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ACM Neto: “Espero que a agenda de um Governo Bolsonaro seja de união nacional”

Prefeito de Salvador reforça reposicionamento do DEM ao centro e diz que apoio dependerá do Planalto. Ele admite que "deu tudo errado" na campanha de Alckmin e defende "projeto de poder" para 2022

O prefeito de Salvador, ACM Neto.
O prefeito de Salvador, ACM Neto.Valter Pontes (Prefeitura de Salvador)
Rodolfo Borges
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Antônio Carlos Magalhães Neto não enxerga prejuízo para o Democratas, partido que presidente desde março, como consequência do crescimento do Partido Social Liberal (PSL), que elegeu 52 deputados federais empurrados pela onda eleitoral de Jair Bolsonaro no primeiro turno. "Nosso campo político é o centro. O PSL está nitidamente ocupando o espectro da direita", diz o neto de Antônio Carlos Magalhães, o falecido líder do direitista Partido da Frente Liberal (PFL), que virou DEM em 2007 e, desde então, passa por um processo de reposicionamento no espectro político brasileiro.

"Eu entendo que se posicionar no centro é ter a capacidade de dialogar com todos, de não ser sectário, de não trabalhar com preconceitos, de ter condições de construir uma agenda progressista", diz o prefeito de Salvador, que participou da coordenação da campanha derrotada de Geraldo Ackmin (PSDB) no primeiro turno e, agora, apoia Bolsonaro por discordar "100% do PT" de Fernando Haddad. Durante passagem por São Paulo para promover o Réveillon da capital baiana e atrair investimentos para o novo centro de convenções da cidade, ACM Neto falou ao EL PAÍS sobre o desempenho de seu partido nas eleições e suas expectativas em relação a um possível Governo Bolsonaro.

Pergunta. O desempenho do Democratas na eleição foi satisfatório?

Resposta. O Democratas elegeu na Câmara uma bancada 50% maior do que na eleição passada [o número de deputados eleitos pelo DEM em 2014 foi 21, mas a bancada, ao longo da legislatura, subiu para 43; nesta eleição, elegeram 29]. Elegemos em primeiro turno dois governadores, e estamos disputando dois Estados no segundo turno. Na eleição passada, não tínhamos conseguido eleger nenhum governador. Fizemos quatro senadores e vamos ter uma bancada de seis, que é o dobro do que tínhamos no mandato passado. Acho que o Democratas, apesar de todo o tsunami da política, teve um desempenho satisfatório e conseguiu sobreviver. O mais importante é que tem um processo de crescimento contínuo. Isso é o que mais nos preocupa. Existem bolhas na política, que, quando você estoura, acabou. Já vimos isso acontecer no Brasil várias vezes. Não digo que estamos vivendo outra bolha, mas pode ser que sim. No caso do Democratas, temos um partido orgânico com quadros muito qualificados e em processo de crescimento.

P. Em 2016, você celebrava que o Democratas tinha se reconectado com as ruas. O PSL tomou esse espaço?

R. Não quero de maneira alguma desmerecer o êxito do PSL. Pelo contrário, temos de reconhecer o feito e o resultado que eles conseguiram na eleição. Mas não dá para comparar. O PSL está muito vinculado a esse momento e ao fenômeno da candidatura do Bolsonaro. Temos uma outra linha. Não disputamos a Presidência, mas estamos estruturados no Brasil inteiro. Temos uma história. São situações muito distintas. Não vejo o PSL como adversário, como um partido que ocupa espaço que poderia ser nosso. Nosso campo político é o centro. O PSL está nitidamente ocupando o espectro da direita. O DEM não é um partido de direita, é de centro. E a gente vai manter essa coerência ideológica, mesmo que agora a moda seja outra. Compromisso com princípios é o mais importante, porque moda passa.

P. Você acha que o Democratas é enxergado dessa forma, como partido de centro?

R. A gente vem se reposicionando. A refundação do partido, feita em março deste ano, inclusive com a minha chegada à presidência do partido, foi exatamente com esse propósito, de identificar o nosso nicho e de posicionar o partido no campo do centro. Nós não vamos mexer nisso por conta do resultado da eleição. Até por que esse é o nosso programa e nós somos um partido orgânico. Claro que dentro do Democratas existem pessoas mais à direita, absolutamente identificadas com o pensamento de direita, mas a maioria é de centro. A linha de pensamento do partido é posicionada no centro democrático.

P. Como você define o centro? E que espaço esse posicionamento tem numa dinâmica política de radicalização dos discursos?

R. As coisas são muito cíclicas. O PT teve uma trajetória de esquerda. Quando, em 2002, Lula venceu a eleição, foi praticamente renunciando àquele ideário. Ele só venceu a eleição porque apaziguou as resistências que tinha, atenuou o discurso e fez todo um movimento para o centro. E [o PT] governou por oito anos, e os quatro primeiros anos da Dilma [Rousseff], assim. O segundo governo da Dilma é que começou a ser ideológico, querendo se meter em intervencionismo econômico, com um viés estatizante. Deu no que deu. Agora, o PT, no primeiro turno, foi mais para a esquerda e moderou. Bolsonaro, no início, estava na direita, e moderou. Eu entendo que se posicionar no centro é ter a capacidade de dialogar com todos, de não ser sectário, de não trabalhar com preconceitos, de ter condições de construir uma agenda progressista. Espero que a agenda do próximo governo, caso Bolsonaro seja eleito, mesmo com um perfil conservador, seja uma agenda de união nacional. Não adianta, não dá pra governar para uma banda. Você pode se eleger com uma banda, mas tem de governar para todos. Essa precisa ser a visão do próximo governo.

P. A perspectiva é de que o Democratas componha um futuro eventual Governo Bolsonaro?

R. Depende. A perspectiva é: nós vamos ajudar o país. Nós temos um compromisso com a agenda do Brasil. Os temas que forem bons para o país terão o nosso apoio. O governo, querendo dialogar conosco essa agenda, querendo construir conosco as medidas que vão ter de ser tomadas para organizar o Brasil, terá o nosso apoio. Agora, a gente não sabe qual vai ser a tônica da relação política do futuro governo. Eles é que vão ter de dar o tom, que vão ter de dizer em que medida querem o apoio. O que eu posso garantir é que nós estamos prontos para ajudar o Brasil, e não vamos participar de maneira alguma de indicação de cargos, daquele toma lá, dá cá, esqueça isso. Não há hipótese de o partido participar disso. Podemos até ter quadros, como o próprio Onyx [Lorenzoni, deputado federal cotado para comandar a Casa Civil], que já foi anunciado pelo Bolsonaro, o que nos deixa muito feliz. É um quadro do partido, a gente confia muito no Onyx, mas não é uma indicação do Democratas. O partido quer que o Brasil dê certo e está pronto para ajudar. Cabe ao governo iniciar um processo de diálogo e mostrar que agenda quer implementar.

P. Quais são os principais pontos da agenda do país para você?

R. A prioridade número um é o ajuste fiscal. Temos um déficit nas contas públicas que precisa ser equacionado. Só tem dois caminhos, e um deles nós não apoiaremos: o aumento de impostos. Não pode ser por esse caminho, tem de ser pelo outro, que é a racionalização dos gastos públicos, a otimização da estrutura de governo, a reforma do Estado, a reforma da Previdência, a reforma tributária. Esse é o caminho em que a gente acredita.

P. Você acredita que o Democratas pode contribuir para moderar um eventual governo Bolsonaro, acalmar os ânimos?

R. Não vou dizer isso. Eu não teria essa pretensão. A gente tem que ter a humildade de reconhecer o resultado das urnas. Se as pesquisas se confirmarem, o Bolsonaro será eleito com um grande respaldo popular. Noventa e nove por cento do partido está com ele no segundo turno. Eu, particularmente, estou com ele no segundo turno. E nossa expectativa é de que ele possa representar uma mudança na política. O apoio a ele é exclusivamente em função disso. Nós já conhecemos o PT, já sabemos que o PT não vai dar certo, então estamos apostando que ele possa representar alguma mudança. E o partido quer contribuir para isso. Bolsonaro está se elegendo sem o apoio de nenhum partido, só o dele, o que não é ruim para este momento. Acho isso bom porque dá a ele total liberdade para compor seu governo, que eu espero que seja um governo com os mais qualificados.

P. Você justifica o apoio a Bolsonaro no segundo turno por preferi-lo ao PT. O que lhe desagrada nele?

R. Não concordo 100% com os pensamentos e com as práticas dele, tanto que não o apoiei no primeiro turno, meu candidato foi outro, o Geraldo Alckmin. No entanto, eu discordo 100% do PT e de sua volta ao poder. Temos duas opções. Existem certamente divergências ideológicas entre o meu pensamento e o dele. Bolsonaro é um cara mais conservador, mais à direita do que eu. Eu não acredito que o governante deva se envolver em questões que são da liberdade do indivíduo. Opções sexual, religiosa, ideológica. Agora, sem dúvida, mantendo coerência com o que eu sempre defendi, tendo essas duas opções, me identifico muito mais com Bolsonaro do que com o PT.

P. O que aconteceu com a campanha de Alckmin, que não passou dos 10% nas pesquisas de intenção de voto?

R. Deu tudo errado. Primeiro, nós já sabíamos das dificuldades da candidatura do Alckmin. Fizemos pesquisas antes de declarar o apoio a ele, sabíamos das limitações, do desgaste do PSDB. Acabou que a campanha do Geraldo não conseguiu desenvolver uma estratégia, muito em função do episódio da facada no Bolsonaro. Aquela facada matou a campanha do Geraldo, a verdade é essa. Depois, a campanha não conseguiu voltar a respirar. Aí veio toda a desagregação dos aliados. O PSDB, com suas crises internas e suas traições, não deu o exemplo. Isso abriu espaço para que todos os outros não se sentissem comprometidos de verdade com a campanha. O próprio Geraldo não conseguiu compreender esse momento novo da política e traduzir isso em uma comunicação mais assertiva, em mensagens mais diretas para o eleitor. É um conjunto de fatores, só que eu não me arrependo do apoio que dei a ele. Era o melhor quadro, o mais preparado para governar o Brasil, tinha o melhor perfil, mas o eleitor não concordou com isso. Eu tenho que me curvar e me render ao pensamento da maioria, não tem jeito.

P. A mudança das ferramentas de fazer campanha também interferiram?

R. Muito. Elas mudaram muito, e eles [PSDB] não conseguiram compreender isso. A campanha subestimou a força das redes sociais. Achou que a televisão ia resolver tudo. E a gente está vendo que a campanha é uma somatória: é rua, rede social, televisão, é tudo. O desempenho do candidato, o debate, a entrevista. Não é só mais aquele programa que o marqueteiro produz e que você leva para o horário eleitoral gratuito. O eleitor se mostrou muito impaciente, muito pouco disposto a entender o que estava sendo colocado no programa eleitoral. A televisão pesa muito, mas não é sozinha que resolve.

P. Foi uma situação específica desta eleição ou essas mudanças vão se estabelecer para as próximas?

R. A chegada das redes sociais é algo que veio para mudar inteiramente a dinâmica das eleições. E outra coisa importante, que foi um acerto do Bolsonaro e em que o PSDB pecou durante todas as últimas eleições em que disputou e perdeu: deixou para construir um projeto em cima da hora. Era o quê? Aécio [Neves]: governador, depois senador, aí, chegava no ano da eleição, candidato [à Presidência]. [José] Serra: governador, no ano da eleição, candidato. Geraldo: governador, no ano da eleição, candidato. Acabou isso. Tem de sair dessa zona de conforto.

P. E qual é o plano do DEM?

R. Vamos, primeiro, esperar passar o segundo turno. Não adianta começar a falar de uma nova eleição agora. Ninguém é criança nem neófito na política para fazer isso. Mas eu defendo que o partido tenha um projeto próprio de poder nacional. Tentamos isso neste ano, com Rodrigo [Maia, presidente da Câmara], mas foi muito em cima da hora. Temos de olhar 2022 e construir um projeto, não tem jeito. Temos de quebrar essa barreira. O partido ensaiou algumas vezes ter candidato a presidente, primeiro com Luis Eduardo [Magalhães, tio de ACM Neto que morreu em 1998 de infarto], que a vida levou, depois com Roseana [Sarney, pré-candidata à Presidência em 2002], depois com Cesar Maia, agora com Rodrigo, mas nunca foi um trabalho de longo prazo. Nunca foi uma coisa feita com a devida antecedência e o devido planejamento. Acho que agora tem de ser feito, olhando para o futuro.

P. Isso passa por permanecer com a presidência da Câmara?

R. Não vamos tratar disso antes da eleição. Rodrigo tem sido muito cuidadoso, não abriu esse debate. Não vai tratar desse assunto, mas sem dúvida ele é um dos principais atores desse processo. Ele reunirá, pelo que fez, todas as condições [para permanecer no cargo], no entanto, se será ou não candidato é algo que a gente só vai ver ou discutir depois da eleição.

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