_
_
_
_
_

Bolsonaro: “Missão não se escolhe, se cumpre”

Bolsonaro faz transmissão ao vivo pelo Facebook e reza com um pastor evangélico após a vitória, enquanto os festejos varrem as principais cidades

Jair Bosonaro vota no Rio de Janeiro neste domingo, 28
Jair Bosonaro vota no Rio de Janeiro neste domingo, 28EFE
Mais informações
Bolsonaro abre a era da extrema direita na presidência do Brasil
Vida e ascensão do capitão Bolsonaro
Trumpismo e Bolsonarismo: semelhanças alarmantes

A vitória da extrema-direita no Brasil foi comemorada nas ruas em ritmo de funk, foguetes e fogos de artifício, enquanto o vencedor fazia uma transmissão ao vivo pelo Facebook e rezava segurando a mão de um pastor evangélico. Depois, Jair Bolsonaro, o homem que despontou como uma versão tropical de Trump e cujas ameaças fazem lembrar as do filipino Rodrigo Duterte, emulou desta vez John Belushi e Dan Aykroyd na banda The Blues Brothers, e bradou: “Esta é uma missão de Deus.”

Menos de uma hora havia passado desde a confirmação do triunfo, quando Bolsonaro, acompanhado da esposa e de uma intérprete de linguagem de sinais, transmitiu sua primeira mensagem como presidente eleito com uma live no Facebook. Dentro de sua casa, com gritos de alegria como música de fundo: “Sabíamos para onde estávamos indo. Agora sabemos para onde queremos ir. Todos juntos vamos mudar o destino do Brasil”, afirmou Bolsonaro, dubitativo, olhando para todos os lados, como se gravasse um vídeo caseiro mais do que as primeiras palavras de quem dirigirá, a partir de 1.o de janeiro, o maior país da América Latina.

Numa referência velada aos meios de comunicação, seu primeiro ataque, afirmou: “Nós temos que nos acostumar a viver com a verdade. Não existe outro caminho (...) Graças a Deus, essa verdade o povo entendeu perfeitamente.”

As fake news corromperam a campanha brasileira, sobretudo através do WhatsApp. Embora seu rival, Fernando Haddad, tenha também difundido notícias falsas, Bolsonaro esteve no centro de todas as acusações. Além disso, os ataques contra a imprensa, ao mais puro estilo Trump, foram constantes.

O já presidente eleito moderou seu discurso em sua segunda intervenção, mas na primeira não disfarçou seu ódio pela esquerda. Não apenas não se referiu em nenhum momento a Haddad, como é habitual após uma vitória presidencial, por mais tensa que tenha sido a campanha, mas também atacou seus adversários: “Não podemos mais ficar flertando com o socialismo, o comunismo, o populismo e o extremismo da esquerda.”

Finalizando a mensagem num meio que se transformou em seu habitat natural, onde o número de seguidores aumentou exponencialmente ao longo da campanha, Bolsonaro mencionou aqueles aos quais deve grande parte de sua vitória – e que certamente vão cobrar. O presidente agradeceu o apoio dos evangélicos e deu a palavra a um pastor, que se pôs, segurando a mão do mandatário eleito e depois de elogiá-lo como um “verdadeiro cristão, um patriota”, a orar, ante milhões de pessoas que acompanhavam a transmissão pela TV.

Ainda se esperava um terceiro ato após a vitória. No mesmo cômodo de sua casa onde rezou, apareceu um jornalista, o único na sala, que o parabenizou pela vitória e lhe cedeu o microfone para que Bolsonaro lesse o que qualificou como o “primeiro discurso” como presidente.

Como ocorreu nas últimas semanas, após incendiar com suas palavras, era hora de moderar sua intervenção. “Libertaremos o Brasil e o Itamaraty das relações internacionais com viés ideológico (...). O Brasil deixará de estar apartado das nações mais desenvolvidas (...). Recuperaremos o respeito internacional pelo nosso amado Brasil”, declarou, sem citar a Venezuela, embora todos os olhares tenham sido para o país vizinho. “Liberdade é um princípio fundamental. Liberdade de ir e vir, andar nas ruas em todos os lugares desse país, liberdade de empreender, liberdade política e religiosa, liberdade de fazer, formar e ter opinião, liberdade de escolhas e ser respeitado por elas”, afirmou. “Estou muito feliz, e missão não se escolhe nem se discute, se cumpre. Nós juntos cumpriremos a missão de resgatar o nosso Brasil.”

Do lado de fora da casa de Bolsonaro, reinava a felicidade. Letícia e Tomás Affonso, mãe e filho, comemoravam a decisão que tomaram há seis meses. Uma palavra resume o que queriam: “Renovação!”, grita ela, de 42 anos. “Isso é algo importante. Nosso voto não é contra ninguém nem contra o PT. É que queremos algo novo.” O duro discurso de Bolsonaro contra a corrupção os motivou, assim como seu compromisso de combater a insegurança. “Muitos nos perguntam como vivemos no Rio, mas a verdade é que já estamos acostumados. Pior do que está é impossível. Por isso, temos esperança de que agora as coisas vão melhorar.”

A alegria era incontrolável. Os gritos de “mito!” se misturavam aos bailes de funk com músicas cujas letras citavam o próximo presidente do Brasil. Todos se amontoavam para escutar o discurso de Bolsonaro, que era transmitido num coreto a poucos metros de onde estavam. “Sua vitória é algo que esperávamos há muito tempo, porque há muito tempo que não vivemos de fato numa democracia”, criticava Lívian Merlino, pedagoga de 33 anos. “O PT sempre falou de empreendimento, mas o que fez foi uma roubalheira”, disse. “O programa de educação de Bolsonaro me tranquiliza, o respeito ao professor e o patriotismo já não serão perdidos. Isso de colocar uma escola militar em cada Estado é um começo.”

Outra que comemorava era Isalene Souza, 34 anos, uma mulher negra que, ante as acusações de “racista” contra Bolsonaro, diz que isso foi distorcido. “Também sou contra as cotas para negros. Acho que isso, sim, é racismo”, diz essa cabeleireira. Sua principal reivindicação, como a de milhões de pessoas, é que o próximo presidente diminua a insegurança. “Está mais difícil”, diz ela.

A festa começou muito antes da divulgação do resultado oficial da eleição, às 19h. De fato, a festa dos ultradireitistas foi bem longa, orgiástica. Os seguidores de Bolsonaro saboreavam o triunfo mais do que previsível desde 11 de setembro. Nesse dia, Lula desistiu de continuar levando adiante sua luta na Justiça. Era impossível que pudesse disputar as eleições, por mais que fosse o favorito nas pesquisas. O ex-mandatário, preso desde abril por corrupção, designou Fernando Haddad como seu substituto, seu sucessor. E a sombra de Lula, para o bem ou para o mal, pesou demais sobre o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT).

Porque de Lula passou-se a isso, ao candidato do PT, o partido que governou a política brasileira em 13 dos últimos 15 anos e que encarna o desencanto com os partidos tradicionais. Por mais que tenha sido a bancada mais votada no Congresso, na prática é a extrema-direita que governará o Brasil.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_