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Crítica
Género de opinião que descreve, elogia ou censura, totalmente ou em parte, uma obra cultural ou de entretenimento. Deve sempre ser escrita por um expert na matéria

‘As viúvas’: Sinal dos tempos

O espetáculo funciona, embora não me apaixone

Carlos Boyero
Viola Davis e Elizabeth Debicki em ‘As Viúvas’.
Viola Davis e Elizabeth Debicki em ‘As Viúvas’.
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Chamar-se Steve McQueen, e não ser aquele que foi idolatrado (suspeito que também desejado) por várias gerações de espectadores, o cara mais cool, a imagem máxima da sedução masculina, ao lado de Brando e Newman, imagino que seja um fardo muito pesado, que tenha sido motivo de piadas cruéis nas escolas, que exija muita segurança de si mesmo para suportar a malvada comparação. O diretor Steve McQueen nos demonstrou em Shame (2011) que era tão inteligente quanto perturbador. Quanto medo e piedade inspirava aquele pornógrafo compulsivo e turvo, recorrendo obsessivamente ao onanismo e ao sexo rápido com prostitutas, garotos de programa e desconhecidas, fugidio e impotente com mulheres que o atraíam e que poderiam lhe oferecer amor; um urbanita completamente só, perdido em seu inferno. Meu fascínio por esse filme sombrio desapareceu no seguinte, 12 Anos de Escravidão (2013). Acabei saturado pelo acúmulo de torturas de todos os tipos praticadas por escravistas em seus desamparados servos. É claro que a realidade deve ter sido igual ou pior, mas na tela soava repetitivo, muito óbvio, panfletário, gerador de emoções fáceis, mas muito adequado para a era de Obama. Ganhou três prêmios no Oscar, incluído o de melhor filme. Normal.

O novo filme desse senhor é As Viúvas. Vejo o título de uma entrevista com ele em um jornal. Diz assim: “O normal e saudável é que um filme seja feminista”. E alucino, agradeço minha capacidade de continuar me escandalizando com a idiotice, o oportunismo, a correção política. Assim como meu asco e meu terror em relação aos profissionais da censura e da inquisição, essas damas ancestrais e abjetas. Voltam a gozar de esplendor, em seu nome se pode cometer qualquer delito, qualquer estupidez, qualquer perversão. Como dar um certificado de legitimidade à arte com base em seu machismo ou feminismo. E me dá um calafrio quando penso em tantas obras-primas do passado que seriam irrealizáveis agora, com sentença de masmorra ou desterro. Tento me esquecer, como sempre, de minha simpatia ou rejeição em relação ao criador quando vejo seu último filme. As Viúvas transcorre bem, foi rodado com profissionalismo, tem certo encanto, mas me esqueço rápido dele. Hollywood, sempre tão mercenária, cínica e prática, descobriu um filão para obter a bênção institucional, moral e comercial dos novos tempos. As angustiadas protagonistas deste filme não são wonderwomen, viveram à sombra de seus parceiros gângsteres, que acabam de morrer em um assalto fracassado. Cheias de medo e inexperiência, mas também de determinação, elas vão tentar recuperar esse butim a que consideram ter direito, na lúcida e antiga convicção de que o dinheiro é o melhor remédio para a tristeza.

As Viúvas

Direção: Steve McQueen.
Elenco: Viola Davis, Michelle Rodriguez, Elizabeth Debicki, Liam Neeson, Colin Farrell, Cynthia Erivo, Robert Duvall.
Gênero: thriller. EUA, 2018.
Duração: 129 minutos.

As cenas intimistas, a ação e a construção dos personagens funcionam. O espetáculo como um todo funciona, embora não me apaixone. A protagonista é Viola Davis, uma atriz muito poderosa (que luxo vê-la atuar em Dúvida, de 2008, ao lado de Meryl Streep, Amy Adams e do inesquecível Philip Seymour Hoffman), mas com permanente mau humor em sua expressão. Não a imagino fazendo comédia. Suas companheiras, para mim desconhecidas, fazem o tipo, são vulneráveis e aprendem a ser fortes. Seus acompanhantes masculinos (Liam Neeson, Robert Duvall, Colin Farrell) são atores ilustres, mas sabem que não têm nada a fazer aqui. Suspeito que possa nascer um novo gênero, que a pistola, a metralhadora e a faca acabem mudando de mãos.

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