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Violência assola a Colômbia dois anos depois da paz com as FARC

ONU e a União Europeia denunciam "a persistência do assassinato de líderes sociais. Desde 2016 foram registrados mais de 300 casos

Francesco Manetto
Membros da dissidência das FARC no departamento de Guaviare.
Membros da dissidência das FARC no departamento de Guaviare.RAUL ARBOLEDA (AFP)
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A família Díaz Tapasco estava prestes a ir dormir. Eram dez horas da noite no povoado da reserva indígena de San Lorenzo, no eixo cafeteiro colombiano. Quatro homens encapuzados entraram na casa e fuzilaram à queima-roupa o líder comunitário, sua esposa e filho, coordenador da escola. A filha conseguiu escapar. A matança ocorreu há pouco tempo, na sexta-feira em uma área rural do município de Riosucio, no centro do país, e é mais um episódio de uma terrível rotina. Quando se completam dois anos da assinatura da paz com as FARC, a violência continua assolando a Colômbia.

Em 24 de novembro de 2016, o ex-presidente Juan Manuel Santos e o principal líder do grupo insurgente, Rodrigo Londoño, conhecido como Timochenko, encerraram oficialmente mais de meio século de conflito armado. Terminou efetivamente uma guerra, por volta de 13.000 combatentes se desmobilizaram, entregaram seus fuzis e se integraram em um partido político. Mas o maior sentido dos acordos consistia em impulsionar uma transição profunda, uma nova etapa de convivência que, pelo menos no campo colombiano, continua pendente. Cada órgão tem seus números, mas a grande maioria concorda que desde esse dia foram cometidos mais de 200 assassinatos de líderes sociais e defensores dos direitos humanos. Isso é, quase um a cada três dias. De acordo com o cálculo da Defensoria do Povo, entre 1 de janeiro de 2016, em plena fase de negociações, e 22 de agosto, as vítimas mortais chegaram a 343.

As Nações Unidas e a União Europeia, que acompanharam o processo de implementação do combinado com as FARC, denunciaram no sábado que, apesar dos inquestionáveis avanços, a paz, real e tangível, ainda está distante. As duas instâncias lamentam em um comunicado conjunto “a situação de violência que continuam sofrendo regiões como Catatumbo, Nariño e Cauca onde [...] as comunidades ainda não possuem garantias fundamentais”. Esses territórios, localizados na fronteira com a Venezuela e na costa do Pacífico, são o principal palco da disputa entre máfias, paramilitares, grupos de guerrilheiros dissidentes e o Exército de Libertação Nacional (ELN), a principal organização insurgente ainda ativa na Colômbia. Todos procuram controlar as economias ilegais, começando pelo tráfico de drogas, em um país em que no ano passado as plantações de coca superaram os 200.000 hectares. Ou seja, mais de três vezes a superfície de uma cidade como Madri.

Os defensores dos direitos humanos e os líderes comunitários são o elo mais frágil do ecossistema rural, como confirma o representante especial do secretário geral da ONU, Jean Arnault, e o enviado da UE à paz, Eamon Gilmore. “Uma das expressões mais negativas dessa violência é a persistência do assassinato de líderes sociais”, dizem. O desafio, em sua opinião, consiste em levar o Estado às regiões em que ele ainda não está presente: “Aumentar a presença das instituições estatais para fazer chegar aos territórios os dividendos da paz desejados pelas comunidades: segurança, educação, saúde, terra, infraestrutura e oportunidades de desenvolvimento alternativas às economias ilegais”. “A tarefa”, continuam, “é imensa, a articulação de todas as instituições imprescindível, a contribuição dos atores regionais ao seu próprio desenvolvimento decisiva”.

Esse horizonte de insegurança se junta às dificuldades e atrasos que marcaram a aplicação dos acordos. A Força Alternativa Revolucionária do Comum, o partido herdeiro da guerrilha, entrou no Congresso, mas está profundamente dividido. Dois de seus principais líderes, o ex-número dois da organização, Iván Márquez, e Hernán Dario Velásquez, conhecido como El Paisa, estão em local desconhecido como protesto pela prisão de Jesús Santrich, outro ex-comandante que se encontra à espera de extradição aos Estados Unidos por crime de tráfico de drogas. E, mesmo que Timochenko se mostre fiel ao compromisso que assumiu pessoalmente com Juan Manuel Santos, em uma carta enviada no sábado a Arnault ressalta que “os avanços alcançados na implementação do acordo de paz, em particular ao que se refere à questão do acesso à terra, foram muito reduzidos”.

O Governo do novo presidente, Iván Duque, que ganhou as eleições com a promessa de modificar os acordos de Havana, evitou comemorar o segundo aniversário da assinatura. O mandatário, entretanto, se referiu à matança de Riosucio e ao assassinato de um menino de 13 anos na Comuna 13 de Medelín, antigo território do cartel de Pablo Escobar. “É doloroso, nos toca fundo e pedi ao ministro da Defesa que precisamos capturar os que estão por trás desse crime horrível, que obscurece esse território de paz e comunidade ancestral”, afirmou. “Esses fatos são os que queremos que não continuem se repetindo no país e por isso precisamos que o Estado e a população trabalhem articuladamente para denunciar e punir”.

Santos: "Os colombianos devem fazer um esforço para continuar construindo a paz"

O ex-presidente colombiano Juan Manuel Santos ressaltou em um vídeo divulgado no sábado que nos primeiros 100 dias de seu Governo “ocorreram 154 ações violentas por parte das FARC” e “nos primeiros 100 dias do Governo de Duque não ocorreu uma só ação violenta por parte das FARC”. “Tanto o secretário geral das Nações Unidas como a União Europeia disseram nessa semana que a paz da Colômbia continua sendo a melhor notícia ao mundo”, acrescentou. A paz é de Santos?, alguns se perguntam. A resposta é não. A paz é de todos os colombianos, e todos os colombianos devem fazer um esforço para continuar construindo-a, porque é assim que deixaremos um país melhor aos nossos filhos”.

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