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Crítica | O primeiro homem
Crítica
Género de opinião que descreve, elogia ou censura, totalmente ou em parte, uma obra cultural ou de entretenimento. Deve sempre ser escrita por um expert na matéria

O funeral da glória

É a visão solene de Damien Chazelle sobre a corrida espacial, focada na figura de Neil Armstrong, o ser humano que conseguiu chegar à Lua, mas não salvar a vida de sua filha

Javier Ocaña
Desde a esquerda, Corey Stoll, Lukas Haas e Ryan Gosling, em 'First man (O primeiro homem)'.
Desde a esquerda, Corey Stoll, Lukas Haas e Ryan Gosling, em 'First man (O primeiro homem)'.

Com O Álamo e Apolo 13 — Do Desastre ao Triunfo como expoentes máximos, o cinema norte-americano, e esse modo de ser tão próprio, fundamentado no orgulho, no patriotismo, na dignidade e na ética do trabalho, transformou, não poucas vezes, suas derrotas históricas em filmes vitoriosos. Algo que, em todo caso, habitava intrinsecamente nas ações e comportamentos de seus personagens, e que transpareceria nos subtextos das histórias.

O PRIMEIRO HOMEM

Direção: Damien Chazelle.

Elenco: Ryan Gosling, Claire Foy, Jason Clarke, Kyle Chandler.

Gênero: Drama. EUA, 2018.

Duração: 133 minutos.

No entanto, o que não havíamos visto tanto é a narração de um feito glorioso com os modos e nuances da derrota. Uma celebração como a chegada do homem à Lua, narrada com a seriedade de um acontecimento enlutado. Um filme sobre a conquista, assentada no irremediável transe da morte. Assim é O Primeiro Homem, visão solene de Damien Chazelle sobre a corrida espacial, focada quase que exclusivamente na figura de Neil Armstrong, o ser humano que conseguiu por os pés no satélite, mas não foi capaz de salvar a vida de sua filha. A glória de um funeral. O funeral de uma glória.

Chazelle, novamente fiel a uma filmografia com a perda como eixo central, filmou seu longa em formato panorâmico, mas com a aparência e a textura de uma filmagem caseira Super-8 ou de 16 mm dos anos sessenta: cantos arredondados na forma dos slides, fotografia com nuances de cores, textura um pouco granulada. A família e sua destruição, por causa da morte por câncer de uma das filhas do astronauta, sobrevoam a história com mais essencialidade do que a própria aventura. E, embora já desde a primeira sequência exista a tentativa de transportar para o público as sensações físicas da opressão, da angústia e do perigo vivido pelos pioneiros do espaço, como já mostrado pelo futurista Gravidade (2013), chegado o momento do clímax, também reaparece no interior do próprio personagem seu trauma, sua obsessão.

O lindíssimo olhar de Claire Foy, de uma admirável beleza natural, complementa o discurso sobre a (im) potência de seres humanos em um filme aparentemente sobre força e triunfo. E só há mais três personagens, porque os outros são expostos mais por meio de pinceladas impressionistas do que por um desenvolvimento convencional.

O diretor de Whiplash - Em Busca da Perfeição e La La Land: Cantando Estações criou um filme estranho, mas quase sempre fascinante, e certamente chocante: uma história sobre a tomada de espaços abertos, articulada com base em enquadramentos muito fechados e primeiríssimos planos. E transformou uma vitória coletiva em uma odisseia pessoal; o desafio da raça humana e de um país, no duelo de um só homem.

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