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Onda de demissões no Governo britânico põe em risco o acordo de Theresa May com a UE

Quatro membros do gabinete renunciaram depois que a primeira-ministra obteve apoio ao texto O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, convoca uma cúpula de urgência para o dia 25

Rafa de Miguel

Demissões em cascata no Governo do Reino Unido. O ministro encarregado do Brexit, Dominic Raab, renunciou depois que o Governo de Theresa May aprovou o acordo de desligamento do Reino Unido da UE, selado após negociações com Bruxelas. Raab era um eurocético convicto, que havia defendido o abandono das instituições comunitárias no referendo de 2016, e sua nomeação ao cargo de negociador com a Comissão Europeia, em substituição a David Davis, foi uma tentativa de May no sentido de aplacar a ala radical dos conservadores. A saída de Raab representa, portanto, um duro golpe para May, poucas horas antes de um comparecimento dela ao Parlamento britânico onde está recebendo uma dura réplica de suas próprias fileiras e dos partidos da oposição. A libra despencou segundos após a divulgação da demissão do ministro.

Barnier (esquerda) e Tusk mostram o documento após se reunirem nesta quinta-feira.
Barnier (esquerda) e Tusk mostram o documento após se reunirem nesta quinta-feira.FRANCOIS LENOIR (REUTERS)
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Deixa o Governo também Suella Braverman, braço-direito de Raab e jovem promessa do Partido Conservador, também ligada à ala eurocética. O primeiro a anunciar sua demissão havia sido o ministro para a Irlanda do Norte, Shailesh Vara. No caso dele, trata-se de um defensor da permanência na UE, por isso sua decisão reflete o profundo mal-estar causado em todas as facções dos tories por causa do pacto obtido pela primeira-ministra.

Uma hora depois da renúncia do ministro para o Brexit, chegava a terceira demissão desta leva. Ester McVey, ministra de Trabalho e Previdência, também jogou a toalha, acusando May de “não ter honrado o resultado do referendo de 2016”. McVey era um dos membros mais críticos do Executivo com o resultado das negociações com Bruxelas, e sua demissão foi a menos surpreendente, mas agrava a crise. A que verdadeiramente põe em xeque o futuro político de May e de sua estratégia é a de Raab.

“[O acordo] deixa o Reino Unido a meio caminho, sem prazo para [estabelecer] quando o país se tornará finalmente um Estado soberano”, declarou Raab em sua carta a May, que ele publicou também na sua conta do Twitter. Raab renunciou ao cargo por dois motivos, segundo sua carta de demissão. “Acredito que o regime regulatório para a Irlanda do Norte represente uma ameaça real à integridade do Reino Unido”, escreveu. Além disso, na qualidade de negociador com a UE desde que David Davis se demitiu, há alguns meses, mostrou seu desacordo com o pacto de união alfandegária plasmado no documento validado na noite de quarta-feira pelo Governo britânico, que tachou de “híbrido”. Acredita, além disso, que não oferece nenhum controle democrático. “Eu me demiti como secretário do Brexit. Não posso, em boa consciência, apoiar os termos propostos para nosso acordo”, conclui.

O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, anunciou nesta quinta-feira em Bruxelas a convocação de uma cúpula extraordinária da União Europeia (UE) em 25 de novembro para validar o acordo de divórcio com o Reino Unido, ao cabo de uma semana de intensas consultas no bloco. Enquanto isso, em Londres, May se dirigiu à Câmara dos Comuns para defender o acordo, em meio a duras críticas dentro e fora de seu partido, embora o documento só deva ser votado em dezembro.

“Desde o começo não tivemos dúvida de que o Brexit é uma situação em que todos perdem e que as negociações só tratam de controlar os danos”, declarou Tusk nesta quinta, após se reunir no começo da manhã com o negociador-chefe da UE, Michel Barnier, que lhe entregou o texto do acordo selado na quarta-feira com o Governo britânico, um volume de 585 páginas e 185 artigos, três protocolos (sobre a Irlanda, Gibraltar e Chipre) e vários anexos sobre a saída “ordenada” do Reino Unido.

Tusk informou que agora o acordo será analisado pelos Estados membros, e que no fim de semana os 27 embaixadores se reunirão para compartilhar sua avaliação do texto. Também abordarão o mandato para que a Comissão Europeia conclua a declaração política conjunta sobre a futura relação com o Reino Unido, um processo no qual também “estarão envolvidos os ministros europeus”.

Conforme disse, a Comissão planeja definir na próxima terça-feira essa declaração sobre o futuro da relação, de maneira que os Estados membros possam avaliá-la nas 48 horas seguintes, até quinta-feira, com vistas à realização da reunião dos líderes no domingo, dia 25. “Digo a nossos amigos britânicos que, por mais que me entristeça vê-los partir, farei de tudo para que este adeus seja o menos doloroso possível, tanto para vocês como para nós”, concluiu Tusk.

Irlanda do Norte

O ponto mais controvertido é o protocolo sobre a Irlanda do Norte, que determina que, enquanto não houver um acordo comercial bilateral definitivo, o Reino Unido será uma união alfandegária, mas a província britânica na ilha da Irlanda terá uma equivalência normativa mais estrita com a UE, a fim de evitar uma fronteira com a República da Irlanda.

Para evitar a aplicação da cláusula de segurança, regulada por um Comitê Conjunto, Londres poderia solicitar uma prorrogação do período de transição, que expira em 31 de dezembro de 2020.

O porta-voz da oposição trabalhista para o Brexit, Keir Starmerm, declarou nesta quinta-feira ao canal ITV que o acordo preliminar é “um fracasso miserável da negociação”, um “documento de segunda classe” e “um caótico final”, que reflete “as divisões entre os conservadores”. Vários deputados tories já expressaram nesta quarta seu mal-estar pelo pacto, e Jacob Rees-mogg, líder do grupo pró-Brexit duro, conclamou seus colegas a votarem contra o acordo quando ele tramitar no Parlamento britânico, no próximo mês.

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