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Brasil à flor da pele vota sem debater como tirar a economia da marcha lenta

A campanha eleitoral debateu ideologias e estilos distintos de governar. Mas nenhum candidato respondeu à pergunta que mais grita: quem será capaz de colocar o país no caminho da recuperação econômica firme?

O Brasil vai hoje às urnas para definir o nome do presidente que conduzirá seu destino nos próximos quatro anos. Os 147 milhões de eleitores decidem entre o ultradireitista Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores. A campanha eleitoral que os colocou em lados opostos debateu ideologias e estilos distintos de governar. Mas nenhum respondeu à pergunta que mais grita hoje nas casas brasileiras: Quem será capaz de colocar o país de 209 milhões de pessoas no caminho de uma recuperação econômica firme, após dois anos de uma que foi apenas letárgica?

Luis Tinoco

A campanha agressiva, que foi marcada inicialmente pela batalha jurídica pelo nome do ex-presidente Lula para ser o candidato do PT, e depois pela liderança de Bolsonaro, alvejado no início de setembro por um lunático com uma faca, acabou deixando em segundo plano a realidade cotidiana das pessoas, que tentam recuperar as ilusões perdidas ao longo da crise política e econômica que o país vive nos últimos quatro anos.

"O dinheiro parou de circular aqui", lamenta Maria Ferreira Lima, dona de um minúsculo quiosque de camisetas na popular rua 25 de Março, no centro de São Paulo. Lima passou 35 de seus 58 anos trabalhando na área que reúne centenas de lojas que vendem desde roupas de bebê, a panelas e enfeites domésticos. A região da 25 de Março se transformou em um termômetro da economia brasileira. E Lima, em uma testemunha da temperatura atual. “Em outros anos não se conseguia andar por aqui de tanta gente que comprava”, recorda. Aqueles eram tempos em que faltava mão de obra no Brasil, quando a nova infraestrutura em torno da Petrobras movimentava a economia. Agora os tempos são outros. A gigante do petróleo está no centro de uma investigação que paralisou a política e os negócios, e desde então o país não é o mesmo. Lima, que já teve uma loja na mesma rua, viu como a crise, que começou a dar os primeiros sinais em 2014 —no mesmo ano em que teve início a investigação da Lava Jato sobre corrupção na petroleira—, reduziu o público da 25. Ela mesma teve de fechar as portas de sua loja e ficar com o quiosque de camisetas. As que mais vendem são aquela com a cara de seu candidato a presidente. Vai votar em Bolsonaro e espera vê-lo governar a partir de janeiro de 2019.

A dona do quiosque é um reflexo do Brasil que o próximo presidente herdará. Um país em que as pessoas não aguentam mais rebaixar suas expectativas sobre o futuro, esperando que o dinheiro volte a circular e a economia ressurja novamente após quatro anos de paralisia. Foram dois anos de recessão, entre 2015 e 2016, e mais dois com uma recuperação anêmica. O país ainda não retomou a atividade dos anos pré-crise, embora os especialistas indiquem que, talvez, em 2020, possa conseguir isso.

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A previsão é que em 2018 o PIB aumente 1,4%, após ter crescido apenas 1% em 2017. São resultados anêmicos para um país com tantos desafios a serem atendidos. "Neste momento não há garantia de que esse ritmo será mantido", explica Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas. Tudo indica que será Bolsonaro, com 8 a 10 pontos de vantagem sobre Haddad, de acordo com as últimas pesquisas, que terá de lidar com esse quadro econômico. Aos olhos dos cidadãos, a tarefa mais urgente para o novo presidente é retomar a confiança de um país dividido em dois pela política e, ao mesmo tempo, melhorar o ritmo da atividade econômica para quebrar o círculo vicioso instalado há alguns anos, como afirma o empresário Marcio Nahas, que também tem um negócio na rua em 25 de Março. "O desemprego cresceu. Com mais gente desempregada, vende-se menos nas lojas. E com vendas inferiores, os empregadores tiveram que cortar", comenta ele, dono de uma tradicional loja de tecidos, perto do quiosque de Lima. Nahas teve de reduzir em 30% sua folha de pagamento para sobreviver a tempos difíceis.

No total, o Brasil soma 12,7 milhões de desempregados, com uma taxa de desemprego de 12,1%. Nas eleições de quatro anos atrás, o desemprego era de 4,8% e o país estava satisfeito por ter uma situação de pleno emprego. Hoje, esse passado parece uma miragem. No caminho explodiram alguns problemas fiscais que fizeram aflorar uma bolha no mercado de trabalho. Entre estas medidas estavam subsídios fiscais a empresas, com a intenção de incentivar o consumo, e investimentos públicos equivocados do Governo de Dilma Rousseff (que presidiu o país entre 2011 e 2016, quando foi destituída pelo Congresso). Ambos os incentivos expandiram os gastos públicos sem uma contrapartida em termos de cobrança de impostos.

A dívida pública passou de 55,4% do PIB em 2014 para 77,3% neste ano, de acordo com os cálculos do Banco Central do Brasil. Pela metodologia do Fundo Monetário Internacional (que inclui títulos do Tesouro como garantia de compromissos), o quadro clínico é ainda mais agudo, com 85,92% (dados de agosto) de dívida sobre o PIB. Essa é outra espada na cabeça do próximo presidente. Segundo os especialistas, trata-se de uma bomba-relógio que pode explodir e aprofundar o quadro negativo da economia se os ajustes não forem feitos a tempo. Já faz cinco anos que o Brasil não consegue obter superávit nas contas públicas. Mesmo tendo congelado os gastos públicos em 2017.

O déficit primário esperado para este ano excede 139 bilhões de reais, um valor equivalente a 2% do PIB, e a expectativa para 2019 é que o resultado permaneça negativo. "Quem for o próximo presidente do Brasil, encontrará uma situação extremamente frágil", alerta o economista Claudio Frischtak. E não há milagres para reverter a situação, apesar de isso ter sido prometido durante a campanha eleitoral. Bolsonaro, por exemplo, garante que levará o déficit a zero em 2019 sem aumentar impostos, algo que exigiria crescimento de 4,5%. "Isso é impossível", diz Frischtak. Por sua vez, Haddad tem propostas de investimento público em setores que empregam muita mão de obra, como o de infraestrutura, algo que ajudaria a criar uma onda de otimismo para o crescimento do consumo e a arrecadação do Governo.

Aspecto de uma das principais ruas comerciais de São Paulo. 
Aspecto de uma das principais ruas comerciais de São Paulo. Getty Images

Reforma da Previdência

Qualquer que seja a solução a curto prazo, os economistas consultados por EL PAÍS coincidem em apontar a reforma da Previdência como base para uma sólida transformação do Brasil. A queda na taxa de natalidade e a maior expectativa de vida reverteram a pirâmide demográfica. O sistema dificilmente será sustentável sem se mudar a matemática. Em 2017, o déficit do caixa das aposentadorias foi de 268,8 bilhões de reais, 18,5% superior ao de 2016. "A reforma do sistema previdenciário é a espinha dorsal de um ajuste fiscal", defende Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos. "Uma agenda de ajustes é prioritária. Se não houver um senso de urgência nesta questão, o preço a pagar será muito alto ", acrescenta.

As mudanças na aposentadoria não são fáceis em nenhum país, e o Brasil não seria exceção. O atual presidente, Michel Temer, tentou avançar nesse assunto e o Congresso a princípio lhe deu apoio. Mas na véspera de um ano eleitoral este apoio se evaporou porque a reforma implicaria aprovar medidas impopulares num momento em que muitos estavam buscando a reeleição (as eleições parlamentares foram realizadas em 7 de outubro, coincidindo com o primeiro turno da presidencial). Nesse contexto de interesses cruzados, a reforma ficou na gaveta, esperando o que o próximo presidente decidir.

A legislação vigente estabelece que os brasileiros podem se aposentar de acordo com o tempo de contribuição para a previdência —30 anos para as mulheres e 35 para os homens. Portanto, quem começou a trabalhar aos 16 ou 18 anos, consegue se aposentar antes dos 50 anos, ainda tendo uma idade produtiva pela frente. A proposta de Temer era estabelecer uma idade mínima de aposentadoria de 53 anos para mulheres e 55 anos para os homens, e elevar esse limite para 62 e 65 anos, respectivamente, ao longo de duas décadas.

No entanto, mais de 70% dos brasileiros são contra a proposta, de acordo com uma pesquisa recente, o que mostra que não será uma tarefa fácil para o próximo governo. Até o momento, as propostas dos candidatos nesta questão são superficiais. Os dois disseram que buscarão iniciativas diferentes das de Temer. Bolsonaro, por exemplo, quer seguir o modelo de capitalização, como o adotado pelo Chile, com a possibilidade de que um trabalhador opte por um plano de previdência privada. Haddad defendeu o combate aos privilégios daqueles que recebem aposentadorias muito altas —políticos, militares, entre outros— e atribui o equilíbrio nas contas da previdência à recuperação da economia, uma vez que um maior crescimento significaria empregos e o aumento das contribuições.

Desigualdade galopante

Nas últimas décadas Brasil conseguiu reduzir de forma notável a taxa de pobreza. No entanto, continua sendo um país muito desigual desde o ponto de vista econômico. As seis maiores fortunas do país acumulam uma riqueza equivalente aos recursos que possuem os 100 milhões de habitantes mais pobres, segundo um relatório publicado por Oxfam International.

A aposta Bolsonaro

Desde o início do processo eleitoral o mercado financeiro brasileiro aposta em Bolsonaro como o candidato mais preparado para levar a cabo as reformas de que o país precisa. A cada pesquisa em que o ex-militar aparecia à frente, a Bolsa de Valores brasileira subia e o dólar caia frente ao real. Deputado há 28 anos, tendo passado por oito partidos diferentes, o extremista de direita coleciona polêmicas e não mede as palavras, com discursos belicosos para atacar os oponentes "Vamos fuzilar a petralhada”, disse ele em um comício se referindo aos membros do PT. "Vamos varrer do mapa esses bandidos vermelhos do Brasil. Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora ou vão para a cadeia", declarou no domingo passado, o que levou seus seguidores ao delírio. Nem mesmo sua reputação como machista, homofóbico e adorador da ditadura tirou pontos dele entre os investidores. A narrativa agressiva lhe outorga, aos olhos de quem o apoia, uma autoridade que seria fundamental para promover as profundas mudanças que a economia requer.

Bolsonaro foi atrás de Paulo Guedes, economista liberal que passou por Chicago, para ser seu fiador no mundo econômico. Guedes é visto como a panaceia para todos os males da economia. Bolsonaro afirma que ele será seu ministro da Economia, e promete incentivar o livre mercado, as privatizações e um ajuste fiscal severo. Tudo isso fez com que investidores vissem com bons olhos a sua candidatura. "O mercado vive uma lua de mel com Bolsonaro", reconhece Silvio Cascione, da consultoria Eurasia. "Mas esse idílio pode ser mais curto do que se imagina." Cascione lembra que não há soluções rápidas para os problemas complexos do Brasil. Também é uma incógnita a reação da sociedade quando perceber que o plano desse candidato é buscar um ajuste que, na prática, irá cortar direitos e pode não entregar as respostas às altas expectativas que o candidato vem alimentando. Pelo contrário, nesse jogo de equilíbrios que teria que promover no caso de chegar à Presidência, suas respostas poderiam não estar à altura de suas promessas, decepcionando assim o mercado.

Mais mudanças

Os agentes econômicos esperam que o próximo presidente também faça outras reformas, como a tributária. E que isso fortaleça uma agenda de mudanças para que o Estado seja mais eficaz e melhore os investimentos produtivos. De uma taxa de investimentos de 20,4% do PIB em 2014, o Brasil passou a 15,6% em 2017, longe das necessidades para alcançar um crescimento sustentável. Difícil desvincular esta redução do gasto da crise política que eclodiu com as investigações da Lava Jato sobre a Petrobras. As empresas de construção e infraestrutura se viram implicadas nas denúncias de suborno, e o país assistiu a um efeito dominó. Tudo estancou. "Estamos vivendo uma crise política que não foi totalmente resolvida com a destituição de Dilma ", lembra Silvia Matos, da FGV.

A paralisia econômica também contaminou o comércio exterior do Brasil. As exportações caíram de 256 bilhões para 225 bilhões de dólares no ano passado. "Nós não sabemos como vai terminar a guerra comercial entre a China e os Estados Unidos, e que nos afeta", diz José Augusto Castro, presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior. "A isso devemos acrescentar que a Argentina está passando por uma crise severa, e não há mercado que possa compensar sua menor atividade", afirma. Bolsonaro lembrou que é necessário aprofundar as relações com os Estados Unidos, hoje o segundo maior parceiro comercial do Brasil, depois da China. A Argentina é o terceiro. Isso pode deixar em segundo plano o projeto de expansão dos países emergentes (BRICS), que era uma meta dos diferentes governos do PT (2003 a 2016). O candidato conservador também fez gestos de aproximação com o presidente argentino, Mauricio Macri, e o presidente chileno, Sebastián Piñera, indicando por onde pode caminhar sua diplomacia.

No entanto, outras decisões necessárias para dar suporte às mudanças econômicas passarão pelo Congresso, que tomará posse em janeiro de 2019 com uma renovação sem precedentes de 50% dos 513 assentos e com 30 partidos representados. Com a popularidade em alta, Bolsonaro conseguiu eleger 52 deputados pela sua legenda, o Partido Social Liberal (PSL). E também ganhou o apoio de outros grupos que se identificam com ele, como os ruralistas, evangélicos e deputados que apoiam o armamento da população. Terá, porém, que negociar com todas as cores, incluindo o próprio PT, que elegeu 56 deputados, a maior bancada da Câmara dos Deputados. "A credibilidade de um Governo Bolsonaro só se concretizará se houver uma boa relação com o Congresso", diz Frischtak.

É aí que começam as dúvidas sobre o futuro de um eventual Governo ultradireitista. "Não vejo Bolsonaro com facilidade para controlar o Congresso", diz Sergio Vale, economista da MB Associados. Como ele, Silvia Matos teme que as reformas necessárias para impulsionar a economia não sejam aprovadas. "Essa é uma das maiores incertezas do mercado", diz Matos. A população que o apoia majoritariamente, porém, joga todas as suas esperanças em que a mão dura traga o otimismo de volta ao país. Se as pesquisas estão corretas e Bolsonaro vencer, a verdade vai começar a ser conhecida em janeiro.

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