_
_
_
_
_

Nem Anastasia nem Pimentel: a nova direita cresce no vácuo de lideranças em Minas Gerais

Com Aécio Neves ‘rebaixado’, segundo maior colégio eleitoral do país perde protagonismo com uma entressafra de políticos de grande projeção. Zema, o outsider, surfa na onda Bolsonaro

Romeu Zema, do NOVO, desbancou Anastasia e Pimentel no primeiro turno.
Romeu Zema, do NOVO, desbancou Anastasia e Pimentel no primeiro turno.Divulgação

Há quatro anos, Aécio Neves desfilava pelas ruas cercado de correligionários, tucanos de alta plumagem e do amigo Ronaldo Fenômeno ao despontar como sensação da última corrida presidencial. A tímida campanha para deputado federal em Minas Gerais, elegendo-se com pouco mais de 100.000 votos, em nada fez lembrar o político que contabilizou 51 milhões de eleitores em 2014. Sua derrocada após o escândalo de corrupção da JBS deixou não apenas dívidas e o espólio de rejeição para o PSDB administrar nestas eleições, mas também uma lacuna de lideranças emergentes no segundo maior colégio eleitoral do país. Somada à crise de representatividade, o vácuo potencializou não só uma votação expressiva ao presidenciável de extrema direita Jair Bolsonaro, do PSL, como catapultou na reta final o nome de Romeu Zema, do NOVO, ao posto de mais bem votado ao Governo, com 4,1 milhões de votos. A ascensão do outsider, que chegou a gerar saia-justa em seu partido ao fazer lobby por Bolsonaro no último debate antes da votação, reflete o declínio das duas forças antagônicas do Estado.

Mais informações
Prefeito de BH: “Minha vitória foi o início da queda do Aécio”
Ritmo de investigações de corrupção na Copa do Mundo destoa
O antigo laço entre Aécio Neves e a família Perrella
As elites que escolhem Bolsonaro colocam em risco as vidas de outros

Embora siga atuante nos bastidores e tenha recebido a maior verba do fundo partidário entre os candidatos tucanos ao parlamento em Minas (2 milhões de reais), Aécio foi escanteado do palanque e da propaganda eleitoral de Antonio Anastasia, seu sucessor no governo em 2010, que, depois de embarcar a contragosto numa nova candidatura estadual, agora tentará salvar o errático percurso do padrinho político em um segundo turno indigesto. Liderou as pesquisas à frente do atual governador Fernando Pimentel (PT), mas angariou 1,3 milhão de votos a menos que Zema. Reconhecido pelo perfil técnico e avesso à confrontação, Anastasia se viu obrigado a subir o tom no discurso antipetista para não destoar da estratégia nacional do PSDB. Precisará ampliar seu repertório ao se deparar com um adversário inesperado.

Do outro lado, Pimentel tentou preencher os flancos descobertos de um governo problemático, essencialmente pelos atrasos de salário do funcionalismo público, com a obstinada tentativa de associar Anastasia a Aécio. A coligação do tucano entrou com ação no Tribunal Regional Eleitoral (TRE-MG) para retirar do ar uma peça da chapa adversária que atrelava os dois senadores. Com uma gestão marcada por dificuldades financeiras, greve de professores e respingos da Operação Acrônimo, que o denunciou por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o governador petista não conseguiu emplacar a reeleição mesmo em um cenário inconveniente à oposição afetada pela agonia de Aécio.

“Anastasia é gestor, não uma liderança política. O Pimentel poderia ser essa figura, mas seu governo foi ruim”, afirma o professor do departamento de ciência política da UFMG, Carlos Ranulfo. “Minas Gerais vive uma entressafra de políticos de grande projeção. O galinheiro pode ficar sossegado, já que as raposas estão em falta.” Para um Estado onde se projetaram, além de Aécio, caciques de relevo nacional do calibre de Afonso Pena, Juscelino Kubitschek, Tancredo Neves, José Alencar e Itamar Franco, a quebra da polarização entre PT e PSDB, sem muito entusiasmo das militâncias, é um símbolo de decadência da política mineira tradicional – embora, como pontua Ranulfo, o retrato local reflita o “quadro geral no país” de escassez de líderes notáveis.

“A crise econômica, que abalou um Estado dependente da exportação de commodities e com um dos maiores índices de participação de empresários na política, dificulta a renovação dos quadros”, diz o cientista político Rudá Ricci. Um dos empresários nesse circuito, Márcio Lacerda, que chegou a figurar na lista dos prefeitos mais ricos do Brasil, com um patrimônio declarado de quase 60 milhões de reais, surgiu como potencial “terceira via” no início do ano. Um nome alçado à prefeitura de Belo Horizonte graças ao inusitado acordo entre petismo e tucanato, com a bênção de Aécio e Pimentel. Porém, teve sua candidatura rifada pela aliança PSB/PT, sem que despertasse a comoção do eleitorado que se dizia disposto a conduzi-lo ao Governo.

Em 2016, Lacerda falhou na tentativa de eleger o sucessor no executivo municipal. Seu candidato, Délio Malheiros (PSD), obteve apenas 5% dos votos e amargou o quinto lugar. Antes do pleito, ele havia dinamitado a candidatura recém-lançada do colega de partido Paulo Brant para apoiar Malheiros em um gesto de cortesia ao PSDB, que apostava no ex-goleiro João Leite. Depois de sofrer um baque semelhante nesta eleição, Lacerda retirou sua candidatura a governador e anunciou a desfiliação do PSB. Encerrou a trajetória criticado entre antigos correligionários do partido socialista pelo baixo carisma e a inabilidade como articulador político.

No mesmo ano em que Lacerda perdeu a prefeitura, o PSDB já havia sofrido uma dura derrota ao não conseguir eleger João Leite na capital mineira, indício da perda de influência de Aécio após a derrota em dois turnos para Dilma em seu território. Entrava no jogo uma carta até então fora do baralho: Alexandre Kalil, que, mesmo filiado ao PHS, chegou ao poder municipal com discurso de negação da política e um passado consagrado como dirigente do Atlético-MG. Figurou no primeiro lugar em pesquisas preliminares ao Governo, mas preferiu cumprir a palavra de terminar o mandato na prefeitura.

Anastasia disputará o segundo turno contra Zema à sombra de Aécio.
Anastasia disputará o segundo turno contra Zema à sombra de Aécio.Agência Brasil

Apesar da relação cordial com Pimentel e de ser amigo de Anastasia, a quem seu partido apoia oficialmente, Kalil decidiu adotar uma posição de neutralidade na campanha estadual – para presidente, fechou com Ciro Gomes (PDT). “Não escolhi ninguém aqui em Minas porque, até agora, não conseguiram definir quem fez essa desgraça no Estado”, justifica. Ainda assim, o prefeito é visto como um quadro expressivo para voos mais altos, não sem antes comprovar sua popularidade com a reeleição em 2020. “Kalil já poderia ter se lançado ao Governo, mas é cauteloso, tendo em vista o exemplo do Doria, que também se elegeu com o discurso de não-político em São Paulo e descumpriu a promessa de permanecer no cargo”, diz Rudá Ricci.

Emulando Kalil ao aproveitar o pouco tempo de televisão para bater na “velha política”, Romeu Zema se firmou como alternativa à polarização e tirou Pimentel do segundo turno. Dono de uma rede de lojas e postos de gasolina, o empresário de Araxá recorre a práticas heterodoxas, como o compromisso de abrir mão do salário de governador caso seja eleito, para contrapor a falta de traquejo em sua primeira eleição a um cargo público. Além de ter adicionado o discurso antipetista ao seu arsenal para surfar na onda bolsonarista que triunfou no Estado. Outros rostos incipientes ainda constroem seu cacife político. Entre as mulheres, se destaca Áurea Carolina, 34, do PSOL, vereadora mais bem votada de Belo Horizonte em 2016 e uma das idealizadoras do movimento Muitas, que prega a ocupação da política pelos ativistas sociais. Por enquanto, ela se aventurou apenas a uma cadeira na Câmara como candidata a deputada federal. Elegeu-se com a quinta maior votação (162.740 votos).

Já Dilma Rousseff, depois de conseguir evitar a barração de sua candidatura na Justiça eleitoral e liderar a corrida pelas duas vagas no Senado, ficou em quarto lugar. Mineira, mas com carreira pública pavimentada no Rio Grande do Sul, a ex-presidente era a cartada do PT para revigorar as bases do partido em Minas Gerais. Pesaram contra ela, entretanto, a ausência de lastro na política local, sobretudo no interior do Estado, e a resistência de uma ala de petistas ligadas a Pimentel. Próximo de Dilma e um dos ministros de seu governo, o ex-prefeito Patrus Ananias foi cogitado para a segunda vaga a senador na chapa petista. Porém, aos 66 anos, já sem a mesma envergadura articuladora de outras épocas, preferiu buscar a reeleição a deputado federal. “O tempo do Patrus passou”, afirma Carlos Ranulfo. “Ele foi um quadro mal trabalhado pelo PT.”

Ao contrário de 2014, quando dois mineiros disputaram o segundo turno da eleição presidencial, Minas não teve nenhum representante nem mesmo entre os vices das 13 candidaturas a presidente. Visto como fiel da balança nas últimas eleições, tem seus palanques esvaziados em ambas as forças até então dominantes do Estado. Militantes petistas acreditavam que Pimentel sairia fortalecido se revertesse o rumo eleitoral desfavorável, com estofo para ocupar a cadeira de sumidade deixada por Aécio. O tombo no primeiro turno e a derrota de Dilma representam um baque na estrutura do PT mineiro. Sem clima, o partido cancelou até a coletiva de imprensa prevista para Pimentel na noite de domingo.

O tucano, por sua vez, comia pelas beiradas, discretamente, para ser um dos puxadores de voto do PSDB. O recuo no plano de reeleição ao Senado foi uma das condições impostas por Anastasia para aceitar o pleito ao Governo. O tamanho de Aécio em aparições públicas nos eventos do partido diminuiu de forma proporcional a seu alcance nas redes sociais de quatro anos para cá. Postagens pessoais como fotos de família, que na campanha passada acumulavam mais de 100.000 curtidas, hoje têm 100 vezes menos interações – muitas delas negativas, em sinal de desaprovação.

Em julho, Aécio não participou da convenção estadual dos tucanos. Em agosto, lançou sua campanha em uma fazenda de Teófilo Otoni para um grupo restrito de apoiadores locais. Em setembro, comemorou o arquivamento de dois processos que pesavam contra ele – um na Procuradoria-Geral da União, outro no STF. Em outubro, um ano depois de conseguir derrubar o afastamento no Senado, não reconquistou o título de deputado federal mais votado de Minas, mas pode se contentar ao menos com a manutenção do foro privilegiado, um respiro providencial para sua carreira na política.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_