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Pacotes-bomba agitam campanha eleitoral nos EUA e Trump responsabiliza a imprensa

Após uma série de envios de explosivos a democratas proeminentes, a polícia interceptou um pacote suspeito em imóvel do ator Robert de Niro nesta quinta-feira

Carteiro conversa com agentes do serviço secreto na entrada da casa de Barack Obama em Washington
Carteiro conversa com agentes do serviço secreto na entrada da casa de Barack Obama em WashingtonAlex Brandon (AP)
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A campanha para as eleições legislativas dos Estados Unidos entrou numa nova fase nesta quarta-feira, 24. Entre a noite de terça-feira e a manhã de quarta, agentes federais investigavam a descoberta de uma série de bombas caseiras enviadas pelo correio a proeminentes democratas, entre eles o ex-presidente Barack Obama e a ex-secretária de Estado Hillary Clinton, candidata presidencial derrotada em 2016. Ambos os pacotes eram semelhantes ao que foi encontrado na segunda-feira na mansão do filantropo bilionário George Soros.

Mas não foram os únicos. John Brennan, ex-chefe da CIA, a deputada Maxine Walters e Eric Holder, que foi secretário de Justiça durante a Administração Obama, também receberam cartas. Inclusive o canal noticioso CNN esteve na mira do suposto terrorista. E no final da noite de quarta soube-se que Joe Biden, vice-presidente nos dois mandatos da Obama, também recebeu um pacote “suspeito”. Por enquanto não se sabe se continha explosivos.

Nesta quinta-feira, a polícia de Nova York retirou um pacote suspeito no prédio onde estão o restaurante e os escritórios do produtor e ator Robert de Niro, 75. A mídia local assegura, citando fontes policiais, que o pacote é muito parecido com o que chegou à sede da CNN nesta quarta-feira. Robert de Niro é uma das figuras visadas pelos ultra conservadores por ter expressado sua rejeição pública às políticas de Donald Trump. Em seu discurso durante a última cerimônia do Tony Awards, o ator criticou o presidente, dizendo até mesmo: "Fuck Trump".

Esta é uma campanha muito disputada, em que republicanos e democratas jogam tudo. Também o próprio presidente, Donald Trump, sem nem sequer figurar nas cédulas, encara o pleito como um voto de confiança – ou não – para os dois próximos anos que restam de mandato. De repente, entre comícios e atos festivos para atrair votos, a temida palavra “terrorismo” sacudia uma semana marcada pelos atos eleitorais. A Casa Branca, através de sua porta-voz, Sarah Sanders, condenou as tentativas de ataque pouco depois da sua divulgação e declarou que os responsáveis responderiam perante a lei. “Estes atos terroristas são desprezíveis”, disse.

As bombas são um pequeno tubo negro, tapado pelos extremos e com cabos e material explosivo no interior

Trump atacou novamente a imprensa, apesar de a CNN ter sido um dos alvos. Já de noite, em um comício em Wisconsin, o republicano insistiu em que todos “os lados têm que estar unidos em paz e harmonia”. Até aqui tudo certo. Mas, então, o presidente apontou seu dedo acusador para onde já o dirigira muitas outras vezes: para a mídia hostil à sua Administração, que estaria se dedicando a divulgar fake news. A mídia tem “a responsabilidade de estabelecer um tom civilizado e acabar com a infinita hostilidade e constantes ataques negativos, e frequentemente ataques e histórias falsas”, cobrou. Não seria esta a primeira vez que Trump acusa seus oponentes de serem criminosos. Tampouco que alerta que os democratas destruirão o país se assumirem o controle do Congresso no próximo dia 6 de novembro.

A manhã tinha sido frenética: de quando em quando, aparecia a notícia de um novo pacote enviado. A CNN teve que parar de transmitir dos seus estúdios habituais, dando lugar à sucursal de Washington. O falso remetente de todos os pacotes era o mesmo: Debbie Wasserman Schultz, ex-presidenta do Comitê Nacional Democrata. A ex-chefa democrata recebeu de volta em seu escritório na Flórida a carta que ia dirigida a Eric Holder, já que este não mora no endereço descrito no envelope.

O presidente se definiu “irritado, incomodado e triste”

Soros, de 88 anos, é o alvo dos conservadores nacionalistas norte-americanos pelo apoio que dá com sua fortuna e através de sua fundação às causas democratas. A Open Society, fundação do magnata de origem húngara, emitiu um comunicado condenando “a política de ódio” que domina o debate político. Por isso pede aos dirigentes que abaixem o tom: “Temos a responsabilidade coletiva de criar uma maneira mais civil de discutir nossas diferenças”.

Exceto a carta a Soros, que foi entregue em mãos em sua caixa de correio, e a da CNN, levada por um mensageiro, os demais pacotes foram enviados por correio. Tratam-se de envelopes pequenos, que continham em seu interior um pequeno tubo negro com cerca de dez centímetros, tampado nas pontas, e com cabos e material explosivo no interior. Num dado momento, uma fonte da Casa Branca afirmou que tinham encontrado um dispositivo suspeito na residência do presidente, mas o Serviço Secreto descreveu a informação como “incorreta”.

Trump, referindo-se aos incidentes durante a tarde, nem sequer pronunciou o nome dos afetados, embora se tratem de um ex-presidente, uma ex-secretária de Estado e um ex-secretário de Justiça, além de uma das grandes empresas jornalísticas do país. Seu pronunciamento era esperado, e ainda assim tardou. Esperado porque antes dele se manifestou o seu vice, Mike Pence, declarando que “estes atos covardes não têm cabimento no país”. Trump, em primeira instância, limitou-se a referendar via Twitter as palavras de Pence.

“Vivemos momentos turbulentos”, disse em Miami a ex-secretária de Estado Hillary Clinton

E demorou porque, quando Trump apareceu em uma das salas da Casa Branca destinadas a atos especiais, quem primeiro se pronunciou sobre uma crise nada usual foi sua esposa, Melania Trump, anfitriã de um fórum sobre a epidemia de mortes por opiáceos que abala o país.

A primeira-dama agradeceu o Serviço Secreto pelo trabalho bem feito e depois cedeu a palavra ao seu marido. Então o presidente se aproximou do microfone e por um momento pareceu pedir desculpas pelo sotaque estrangeiro com o qual sua esposa se expressa, ao explicar à audiência que isso é porque o inglês não é a única língua que domina. Trump qualificou o ocorrido como “desprezível”, disse que não havia espaço para “a violência nos Estados Unidos” e se declarou “irritado, incomodado e triste” com as tentativas de atentado. Tudo isto sem mencionar nem uma só das vítimas. “Em momentos como este devemos nos manter unidos”, concluiu, antes de devolver a palavra à sua esposa, que continuou falando sobre o problema das drogas.

Na noite de terça para quarta-feira, Hillary Clinton dormia na Flórida, onde participara de um ato da campanha democrata. Seu marido, Bill, entretanto, descansava na residência do casal no idílico povoado de Chappaqua (norte do Estado de Nova York). Não se sabe onde se encontrava a família Obama no momento em que o Serviço Secreto interceptou o pacote suspeito. A ex-secretária de Estado, adversária de Trump nas presidenciais de 2016, fez pela manhã algumas declarações à imprensa em Miami. “Vivemos momentos turbulentos”, declarou Clinton, acrescentando que quando as pessoas lhe perguntam como vai sempre responde o mesmo: “Como pessoa vou bem, mas como norte-americana estou preocupada”. “É um momento preocupante, de grande divisão, é preciso fazer todo o possível para voltar a unir nosso país. Também temos que escolher candidatos que façam o mesmo”, apontou, com o alvo na disputa eleitoral e na terrível polarização que se vive este país.

“Não podemos deixar que os terroristas nos intimidem”, disse o prefeito de Nova York

Tudo levava a crer que o ruído na campanha subiria vários tons na reta final. Mas os incidentes das últimas horas alteraram o discurso e colocaram novamente em evidência a tensão e inclusive a incitação ao ódio que se depreende de algumas mensagens. Soros sofre diariamente duras críticas por parte dos setores mais radicais da direita e amantes das teorias conspiratórias que o acusam de estar financiando a caravana de imigrantes centro-americanos que se encontra atualmente no México com intenção de entrar nos Estados Unidos. Nesse mesmo sentido, o próprio presidente Trump também arremeteu contra os democratas, dizendo que também estão por trás da marcha de migrantes.

Bill de Blasio, prefeito de Nova York, disse numa entrevista coletiva que se tratou de “um ato de terror dirigido a minar nossas liberdades”. “Não podemos deixar que os terroristas nos intimidem, este é o mundo onde vivemos”, acrescentou, ao lado do governador Andrew Cuomo. “O terrorismo só funciona se lhe permitirem. São alguns poucos os que tentam nos separar pela via da violência”, concluiu o prefeito de Nova York. “Não podemos permitir.”

Mason Brayman, agente especial encarregado do caso, anunciou a abertura de uma investigação criminal. “Vamos utilizar todos os recursos federais, estaduais e locais para determinar a fonte e identificar os responsáveis”, disse. As autoridades insistem em que a investigação segue seu curso e que não consta que outros alvos tenham sido ameaçados. Mesmo assim, a presença policial está sendo reforçada em locais como as sedes dos meios de comunicação.

“Os pacotes foram identificados imediatamente durante os procedimentos de supervisão rotineiros do correio como potenciais artefatos explosivos e foram tratados adequadamente como tais”, explicou o Serviço Secreto através de um comunicado. As autoridades disseram que tanto Clinton como Obama estão fora de perigo. A campanha, entretanto, está perturbada.

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