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Seleção da CBF: um produto valorizado no exterior, mas em xeque no Brasil

Enquanto turbina as finanças da confederação, amistoso contra a Argentina passa despercebido em meio ao furor das eleições

O técnico Tite participa de confraternização antes de amistoso na Arábia.
O técnico Tite participa de confraternização antes de amistoso na Arábia.Lucas Figueiredo (CBF)

O Brasil enfrenta a Argentina nesta terça-feira, às 15h, em Jeddah, Arábia Saudita. Mas, no país do futebol, só se fala de outra coisa. Em conversas de bar ou mesmo nos programas esportivos, o embate da seleção contra seu maior rival tem sido relegado ao último plano. Quem consegue se manter distante das discussões em torno do segundo turno da eleição presidencial, que opõe Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL), lembra do selecionado verde-amarelo com menções pouco elogiosas, seja pela falta de atrativos dos amistosos, seja pelo fato de as convocações de Tite desfalcarem os clubes nacionais em jogos decisivos.

Depois de derrotar adversários frágeis (Estados Unidos, El Salvador e Arábia Saudita), o Brasil volta a enfrentar uma seleção de peso após a Copa do Mundo, mas sem seus maiores craques, incluindo Messi, Di María e Higuaín, e comandada pelo técnico interino Lionel Scaloni. Diante do processo de reestruturação do rival, Tite manteve o habitual tom político ao tentar promover a partida. “Pelo peso das camisas, tem a característica da rivalidade. Não existe amistoso entre Brasil e Argentina.” A primeira derrota do treinador à frente da seleção brasileira foi justamente para os argentinos, em junho do ano passado. Prevendo dificuldades, Tite decidiu não divulgar a escalação antes do jogo. Entretanto, ele deve seguir promovendo testes na equipe que tem Arthur (Barcelona) e Richarlison (Everton) como principais caras novas.

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Por enquanto, fora a ausência de Allan, do Napoli, não há grandes contestações nas escolhas do técnico em busca do time ideal para disputar a Copa América em 2019. As críticas mais contundentes partem de torcedores e cartolas que tiveram nomes importantes de seus clubes convocados em meio às disputas locais, imunes de paralisação em datas-FIFA. Se antes se gabavam de ter representantes na seleção, hoje encaram convocações como um estorvo. Principal jogador da equipe na temporada, o atacante Everton desfalcou o Grêmio no clássico contra o Internacional. A diretoria gremista chegou a ter um pedido de dispensa dos amistosos na Arábia negado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), mas o jogador acabou cortado por lesão. Em setembro, Flamengo e Cruzeiro precisaram fretar um voo dos Estados para contar com Dedé e Paquetá no primeiro jogo da semifinal da Copa do Brasil. “A CBF não respeita nem a principal competição de mata-mata que organiza. É lamentável que prefiram privilegiar amistosos sem expressão”, protestou o presidente rubro-negro, Eduardo Bandeira de Mello.

Enquanto tem a imagem em xeque no Brasil, tanto pelos fracassos nas últimas Copas como pela crise de representatividade como símbolo do orgulho nacional, fora dele a seleção se mantém valorizada como um produto. Pela terceira vez seguida, a equipe brasileira iniciou o ciclo pós-Mundial com amistosos nos Estados Unidos. Os 23.000 ingressos para o jogo contra a Arábia Saudita se esgotaram em menos de meia hora. Em novembro, na última data-FIFA do ano, já há um confronto previamente agendado com o Uruguai no Emirates Stadium, em Londres. Sede da Pitch International, empresa ligada a um grupo árabe que detém a exclusividade de comercializar os amistosos para a CBF, a capital da Inglaterra se tornou um dos palcos prediletos da seleção, além de servir como ponto de encontro dos jogadores convocados e base de treinamentos.

Por cada amistoso, a Pitch embolsa entre sete e 10 milhões de dólares, dos quais cerca de 3 milhões vão para os cofres da CBF. Mesmo sem contar com a fartura de craques do passado – o último brasileiro eleito melhor do mundo foi Kaká, em 2007 –, a seleção preserva o apelo comercial no exterior, principalmente pela valorização de moedas estrangeiras como dólar e euro em relação ao real. O time canarinho jogou pela última vez no Brasil um ano atrás, quando venceu o Chile por 3 a 0 pelas Eliminatórias sul-americanas, no Allianz Parque. O ingresso mais barato, desconsiderando a meia-entrada, saía por 250 reais. Contra o Paraguai, na Arena Corinthians, havia bilhetes de camarote vendidos por 1.000 reais. Em amistosos na Europa, as entradas mais caras custam menos de 500 reais.

Todos os seis jogos preparatórios que a seleção realizou antes do Mundial da Rússia também foram disputados em solo europeu. Depois da Copa de 2014, o Brasil fez apenas três amistosos em casa, incluindo o último, contra a Colômbia, em janeiro do ano passado, que teve renda destinada à Chapecoense, abalada pelo desastre aéreo no país vizinho. Ao analisar o contrato com a Pitch na CPI do Futebol, o ex-atacante e senador Romário afirmou que “a seleção não é do Brasil, mas sim da CBF”, questionando o excesso de jogos no exterior. “Os amistosos realizados pela CBF não têm nenhum objetivo técnico ou a intenção de melhorar a seleção. O único objetivo é ganhar dinheiro.”

Porém, de acordo com a cúpula do futebol brasileiro, os compromissos são definidos em conjunto com a comissão técnica. O discurso de Tite se alinha ao dos dirigentes. Contra a Arábia Saudita, o treinador enalteceu os “níveis de exigência” do adversário, 70º colocado no ranking da FIFA, e justificou o rendimento abaixo do esperado pela recepção exageradamente amigável em um país que não tem o costume de ser competitivo no futebol, pressionado por denúncias de violação dos direitos humanos que cercam o regime ditadorial saudita.

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