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Timothy Snyder: “A Internet se sai bem manipulando as pessoas”

Stefan Fuertbauer
Juan Cruz

Há poucas vozes mais autorizadas a falar da Europa Central e Oriental do que a de Timothy Snyder. Em seu novo livro, este professor de 49 anos, de Yale, faz um retrato devastador dos presidentes dos Estados Unidos e da Rússia. Snyder diz que Donald Trump e Vladimir Putin estão absolutamente preocupados com a sua riqueza pessoal e a de seu círculo mais próximo. E ambos encontraram uma maneira de preservar isso: a manipulação das emoções por meio da Internet.

TIMOTHY SNYDER nasceu em Ohio, Estados Unidos, e é um Quixote de 49 anos que luta para resgatar a verdade para a política e o jornalismo, manipulados pela Internet e pelos Governos mais poderosos do mundo. Professor catedrático em Yale, dá cursos e faz pesquisas em Viena, e é um especialista na história da Europa (como seu amigo Tony Judt).

Autor de Sobre a Tirania: Vinte Lições do Século XX para o Presente (Companhia das Letras), um manifesto em que alerta contra as fake news que levaram Donald Trump à presidência de seu país, agora publica na Espanha The Road to Unfreedom: Russia, Europe, America (O caminho para a não-liberdade: Rússia, Europa, Estados Unidos), em que junta os dois demônios contemporâneos que combate com mais afinco, o já mencionado Trump e o presidente russo, Vladimir Putin.

Este último é retratado como o sátrapa que, cavalgando a mentira, invadiu a Ucrânia para se apropriar dela, fingindo que a invasão que ele mesmo planejou estava sendo protagonizada por ucranianos. Como o próprio Snyder, este último livro é minucioso e está cheio de dados que não admitem controvérsia.

Snyder é um intelectual tímido que acha difícil posar para fotos. Quando chegava para a entrevista, tinha acabado de levar à escola seu filho de oito anos. Na primeira linha deste novo livro, aquele menino acabara de nascer. E é por aí que começamos a conversa.

“Quando os jornalistas se vão, sobretudo os locais, cria-se uma oportunidade para que as autoridades governem com base na desconfiança”

Você não volta a mencionar seu filho novamente no livro, mas parece que escreve suas obras para que aqueles que agora são garotos não sejam enganados no futuro ...

Comecei com aquela cena do nascimento do meu filho sob uma sensação de choque: eu estava começando uma nova vida, mas as pessoas que eu conhecia estavam morrendo. Foi por volta de 2010, houve muitas coisas que mudaram de uma forma muito crucial: houve a crise financeira, a Internet se converteu nas redes sociais. A história é uma continuação de coisas que já aconteceram. Então é assim que tem de ser entendida. Para explicar a história, você também precisa saber o que acontece com você no momento em que escreve.

Terras de Sangue: a Europa entre Hitler e Stalin [Editora Record] trata dos assassinatos em massa do século XX. E neste século a invasão da Ucrânia é um prolongamento daquelas barbaridades ... Diz Mary McMillan, a historiadora, que você avisa porque conhece a história...

Stefan Fuertbauer

É verdade, meus livros conversam entre si. Terras de Sangue mostra que esses massacres eram ainda piores, que houve mais políticas de matanças do que nos lembramos. Eles não aconteceram em virtude da existência de misteriosas máquinas industriais. Aconteceram porque pessoas mataram outras pessoas. O que observo em Sobre a Tirania e agora em The Road to Unfreedom é que tudo foi possível com indivíduos como nós. E a esse respeito a Ucrânia é um importante ponto de conexão entre o século XX e o século XXI. Para saber o que aconteceu no século XX, temos de ir para a Ucrânia. Ali ocorreu o grande crime de Stalin, e é um território com o qual Hitler se importava muito. A Ucrânia está no coração das razões pelas quais a Segunda Guerra Mundial foi travada. Muitas das coisas que compreendi quanto à verdade e a Internet ao escrever Sobre a Tirania eu aprendi graças à Ucrânia. E aqui, em The Road to Unfreedom, eu as documento. Em 2010, já aconteceram com Putin na Ucrânia as coisas que se passaram com Trump em 2016, a Internet já havia sido usada para enganar. E porque não compreendemos isso na primeira vez, fomos vítimas disso pela segunda vez.

Aqui você insiste em que as vítimas têm nome próprio.

A história trabalha sobre estruturas que temos de explicar para entender como são possíveis os assassinatos em massa. Mas sempre trata de indivíduos. Portanto, sobre a moralidade. A história nos ajuda a diagnosticar problemas e nos lembra que cada vítima é um indivíduo. As fotos e o cinema nos abalam, mas depois nos anestesiam, vemos massas. Os assassinatos ocorrem com pessoas que tiveram uma vida e deixaram de tê-la.

Em seus livros você trata de conceitos que se repetem hoje: extermínio, eliminação, perseguição, expulsão...

“Uma das formas mais fáceis de manipular as pessoas é dividir o mundo entre eles e nós. O fascismo se fundamenta nessa dualidade”

A história do mundo moderno é uma história de imperialismo. E o imperialismo está relacionado com esses conceitos. A história do meu país, como a do seu, é cheia de crônicas como essa. Meus livros são sobre o que acontece quando o imperialismo ou o colonialismo retornam à própria Europa. A coisa estranha sobre Hitler foi que ele viu outras partes da Europa como um território colonial. Ele vê a Ucrânia como a África, e diz isso desse jeito. E depois Stalin diz: ao contrário da Inglaterra ou da França, eu não tenho um império marítimo, então devo tratar meu próprio território como um território colonial. Então, dois dos meus livros, Terras de Sangue e Terra Negra: o Holocausto como História e Advertência [Companhia das Letras] são histórias imperiais da Europa. Formas imperiais de pensar e tratar os seres humanos retornam à Europa e causam massacres maciços muito rapidamente, porque o continente é muito povoado, e os alemães e os soviéticos estão indo atrás dos mesmos pedaços de território. A guerra russo-ucraniana de 2014 foi um pouco assim: um país muito grande, com um exército muito grande, ataca um país muito pequeno num momento de fraqueza.

Nos livros anteriores você fala do passado. Cruel, violento. Cruel foi Hitler, foi Stalin, agora é Putin. A quantidade de baixas é diferente, mas a fúria cruel se parece.

A capacidade humana para a crueldade é uma característica que se mantém ao longo do tempo. E também se mantém a capacidade das pessoas de acreditarem que a crueldade serve a um bem maior. É grande a habilidade de alguns desfrutarem da crueldade e de não denunciá-la nem criticá-la, e neste item está o presidente dos Estados Unidos, que é uma pessoa muito cruel que se compraz com a malícia por si mesma. Ele se compraz enganando os próprios seguidores, como um prazer em si mesmo, não lhe serve para nada superior. A dor em si é o objetivo. Podemos olhar humildemente para o passado para aprender com ele. Ou podemos escolher mentir sobre o passado. É o que Putin faz. E ele sabe que está mentindo.

Sobre sua própria história.

Sim, sobre os crimes soviéticos. Aquilo que ele acreditava que deveria ser dito, agora decidiu que não pode nem ser citado porque é um crime fazer isso. A política externa russa segue essa linha. Por outro lado, assim como aconteceu com Hitler e Stalin, que desprezavam fronteiras e Estados, Putin se apropriou da Ucrânia. Usando razões étnicas, como seus predecessores.

Trump ressuscita o supremacismo branco, levanta muros. Putin ressuscita um filósofo adepto de Hitler. Invade a Ucrânia. Vão juntos na utilização das notícias falsas. É uma grande coalizão, como as do passado de guerra na Europa.

É verdade. E é muito importante lembrar que, em sua época, o fascismo teve um desdobramento internacional. Uns aprenderam com os outros. Nós tendemos a lembrar apenas a Alemanha e pensar nos nazistas como o único inimigo. Mas não foram só os alemães que tentaram invadir a URSS, mas também voluntários italianos, espanhóis e romenos ... Hoje acontece algo semelhante, sim. O que está acontecendo na Hungria, na Polônia, nos Estados Unidos, na Rússia, na Itália, na Suécia ... ameaça nessa direção. Não há apenas semelhanças, há relações. E essas relações são permitidas pela Internet acima de todas as coisas. A Internet acabou se revelando um instrumento muito mais de direita do que de esquerda, até agora pelo menos. Mas uma coisa que é diferente e especial, sobretudo se olharmos para os senhores Putin e Trump, é que esse tipo de política de direita tem a ver totalmente com a riqueza. Qualquer que seja a opinião que se tenha sobre Mussolini ou Hitler, eles realmente não se importavam muito com a riqueza pessoal, enquanto Putin está obsessivamente preocupado com a riqueza pessoal, a sua própria e a de seus colaboradores e parentes imediatos. E Trump também é obcecado com a riqueza das pessoas que carregam seu sobrenome. Como se governa a Rússia? Alguns homens que controlam a maioria dos recursos também controlam a televisão e, dessa forma, podem controlar uma realidade alternativa muito eficaz. Como Trump é eleito? Aqueles poucos homens russos que controlam a riqueza usam um pouquinho dessa riqueza para influenciar o fluxo de informações dentro dos Estados Unidos. E fazem isso, infelizmente, com muito sucesso.

Juntam-se para manipular, portanto.

Robert Mercer e Steve Bannon e a empresa Cambridge Analytica usam a riqueza de uma pessoa para entrar na Internet e tentar influenciar as emoções e fazer com que alguns votem ou não, dependendo dos interesses. É uma espécie de casamento entre a riqueza extrema e o desejo de preservá-la através da manipulação de emoções na Internet, com notícias falsas ou outras coisas. Uma das maneiras mais fáceis de manipular as pessoas, de mantê-las longe dos dados, é dividir o mundo entre eles e nós. E nisso a Internet é fenomenal: clique neste endereço e você se sentirá maravilhosamente bem. Isso, claro, nos leva de volta ao fascismo, que é baseado nessa ideia de eles e nós.

Em Sobre a Tirania você alerta para o perigo que o jornalismo corre. Por que querem matar o jornalismo?

Nós tendemos a pensar que enquanto dizemos algo no rádio, na televisão ou nos jornais, há liberdade de expressão e, portanto, democracia. Mas isso não é verdade. O que Putin e Trump entendem é que você pode preencher o espaço da informação inteiramente com coisas que não são verdadeiras. Assim, pode parecer que está ocorrendo uma conversa porque alguém diz algo diferente do que o outro diz. Essa conversa pode estar cheia de ar ruim: o ar bom são os fatos, e é isso que o bom jornalista tem que buscar. É evidente que é mais fácil encher o ar com falsas verdades. Putin e Trump têm medo dos jornalistas e os odeiam porque eles compreendem algo que nós também temos que entender: que os fatos são o que temos de contar para sermos livres. Se não contarmos os fatos, se não acreditarmos neles, somos apenas vítimas do lixo que houver por aí e nos agradar mais.

Por que se preocupa tanto com o jornalismo?

Venho do interior, havia ali jornais locais competindo. Isso não existe mais. Quando a notícia local morre, a democracia morre. Nesse sentido também é útil observar a Rússia. Ali as notícias locais morrem antes que em outros países. Quando as notícias locais morrem, as pessoas começam a falar sobre "a mídia", e quando as pessoas falam assim, as coisas saem do controle, porque ninguém confia na "mídia". Por que, sentado em Nebraska, tenho que confiar em um repórter de Los Angeles ou Nova York que nunca vem a Nebraska? Então, não confio. A Rússia nos ensina o que acontece em seguida: as pessoas desconfiam do que a mídia diz a elas, então as autoridades as fazem desconfiar de todo o mundo ao mesmo tempo. E é isso o que Trump faz, levar as pessoas à desconfiança geral. E ele diz: desconfie da mídia, odeiem os repórteres, confie nos sentimentos. E então ele revela quais são os seus sentimentos: medo, ódio, arrogância. Parte da razão pela qual acho que os repórteres são tão importantes é porque vejo o que acontece quando desaparecem. Quando os jornalistas saem, especialmente os locais, cria-se uma oportunidade para os autoritários governarem com base na desconfiança. Graças aos repórteres, sabemos sobre a guerra global, sobre a desigualdade global. Para combater a desigualdade global, nada melhor do que o jornalismo em primeira mão.

Você diz em seu último livro que quando as coisas se rompem, virtudes que estavam perdidas reaparecem...

Em The Road to Unfreedom achei necessário escrever sobre ética. Mostrar que herdamos instituições como jornalismo ou a cooperação europeia, instituições que nos ajudam a ser mais decentes. E quando essas instituições são desafiadas, a penumbra ética se torna mais clara, pelo menos por um momento, antes de desaparecer por completo. As instituições que mencionei devem permanecer, mas precisamos criar novas.

Na Europa agora há duas ameaças, o Brexit e o que acontece com a Catalunha, como você vê isso?

Primeiro, um princípio geral: você não pode forçar as pessoas a ficarem juntas quando não querem. Eu entendo. Outra coisa: o que aprendemos com a Segunda Guerra Mundial é que essa coisa que chamamos de Estado-nação europeu é em grande parte inexistente, e quando existiu de fato desmoronou e terminou em nada: Polônia, Checoslováquia, Estônia, Lituânia ... Há uma história de impérios e da Europa ... E a função da Europa é ajudar os Estados. Onde as pessoas podem se enganar muito, e eu falo agora do Reino Unido, é em não compreender que a Europa te ajuda a ser um Estado. Esse é o grande erro. Quase ninguém no Reino Unido reconhece isso. E o risco aí é que, quando as coisas desmoronam, elas continuam a desmoronar. Não é só o fato de o Reino Unido abandonar a Europa, é que o Reino Unido deixa de existir e até a Inglaterra deixa de parecer com a Inglaterra que as pessoas esperam que seja. É diferente quando enfrentamos a Rússia, os Estados Unidos e a China sozinhos do que quando se é ajudado pela Europa na ideia de uma globalização prazerosa que ela tornou possível.

E quanto à Catalunha?

Não sei o suficiente para ter uma posição clara. Acho que algo muito importante sobre o separatismo agora, seja ele escocês ou catalão, é garantir que a discussão não esteja sob o controle de fatores externos. Se os russos estão interessados na Catalunha, como estão interessados na Escócia, como estão interessados em qualquer coisa que enfraqueça a Espanha ou a Europa em geral, isso não significa que os catalães não tenham o direito de decidir por si mesmos. Mas quando se trata de decidir, as pessoas devem estar cientes de que não há para onde ir, exceto para um lugar maior. Ou você vai para o mundo onde estão a Rússia, os Estados Unidos e a China e a globalização, ou você vai para a Europa. É impossível estar sozinho, isso é um sonho. Não quero falar da Catalunha porque não moro lá, não sinto que compreendo a história, mas minha ideia geral é que, se você sair de algum lugar, tem que saber para onde vai, porque senão alguém vai acabar dizendo aonde você vai parar.

Recorre a Eliot e Orwell para falar das sombras do século XX. Este é também tempo de sombras…

É por isso que os fatos são necessários, a verdade. Governar das sombras é dizer às pessoas o que elas querem ouvir, mantê-las em um determinado lugar emocional. Enquanto a busca da verdade amplia e aprofunda, porque a descoberta é surpreendente. E essa capacidade de ser surpreendidos nos torna melhores cidadãos.

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