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Eleições na Andaluzia marcam a ascensão da extrema direita na Espanha

Vox elege 12 deputados na Câmara andaluza. “Temos a chave para expulsar os socialistas corruptos”, gritou líder do partido depois de ouvir os resultados

Seguidores do Vox comemoram os resultados.
Seguidores do Vox comemoram os resultados.Juan Carlos Toro
J. J. Gálvez
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A extrema-direita já não é apenas um fantasma que passa por perto em cada jornada eleitoral na Espanha. Neste domingo surgiu com a entrada do partido Vox na Câmara da Andaluzia. Desde que Blas Piñar deixou sua cadeira na Câmara dos Deputados em 1982, nenhuma força com essas características tinha voltado a pisar em um parlamento do país. Uma tradição que foi rompida neste 2 de dezembro, 36 anos depois. Com 99,7% dos votos apurados, o partido liderado por Santiago Abascal soma mais de 391.000 votos (10,9%) e elegeu 12 deputados.

Superou todas as expectativas. “Viva a resistência!”, gritaram os membros do Vox no hotel onde acompanharam as apurações. "Temos a chave para expulsar os socialistas corruptos", gritou Abascal, depois de ouvir os resultados, no hotel lotado onde gritos de "viva España" e "Puigdemont, para a prisão" também foram ouvidos.

Os eixos do discurso do Vox foram muito claros: o nacionalismo espanhol, o anti-independentismo, mensagens contra a imigração, a lei da memória histórica e a lei contra a violência de gênero; além de constantes elogios às forças de segurança e ao Exército. Marine Le Pen, líder do Agrupamento Nacional (ex-Frente Nacional), cumprimentou o partido de extrema-direita espanhol: “Minhas sinceras felicitações aos nossos amigos do Vox, que nesta noite obtiveram um resultado muito significativo para um movimento jovem e dinâmico”, escreveu no Twitter. Por outro lado, os jornalistas do jornal Contexto e da emissora de televisão La Sexta denunciaram que não foi permitido que entrassem no hotel reservado para acompanhar a apuração.

Desde o início o Vox colocou essas eleições em uma corrida nacional. Estava convencido de que um bom resultado neste domingo poderia catapultá-lo nas várias eleições que acontecerão em 2019: europeias, municipais e das comunidades autonômas – sem descartar uma possível antecipação das eleições gerais. “Queremos incentivar a participação de todos os andaluzes. As urnas podem mudar tudo. Estamos diante de uma jornada histórica não só para a Andaluzia, mas para toda a Espanha”, defendeu Santiago Abascal no domingo de manhã no colégio Sor Ángela de la Cruz, em Sevilha. “Que os eleitores pensem na Andaluzia e na Espanha. Aqui somos todos por ela e todos pela Espanha”, repetiu também o candidato.

O grupo de extrema-direita entrou no Parlamento da comunidade autônoma sem ter sequer um programa de Governo para a região. Na campanha, apenas mostrou os 100 pontos que apresentou no Palácio Vistalegre (Madri) para todo o país. Um plano em que propõe, além da criminalização dos imigrantes ilegais, suprimir a Câmara regional na qual agora entra e que, com base nas leis eleitorais, lhe proporcionará recursos para sua atividade. Nas filas do partido se argumenta que seu crescimento se deve ao fato de ter se “conectado com uma parte muito importante do eleitorado andaluz”: “Tocamos nos pontos que realmente interessam”.

O Vox ganhou peso na campanha com o passar dos dias. Tanto que se tornou protagonista de um dos poucos incidentes que aconteceram durante o dia. Dois de seus representantes insultaram Susana Díaz (presidenta da Junta da Andaluzia) quando esta compareceu para votar: “Quarenta anos roubando”, “Susanita, a mamata vai acabar”, ou “Susana, me arranja um empreguinho”, disseram a ela. Posteriormente, o partido de extrema-direita anunciou o afastamento de ambos por “conduta inadequada no dia da votação”.

O resto dos partidos olhou para Vox com o canto do olho no início da campanha. Tentavam evitá-lo. Mas sua irrupção nas sondagens eleitorais feitas pelo Centro de Pesquisas Sociológicas (CIS na sigla em espanhol) em meados de novembro, que lhe davam uma cadeira, garantiu protagonismo. De um lado, a esquerda usou seu crescimento para chamar à mobilização – tanto Susana Díaz quanto Teresa Rodríguez se apresentaram como “barreira de contenção” da extrema-direita. Por outro, PP e Cidadãos, que também jogam no espectro ideológico da direita, passaram de não mencionar muito o Vox a considerar aceitar seus votos para tirar o PSOE do palácio de San Telmo, sede da Presidência do Executivo regional.

Contrário ao aborto e ao casamento homossexual, o partido de extrema-direita concentrou grande parte de seus ataques aos imigrantes e aos muçulmanos. E explorou essa estratégia. “O Vox foi o partido que marcou o debate político nestas eleições. Colocamos sobre a mesa o controle das fronteiras e acabar com a invasão da imigração ilegal”, disse Javier Ortega, secretário-geral do partido, depois de conhecer as primeiras estimativas. “São uma invasão que vem para nos substituir”, repetiram seus líderes nos comícios, onde não pouparam mensagens xenófobas.

Porque essa é a espinha dorsal de suas propostas. Entre outras medidas, o partido quer deixar os imigrantes ilegais sem cuidados de saúde e fala de construir um “muro intransponível” em Ceuta e Melilla – iniciativa semelhante à promovida por Donald Trump na fronteira entre o México os Estados Unidos. Também fala em suspender o espaço Schengen (convenção entre países europeus sobre abertura das fronteiras e livre circulação de pessoas) enquanto houver líderes independentistas fugidos da Justiça em outros países europeus; fechar as televisões das comunidades autonômas; baixar impostos, especialmente para aqueles com maior renda; liberalizar o solo; promover uma lei para proteger as touradas e abolir a lei contra violência machista. Estas são suas prioridades.

Na Avenida Kansas City, em Sevilha, onde fica o hotel em que os dirigentes do Vox acompanharam as apurações, existe uma pequena estátua de um índio americano a cavalo, que foi exposta no pavilhão dos Estados Unidos durante a Expo 92 e que acabou sendo doada à cidade como símbolo da irmandade entre a capital andaluza e a cidade norte-americana. Com a mão sobre os olhos, a escultura olha para o horizonte. “O explorador estará conosco para olhar para o futuro”, disse Alejandro Rojas-Marcos, prefeito de Sevilha, quando a estátua foi inaugurada no final dos anos noventa. É assim que muita gente se sente neste domingo. Olhando para o futuro e imaginando se o auge do Vox é pontual ou significa o desembarque permanente da extrema-direita nas instituições.

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