As grandes fortunas fogem do Brasil (os pobres ficam)
Quem assumir a presidência depois da eleição assumirá também uma sangria de fortunas. Dos brasileiros mais ricos, 52% gostariam de ir embora do país
Roberto Figueiredo, de 43 anos, largou tudo. Esse engenheiro de formação com jeito para os investimentos levou sua mulher, seu trabalho e sobretudo seu dinheiro para longe do Brasil, da sua São Paulo natal, para irem morar em Miami. “O panorama para investir aqui está péssimo”, reclama, franzindo a testa sob um sol escaldante no terraço de um shopping no Itaim Bibi, uma área rica do centro expandido paulistano. Recentemente, completou a documentação para solicitar visto de residência permanente nos Estados Unidos. Agora, é questão de esperar e ir embora. Em parte, está cumprindo seu sonho desde que, adolescente, fez um intercâmbio no Novo México. E em parte reage a um grande catalisador: “A situação deste país contribuiu para a minha decisão”, conta.
A saída de capital de um país é o primeiro sintoma de que algo não vai bem, e o Brasil está perdendo grandes fortunas como a de Roberto a um ritmo cada vez mais desenfreado. Em 2017, 2.000 milionários abandonaram as fronteiras nacionais, segundo um estudo da New World Wealth: é a cifra mais alta já registrada no país, e pela terceira vez o Brasil figura entre os 10 países que mais milionários perdem no mundo. A sangria já soma 12.000 proprietários de mais de um milhão de dólares desde 2015, ano em que começou a se consumar o fracasso brasileiro e o que parecia um paraíso revelou-se justamente o contrário. A economia do país enterrou-se na pior recessão em décadas, a política se revelou incapaz de melhorar a situação, e a violência nas ruas começou a ser insuportável e maior a cada ano (o recorde, de 2017, foram 64.000 mortos).
“Os carros blindados já não davam a sensação de segurança, porque no Rio de Janeiro os roubos começavam a acontecer com fuzis”, diz Daniel Toledo, advogado e executivo da Loyalty, uma firma norte-americana que resolve as gestões legais dos emigrantes da classe A brasileira. Em 2015, a empresa começou a notar que tinha mais trabalho. Agora, a cada ano fatura o dobro que no anterior.
“Os empresários não aguentam mais os impostos, nem as leis trabalhistas, nem a falta de colaboração das instituições financeiras”, recorda. “Foi também quando chegou a primeira grande depressão brasileira, o começo do caos na Venezuela, os problemas econômicos da Argentina e a crise política da Bolívia. Os empresários centrados no Mercosul passaram a procurar outros mercados.”
Quem assumir a presidência depois da eleição deste domingo, mais provavelmente o autoritário ultradireitista Jair Bolsonaro do que o professor universitário Fernando Haddad, assumirá também essa sangria de fortunas, e o desafio de freá-la. Dos brasileiros mais ricos, os que recebem mais de 8.641 reais por mês, 52% gostariam de ir embora do país, segundo a última pesquisa em que o instituto Datafolha abordou essa questão, em junho deste ano. E os ricos vão embora porque são os únicos que podem, mas não os únicos que deixariam com prazer de viver no principal país da América Latina: 56% dos universitários e 62% dos jovens de 16 a 24 anos também viveriam em qualquer outro lugar.
Em outubro, o mesmo instituto perguntou com que palavras os brasileiros viam seu país. As respostas: com raiva (68%), desânimo (78%), tristeza (79%) e insegurança (88%). No ano passado, o ministério da Fazenda recebeu 21.700 avisos de emigração, o triplo do que em 2011.
Para viver nos Estados Unidos, Roberto pediu um visto EB-5, geralmente associado às grandes fortunas. É concedido a quem investir meio milhão de dólares em um negócio que gere 10 empregos ou mais. “A cada trimestre dos últimos anos, o número de brasileiros que pedem o EB-5 dobrou”, diz Ariel Yaari, executivo da Driftwood, uma empresa norte-americana que se dedica exclusivamente a solicitar esse tipo de vistos para ricos brasileiros. “Sempre é pelo mesmo motivo: a falta de fé no futuro do Brasil e a percepção de insegurança. Depois, a imensa maioria fica no exterior. Acredito que só vi um caso de uma pessoa que voltou para o Brasil, e foi por uma questão familiar.”
A outra opção favorita é Portugal e a vida de parcimônia que a Europa oferece, ao contrário dos EUA. Esse país já tem 85.000 residentes brasileiros, e tudo indica que receberá mais. A uma semana e meia da eleição, seu consulado em São Paulo teve que fechar o guichê por causa da crescente demanda de solicitações de nacionalidade portuguesa por parte de cidadãos brasileiros.
Roberto também nota que a ideia de ir embora é popular no seu entorno. Tanto que ele mesmo montou uma pequena consultoria para ajudar brasileiros a se estabelecerem e investirem nos Estados Unidos e Portugal. Batizou-a de High Figs: “É uma brincadeira com o meu sobrenome, Figueiredo”, sorri. “Vou morar em Miami porque sou brasileiro”, diz. E explica: o Miami Herald contou no ano passado 300.000 brasileiros na Flórida, atraídos pelo clima e a cultura latina. “Mas inclusive para os meus amigos que vão para Portugal eu digo o mesmo. ‘Cara, você precisa se dolarizar’. Porque tem quem queira deixar seu dinheiro no Brasil por motivos sentimentais, ou porque tem investimentos antigos. Mas os juros brasileiros estão baixíssimos, e os norte-americanos dão uns dividendos que assustam de tão altos. Você tem que investir nos EUA mesmo se for morar em Portugal. O que não pode é manter o dinheiro no Brasil.”