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eleições brasil 2018
Coluna
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Qual o papel do jornalismo quando a democracia e a liberdade de imprensa estão com a faca no pescoço?

É nossa obrigação documentar o momento histórico, mostrar as caras deste país com imagens, textos e sonoras capazes de traduzir o inclino à barbárie da sociedade brasileira

Lost Art

Quarta feira, 17 de Outubro de 2018. Um silêncio arrebata as ruas do centro de São Paulo. Passos apertados e olhares desconfiados. Nos acostumamos a andar com medo. Assistindo à propaganda eleitoral, o porteiro de um edifício discreto aponta para o alto antes que uma pergunta saia da boca do jovem casal de fotógrafos que pela primeira vez visita o Baixo Augusta, reduto de resistência cultural com sede na rua Major Certório. Sim, somos um país violento cujas ruas carregam nomes de oficiais militares do passado. Um passado opressor, um presente tenebroso.

Sim, o militarismo tem raízes poderosas e está estampado nas placas de ruas e avenidas. O silêncio desconfortável pega carona no elevador até o primeiro andar onde uma multidão de fotógrafxs se amontoa amedrontado num salão. A atmosfera do local deve ser semelhante aos encontros secretos dos militantes nos tempos da ditadura. “Resistência!” Alguém grita no canto esquerdo do recinto. É o primeiro encontro do grupo Fotógrafos contra a barbárie cuja reunião tem como objetivo marcar o posicionamento de parte da categoria contra a candidatura do presidenciável Jair Bolsonaro. “Precisamos estar unidos agora mais do que nunca”, comenta uma jovem ao lado, que acredita no amor para reverter votos. A campanha vira voto , que apresenta no Instagram depoimentos de pessoas que mudaram seu voto de Jair Bolsonaro para Fernando Haddad, ganhou força nas redes sociais nas últimas semanas ao mesmo tempo em que fotógrafxs saem às ruas diariamente para informar e debater com a população. Num país onde dois terços da sociedade se informa por WhatsApp, o acesso à informação é um privilégio imensurável.

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A conjuntura atual é de ameaça à democracia e às já fragilizadas instituições brasileiras, como alertam a imprensa internacional e diversas ONGs como a Repórteres Sem Fronteira e a Human Rights Watch. Atos de opressão e agressão que eclodem por todos os cantos há anos, nos últimos dias se intensificaram e escancaram o ódio e a intolerância em que a sociedade brasileira está mergulhada. A violência da periferia está chegando à classe média, mas antes disso foi preciso que Amarildos e Marielles sangrassem por aí nas periferias. O pavor é grave na outra parte da população “A caixa de pandora está aberta, conviveremos com o fascismo daqui para frente” discursa no microfone a fotógrafa Marlene Bergamo. Enquanto o microfone anunciava a lista de fotógrafxs apoiadores como se fosse o elenco de uma novela das oito alguém na arquibancada do auditório reclamava da hierarquização da categoria e sintetiza a rachadura existente. Para uma categoria em que o ego e a vaidade muitas vezes cega à união é preciso repensar as atuações pois o momento de urgência exige que nós, fotógrafos e jornalistas, nos posicionemos frente à barbárie e façamos nossa militância nas ruas com câmeras na mão e informações na cabeça para reverter a situação eleitoral. É nossa obrigação documentar o momento histórico, mostrar as caras deste país com imagens, textos e sonoras capazes de traduzir o inclino à barbárie da sociedade brasileira. No período do regime militar, inúmeros companheiros foram presos, torturados e assassinados, muitas vezes na frente dos próprios filhos, para que pudéssemos exercer nosso ofício e se expressar livremente. Essa condição infelizmente pode estar com os dias contados.

Para constar nos autos, neste ano, até o momento, a ABRAJI registrou 137 casos de violência contra jornalistas durante o exercício da profissão. Vale lembrar que o Brasil dos “cidadãos de bem” é o segundo país da América Latina em que mais morrem jornalistas, ficando atrás do México e o sétimo no mundo. Façamos a resistência com nossas armas: uma câmera fotográfica um bloco de notas e uma caneta munidos de um rádio a pilha. Documentar a complexidade deste país a beira do caos não será uma tarefa fácil mas nós somos destemidos por natureza, corremos em direção às bombas de gás lacrimogênio nos protestos reprimidos com opressão. Somos células de resistência. Todos ecoam o grito de #elenão durante a foto oficial.

Chegamos à ponta de um iceberg sombrio que vem emergindo nos últimos anos e agora conquistou a superfície sem sinais de que vai afundar. Vivemos há décadas num Estado opressor, especialmente das minorias atacadas por Bolsonaro. O pontapé inicial de um longo período de resistência já foi dado, a história dirá quantos sobreviverão e com quais imagens documentaremos o período sombrio que estamos prestes a adentrar.

Manifesto Fotografia contra a Barbárie — Carta do Baixo Augusta

17 de Outubro de 2018. Casa do Baixo Augusta, São Paulo, Brasil.

A fotografia tem na sua origem a luta pela justiça social e pela denúncia, assim neste momento crucial da democracia brasileira ela deve se manter fiel àsrbári tradições dos grandes fotógrafos e fotógrafas que usaram suas câmeras para resistir e apontar as injustiças, a miséria, a opressão, o autoritarismo e as ditaduras em todo o mundo.

Somos profissionais da imagem das mais diversas áreas, fotógrafas e fotógrafos, coletivos, curadores, galeristas, editores, ONGs, professores, instituições, redes e festivais de fotografia em todos os estados brasileiros que nos somamos nesse Manifesto “Fotografia Contra a Barbárie”.

Reunimo-nos em um ato público em caráter de urgência, no dia 17 de Outubro de 2018, em São Paulo, na Casa do Baixo Augusta, com o objetivo de unificar simbolicamente a categoria, tendo em vista o impacto e poder de formação de opinião de tantos nomes fundamentais na história da fotografia brasileira e mundial, cujas causas estão diretamente ligadas aos direitos humanos, convivência plural e respeito mútuo.

Todos os presentes e participantes online nos manifestamos contra a ameaça fascista representada pela candidatura de Jair Bolsonaro. Não aceitamos intolerância, preconceito, violência e discriminação. Estamos ante um projeto de poder que idolatra a existência de um passado autoritário no Brasil como caminho para o futuro ao flertar explicitamente com conceitos violentos, machistas, lgbtfóbicos, racistas, xenofóbicos e discriminatórios contra setores diversos da sociedade. A candidatura de Jair Bolsonaro e sua postura antidemocrática, apoiado em grande parte pela elite que explora este país desde o descobrimento, representa uma ameaça direta aos patrimônios civilizatórios primordiais: a Democracia e a Liberdade.

É nosso dever como cidadãos resistir e lutar pelos princípios fundamentais da sociedade brasileira ameaçada pelo candidato do PSL, que insurge contra os direitos conquistados com tantas lutas e sacrifícios após a ditadura militar e a constituição democrática de 1988. Direitos esses como a legislação trabalhista, a luta contra a criminalização das minorias e dos movimentos sociais, a preservação das nossas riquezas e reservas naturais.

Não estamos lutando só pelo Brasil, mas contra a ameaça conservadora e autoritária que se baseia no medo e na ampla disseminação de falsas notícias ouvidas pela população. Não aceitamos o incitamento ao ódio. O que nos une é o compromisso incondicional com a democracia, a tolerância, a paz, os direitos humanos e a liberdade de expressão. Acreditamos num Brasil para todas e todos. Por isso, estamos preparados para estar juntos na sua defesa em qualquer situação. Nos reunimos para que nossas vozes e nossas imagens ajudem a impedir o obscurantismo que se anuncia e nos auxiliem na reconstrução de um Brasil do qual possamos nos orgulhar pela justiça social e igualdade.

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