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Grupos pró-Bolsonaro no WhatsApp orquestram notícias falsas e ataques pessoais na internet, diz pesquisa

Pesquisadores da Uerj acompanharam grupos de vários candidatos no aplicativo desde maio; bolsonaristas têm maior alcance e organização

O software IRaMuTeQ extrai das conversas em andamento nos grupos as palavras- chave que mais aparecem e as organiza em infográficos
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Desde maio deste ano, o grupo de pesquisa em Tecnologias da Comunicação e Política (TCP) na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) tem monitorado grupos de WhatsApp em apoio a candidatos presidenciais. Inseridos em 90 grupos, os 14 pesquisadores estudaram o comportamento dos usuários para descobrir como as pessoas se organizam para viralizar conteúdos eleitorais no WhatsApp.

Os estudiosos monitoraram 28 grupos autodenominados “conservadores” ou “pró- militares” e 24 grupos de apoio ao PSL e Bolsonaro. Entraram também em 18 grupos de apoio ao PT ou a Haddad, 4 de apoio ao PSDB ou Geraldo Alckmin, 4 de apoio a Marina Silva, 2 de apoio a Ciro Gomes e 1 de apoio a Henrique Meirelles. Além disso, acompanharam 9 grupos para discussões de política geral ou suprapartidária. O grupo de pesquisa faz parte da rede do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD).

Para a coordenadora Alessandra Aldé, existe uma ordem para o caos cibernético. “As notícias falsas têm caminhos específicos. Esses fluxos não são aleatórios e existe uma técnica específica para fazer com que a informação falsa viralize. E isso é muito importante.” O estudo descobriu que a cada 30 mensagens, pelo menos uma foi enviada do exterior.

“A notícia entra em um grupo e nesse grupo tem contato com 250 e poucas pessoas. Dessas 250 e poucas, algumas voluntariamente pegam e replicam isso em outros grupos. Não só como vítimas que compartilharam uma vez e não compartilham mais. Compartilham isso de uma forma sistemática”, explica João Guilherme, que coordena o núcleo de análise de dados do grupo.

Nesses cinco meses de monitoramento, os pesquisadores perceberam que grupos pró-Bolsonaro têm um alcance mais vasto e uma organização maior na disseminação de noticias falsas em comparação com os demais.

Um dos maiores exemplos disso se deu no primeiro turno, com um boato de que havia uma fraude eleitoral em curso. O grupo de pesquisa da Uerj seguiu uma mensagem específica: “TSE informa: 7,2 milhões de votos anulados pelas urnas! A diferença de votos que levaria à vitória de Bolsonaro no primeiro turno foi de menos de 2 milhões”. Segundo os pesquisadores, o boato apareceu 202 vezes em 41 dos 90 grupos. Destes 41 grupos, 37 estão no conjunto de apoio a Bolsonaro, grupos de direita e pró-militar e 4 de política em geral.

“O que a gente percebe é que o campo do Bolsonaro está muito mais organizado para fazer isso do que os outros candidatos. Então eles anteciparam essas estratégias e já começaram a construir esses grupos”, diz Alessandra. “Chamou atenção da gente também essa falta de compromisso de quem difunde essas notícias como verdade. Porque não se trata de fatos, não tem uma objetividade, é desqualificação, geralmente moral, e associações que são muito impróprias, inadequadas. É uma campanha muito mentirosa. Realmente o nível de notícias falsas é muito maior na campanha de Bolsonaro do que em qualquer outra campanha. Isso é visível. E a gente está em dezena de grupos.”

Alessandra avalia que quem alimenta essa rede são produtores profissionais de conteúdo. “Existe uma produção profissional de memes, de várias coisas bem-feitas esteticamente. São lançadas para números de celulares em vários locais diferentes. O celular mostra, por exemplo, a região da pessoa, porque tem o prefixo. Você pode achar associações entre bancos de dados, celulares e CEP e usar isso para direcionar a sua propaganda atingindo os grupos e circulando dentro de grupos específicos. Então existe uma técnica.”

Na semana passada, a Folha de S.Paulo revelou que empresas contrataram disparos massivos de mensagens de WhatsApp contra o PT e a favor de Bolsonaro, em contratos que chegavam a R$ 12 milhões.

Apoio a Bolsonaro inclui incitação a ataques pessoais e participação em enquetes

Fora a produção do conteúdo em si, a tática para a disseminação das mensagens por militantes é simples e eficaz. Em cada grupo existem pessoas que dão ordens e orientam o restante dos usuários a cumprir tarefas específicas. “Eles sistematicamente pedem e orientam as pessoas a circularem as informações nos outros grupos de WhatsApp. No da família, no do trabalho”, explica Alessandra.

“Tem sempre alguém ali falando ‘façam isso, faça aquilo’. Por exemplo, se está tendo uma pesquisa no Facebook, eles pedem para todos irem lá para responder. Ou então tal famoso postou tal conteúdo contra o Bolsonaro, então vamos ali dar dislike. Então existe, sim, uma orquestração.”

“Existe chamamento para você ir lá e dar dislike na página da atriz que se manifestou a favor do Haddad. Isso é muito comum. Ou ir lá e escrever na página de quem é contra a intervenção. Então esses WhatsApps servem também para mobilizar a ação desses eleitores nas outras redes. ‘Vamos lá no YouTube todos dar dislike.’ Aí você vê uma migração.”

Segundo o pesquisador João Guilherme Bastos dos Santos, os membros orquestram inclusive ataques coletivos. “Por exemplo, antes do primeiro turno saiu a notícia de um instituto de pesquisa específico que desagradou eles. Aí, algumas pessoas desses grupos identificam o estatístico responsável, pegam o Facebook da pessoa e jogam no grupo do WhatsApp. As pessoas usam isso para chegar até essa pessoa e ameaçar”, diz.

João Guilherme conta que viu também grupos de apoio a Marina Silva e Ciro Gomes serem atacados por apoiadores do Bolsonaro que se infiltraram, entravam fingindo ser simpatizantes e lá dentro começavam a atacar. Em um caso, esses infiltrados chegaram a virar administradores de um grupo pró-Marina para depois deletar o grupo.

Controlando a narrativa e banindo quem questiona

Segundo os pesquisadores, os administradores dos grupos fazem uma curadoria para controlar a narrativa. Isso ficou claro quando saíram os resultados do primeiro turno. Começaram a surgir comentários preconceituosos contra o Nordeste, região onde o voto ao PT levou vantagem, desde coisas como “o Nordeste é um parasita” até “tem que mandar matar nordestino”.

“Logo alguns agentes começaram a dizer assim ‘não gente, a gente precisa do voto no Nordeste’, aqui tem muito nordestino eles não têm culpa dos outros eleitores”, explica Alessandra. “E até começaram a banir, a excluir pessoas que estavam aderindo a essa crítica.”

Os pesquisadores detectaram ainda que pessoas que questionam insistentemente a veracidade de uma informação são banidas. “Essa pessoa é enquadrada como um sabotador, ou petista ou comunista e é removido do grupo. Então, sempre que alguém vai destoar dessa narrativa unificada, essa pessoa é retirada acusada de traição”, diz João Guilherme. “Se alguém começa a reclamar de fake news e dizer ‘você tem certeza que isso é verdade, onde que está a fonte disso, será que isso não vai pegar mal pra gente.’ Aí a pessoa é rapidamente deletada”, completa Alessandra.

Porém, enquanto os administradores baniam da discussão comentários que poderiam atrapalhar a campanha, deixavam rolar solto discursos de ódio contra certos segmentos da sociedade. Alessandra viu diversas ameaças circulando nos grupos contra mulheres e LGBTs. Ela cita como exemplo as frases “Viado não vai ter mais vez, não vai poder fazer isso” e “Vamos acabar com essas feminazis quando o Bolsonaro ganhar”, que rodaram sem sofrer reprimendas dos administradores.

O pesquisador afirma que há uma pluralidade: cada grupo tem um discurso que foi adaptado e construído especificamente para agradar àquele tipo de eleitor. “Tem notícias falsas voltadas para valores religiosos, falando que Haddad vai acabar com a família, que ele é contra Deus, que Manuela d’Ávila falou que Jesus é travesti. Mas em outros grupos esse discurso não tem tanta entrada e você tem mais um discurso sobre segurança pública, por exemplo. Esses grupos falam que a situação está insustentável, que alguém tem que fazer alguma coisa, que tem que se armar”, explica.

Embora sejam plurais, todos os discursos convergem em uma só mensagem: para evitar tudo isso, é preciso votar no Bolsonaro. Isso se enquadra em uma narrativa maior que os apoiadores vêm construindo há pelo menos dois anos no WhatsApp. “Essa ideia de ameaça comunista. A ideia de que a gente tem que se unir contra uma ameaça externa e todo mundo entre nós que atrapalhar essa união está favorecendo essa ameaça externa. É um mecanismo básico de movimentos populistas ou fascistas, onde você reprime sistematicamente quem discorda”, diz João Guilherme.

O estudo

Ainda em fase de análise e conclusão, o estudo do grupo de Tecnologias da Comunicação e Política da Uerj pretende determinar padrões de comportamentos de seguidores de diferentes candidatos no WhatsApp, a plataforma que tem sido apontada como principal influenciadora desta eleição.

Os pesquisadores concluem que o WhatsApp precisa ser entendido como uma rede de grupos organizados que estão interconectados por participantes em comum que sistematicamente levam as notícias falsas de um grupo para outro.

A pesquisa revela que, dos 90 grupos estudados, 99,11% dos perfis estão conectados direta ou indiretamente através de uma rede de pessoas.

No infográfico abaixo é possível ver a estrutura de conexões entre os grupos analisados. As linhas verdes representam grupos de conservadores, pró-militares e de apoio ao candidato do PSL. As linhas vermelhas são de apoiadores de Fernando Haddad. Em rosa, grupos para discussões de política geral ou suprapartidária, e em azul, grupos de outros candidatos.

Para conseguir mapear o caminho da disseminação das notícias, o TCP da Uerj usa os softwares IRaMuTeQ e Gephi. Ele rastreia, mas mantém em condição de anonimato, o número de celular que deu origem à mensagem para apontar em qual grupo ela surge, e depois mapeia o seu trajeto. O resultado são “nuvens” de dados que ilustram a disseminação da informação pela rede do WhatsApp.

O exemplo abaixo rastreia a cronologia de uma notícia falsa, representada pela cor amarela. Quando o candidato Jair Bolsonaro foi atacado em Juiz de Fora, em 6 de setembro, surgiu, às 17h03 uma notícia falsa que dizia que o responsável pelo ataque era membro do Partido dos Trabalhadores e responsável pela campanha de Dilma Rousseff. Apesar de a notícia ter sido desmentida na televisão nesse meio-tempo, ela continuou sendo espalhada pelos grupos – e só para de ser divulgada às 18h19.

O software IRaMuTeQ extrai das conversas em andamento nos grupos as palavras- chave que mais aparecem e as organiza em infográficos. As palavras mais repetidas aparecem em tamanho maior. Abaixo, é possível ver as associações de palavras que se formaram em conversas onde se discutiam as urnas e o TSE. Os pesquisadores explicam que no gráfico amarelo onde as palavras mais usadas são “Comunista, militar e intervenção” foi possível relacionar este vocabulário aos grupos pró-Bolsonaro. Já no gráfico azul e laranja não existe uma correlação clara entre o agrupamento de palavras e os grupos de WhatsApp representados.

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