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O laço de Paulo Guedes com os ‘Chicago boys’ do Chile de Pinochet

Cérebro econômico de Bolsonaro viveu no Chile na década de oitenta, quando conheceu de perto as reformas implementadas pela ditadura

Rocío Montes

O presidente eleito do Brasil, Jair Bolsonaro – admirador declarado de Augusto Pinochet – terá Paulo Guedes como um superministro da Economia. Guedes anunciou nesta terça-feira, 30, que sua pasta será uma fusão dos ministérios da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio Exterior. Trata-se de um velho conhecido dos economistas chilenos que impulsionaram o programa econômico ultraliberal na ditadura (1973-1990). Em seus estudos de pós-graduação na Universidade de Chicago, onde o homem-forte era Milton Friedman, pai intelectual dos Chicago Boys, Guedes estreitou laços com vários estudantes chilenos que depois viriam a ter papéis relevantes no regime militar.

Paulo Guedes fala com jornalistas antes de uma reunião com o presidente-eleito Jair Bolsonaro, no Rio
Paulo Guedes fala com jornalistas antes de uma reunião com o presidente-eleito Jair Bolsonaro, no RioReuters

Um deles foi Jorge Selume Zaror, ex-diretor de Orçamento do regime de Pinochet, que no começo da década de oitenta comandou a Faculdade de Economia e Negócios da Universidade do Chile, a instituição acadêmica pública mais antiga e importante do país. Foi a convite dele que Guedes aterrissou nesse centro de estudos para trabalhar como pesquisador e acadêmico, assim como fizeram na mesma época Robert Mundell e Edmund Phelps – conforme informou a revista chilena Capital –, que receberam o Nobel de Economia em 1999 e 2006, respectivamente.

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“Entendo que esteve por aqui, na Universidade do Chile. Não sei se foi durante anos ou um trimestre”, disse, ao jornal chileno La Tercera, Rolf Luders, da primeira geração dos Chicago boys, um de seus principais expoentes, ministro da Fazenda e da Economia, Fomento e Reconstrução entre 1982 e 1983. Em setembro passado, o economista Ricardo Paredes escreveu no Twitter: “Economista-chefe de Bolsonaro, Paulo Guedes, é PhD de Chicago e trabalhou no Departamento de Economia da Universidade do Chile por volta do começo dos anos oitenta. Recordo-o como un capo [um craque], embora assim como Bolsonaro seja aterrorizante”.

O jornalista chileno Cristián Bofill, especialista em política brasileira, conta que, “quando Guedes voltou de Chicago para o Brasil com seu doutorado, se sentiu marginalizado no Brasil. Os economistas que tinham a hegemonia naquele momento não lhe deram nem as posições acadêmicas nem os cargos no Governo que ele sentia que merecia. Então, nos anos oitenta vem para o Chile, onde é recrutado por Selume. Queria conhecer em primeira mão as reformas que os Chicago boys estavam promovendo no país”.

Segundo Bofill, tudo indica que o projeto de Guedes sempre foi fazer no Brasil o que foi feito no Chile pelo economista Sergio de Castro, assessor da Junta Militar a partir de 1973, depois ministro da Economia e da Fazenda e o principal artífice da implantação do modelo junto com os outros economistas de Chicago: “Pegar um país medíocre economicamente, meter-lhe reformas de viés neoliberal, fazer que o país tenha um impulso e, no final, o que é o mais vitorioso, que seus próprios adversários assumam o modelo, como fez, com a chegada da democracia, a Concertação de centro-esquerda”.

Quando Guedes chegou a Santiago, “era o melhor momento dos Chicago boys”, relata a jornalista Carola Fuentes, que junto a Rafael Valdeavellano lançou em 2015 o filme homônimo, no qual os próprios protagonistas das reformas de Pinochet relatam as transformações que promoveram no Chile e seu legado vigente até a atualidade. A diretora de Chicago Boys relata que, no começo da ditadura, eles ocuparam cargos secundários de assessores técnicos. Em março de 1975, entretanto, Friedman visitou o Chile: “Foi quando convence a Pinochet e lhe diz a famosa frase de que as medidas devem ser tomadas de forma radical, porque é melhor cortar o rabo do cachorro de uma só vez do que em pedacinhos”.

Pinochet, como a maioria dos militares chilenos da época, era por principio estatista e olhava com desconfiança para esse grupo de tecnocratas. Mas logo depois da conversa com Friedman decidiu dar espaço aos Chicago boys para que assumissem o comando da economia chilena. “A partir desse momento, começaram a ocupar as primeiras linhas de ministérios e de diversas instituições, como o Banco Central, por isso era fácil para eles tomar as decisões. Não havia nenhum tipo de oposição a suas medidas radicais, que numa democracia não poderiam ter implementado”, afirma Fontes.

No filme Chicago boys, Ricardo Ffrench-David, economista chileno formado em Chicago, mas crítico da ditadura e da gestão de seus colegas de universidade, diz que “as políticas econômicas de 1973 a 1982 foram um exemplo pioneiro de extremismo neoliberal no mundo”. Fuentes as detalha: liberdade de preços, abertura econômica e redução dos impostos, privatização de empresas estatais e redução do Estado, junto com a doutrinação da população.

Em 1982, os Chicago boys foram expulsos da primeira linha logo depois da desvalorização mundial do dólar – em 1979, haviam determinado a fixação da taxa de câmbio –, mas foram sucedidos por outros economistas que não alteraram em nada o modelo. Entre eles José Piñera, irmão do atual mandatário chileno, ministro de Pinochet e criador do sistema previdenciário chileno, baseado na capitalização individual. Implementou-a no começo da década de oitenta, justamente a época em que Guedes vivia e trabalhava no Chile.

Bolsonaro gostaria de substituir o sistema previdenciário distributivo por outro de capitalização, seguindo o rastro do que foi feito no Chile de Pinochet. Onyx Lorenzoni, seu possível ministro da Casa Civil, não oculta sua admiração pelo modelo que os Chicago boys chilenos implementaram: “O Chile para nós é um exemplo de país que estabeleceu elementos macroeconômicos muito sólidos, que lhe permitiram ser um país completamente diferente de toda a América Latina”.

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