vinculadas na época) e a cinco da realização das primeiras eleições democráticas após quatro décadas da ditadura de Francisco Franco (1936-75).

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