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Morre a soprano espanhola Montserrat Caballé aos 85 anos

A artista é considera uma das grandes vozes líricas do século XX

Montserrat Caballé, num espetáculo em 2007.
Montserrat Caballé, num espetáculo em 2007.Félix Ausín Ordóñez (REUTERS)
Blanca Cia

A soprano Montserrat Caballé morreu na madrugada deste sábado, aos 85 anos, na clínica Sant Pau de Barcelona, onde estava internada desde meados de setembro por um problema de vesícula, informaram fontes do hospital. O funeral da artista, de voz prodigiosa, será na segunda-feira ao meio-dia (hora local) na funerária Les Corts. O velório será no domingo, a partir das 14h, no mesmo local.

De Montserrat Caballé podemos ter muitas imagens, a maioria certamente nos palcos de teatros de ópera de qualquer parte do mundo, como uma das grandes vozes líricas do século XX. Ela foi, sem dúvida, uma das cantoras da estatura de mitos como Maria Callas, Joan Sutherland e Renata Tebaldi. Era também uma soprano com uma tremenda humanidade e sentimentos à flor da pele. Para a História, ficaram imagens como as lágrimas da artista/mulher/barcelonesa no Grande Teatro do Liceo (Barcelona), que foi sua segunda casa, transformado em cinzas em 1994, e em cuja reconstrução ela se envolveu pessoalmente.

Montserrat Caballé Folch nasceu em 12 de abril de 1933 no bairro de Gràcia de Barcelona, no seio de uma família modesta, onde sua mãe lhe deu sua primeira formação musical que lhe serviu para entrar aos 11 anos no Conservatório Superior de Música do Liceo com uma bolsa. No teatro Coliseum de Barcelona, ela estudou com Eugenia Kemeny, Conchita Badía e Napoleone Annovazzi. Formou-se em 1954 numa acidentada prova final em que chegou a perder a consciência. Em seguida, fez sua primeira estreia operística no papel de Serpina de La Serva Padrona, de Giovanni Battista, no Teatro Principal de Valência, em 27 de junho de 1955, com a Companhia de Ópera de Câmara de Barcelona, dirigida por Napoleone Annovazzi. No Liceo, estreou em 7 de janeiro de 1962 com Arabella, de Richard Strauss. Depois conquistou os demais teatros de ópera do mundo, sobretudo a partir do incrível sucesso que teve em 20 de abril de 1965 com Lucrezia Borgia, de Gaetano Donizetti, quando substituiu a norte-americana Marilyn Horne, que estava indisposta e não pôde cantar, no Carnegie Hall de Nueva York. O jornal The New York Times chegou a dizer que sua voz era uma combinação dos timbres das lendárias Maria Callas e Renata Tebaldi. Durante seus 50 anos de carreira, Caballé interpretou centenas de óperas e concertos nos principais teatros do mundo. Sempre ao lado das melhores orquestras e artistas, com um repertório que abrangeu cerca de 90 papéis. Sua voz foi apreciada juntamente com os acordes das melhores orquestras e dos mais prestigiosos maestros, entre eles Herbert von Karajan, Leonard Bernstein, Zubin Mehta, James Levine, Claudio Abbado, Seiji Ozawa e Riccardo Muti.

Em seu repertório, figuram La Serva Padrona (Pergolesi); Così Fan Tutte (Mozart); Norma e I Puritani (Bellini); La Favorita (Donizetti); Il Trovatore, La Traviata, Un Ballo in Maschera e Aida (Verdi); as heroínas Isolda e Sieglinde, de Wagner; o quarteto de Puccini (Tosca, La Bohème, Madame Butterfly e Turandot); Adriana Lecouvreur (Cilea); e Salomé (Strauss).

O emblemático teatro de La Rambla sempre teve a diva muito presente, transformando-a em 2002 na primeira mulher sócia do Círculo do Liceo. Também lhe dedicou naquele ano o livro Montserrat Caballé, 40 Años en El Liceo. Em janeiro de 2012, o teatro a homenageou pelos 50 anos de sua estreia naquele palco com uma cerimônia que contou com a presença de numerosos amigos e colegas de profissão, entre eles os tenores Josep Carreras e Juan Diego Flórez, além do barítono Joan Pons.

Caballé dividiu os palcos com todos os grandes artistas, mas reconhecia uma afinidade especial com três deles: Pavarotti, Plácido Domingo e Carreras. “Quando cantava Manon Lescaut com Plácido Domingo, que era maravilhoso, ele me dizia que descobria um novo mundo cantando comigo – e eu sentia a mesma coisa. Com José Carreras tive uma relação muito especial. Ficávamos boquiabertos escutando-nos mutuamente. E Luciano Pavarotti... era como um pai”, recordou.

Montserrat Caballé fez incursões na música popular e até mesmo no pop. Sempre ficará na memória a interpretação de Barcelona que fez em 1988 com o cantor Freddie Mercury e que escolhida como o hino dos Jogos Olímpicos de 1992. “Para o mundo da ópera foi uma revolução, uma autêntica revolução”, reconheceu a soprano anos mais tarde.

A artista, que se aposentou alguns anos atrás, fez mais de 4.000 atuações. No entanto, como ela mesma explicou numa entrevista em 2014, não gostava de ser chamada de diva. “Não me considero uma lenda da ópera nem uma diva, como às vezes os jornalistas escrevem. Cada época tem seus divos e, no meu caso, a única coisa que fiz foi fazer bem o meu trabalho, o melhor possível e no mais alto nível.” Sua voz foi elogiada como plena, potente e bela, dotada de fluidez, nitidez, pureza e suavidade. Seu timbre era considerado iridescente e radiante.

Promotora do Concurso Internacional de Canto que leva o seu nome, Caballé vinha tendo problemas de saúde que a obrigaram a cancelar vários compromissos. De 20 a 31 de outubro de 2012, por exemplo, ela ficou internada no hospital San Pau de Bercelona após sofrer um leve acidente vascular cerebral na Rússia, o que lhe provocou queda e uma fratura do úmero. Operou o braço no Centro Médico Teknon, em Barcelona, em 10 de novembro daquele ano.

Montserrat Caballé, em 1974, interpretando 'Vésperas Sicilianas'.
Montserrat Caballé, em 1974, interpretando 'Vésperas Sicilianas'.Jack Mitchell (Getty)

Caballé ganhou inúmeros prêmios e distinções ao longo da carreira, entre eles o Prêmio Príncipe das Astúrias das Artes, em 1991, com mérito igual ao de outros grandes nomes da música lírica espanhola: Victoria de los Ángeles, Teresa Berganza, Pilar Lorengar, Alfredo Kraus, Plácido Domingo e Josep Carreras. Seu marido era o tenor aragonês Bernabé Martí (Martínez) Remacha, com quem se casou em 1964. O casal teve dois filhos, incluindo a soprano Montserrat Martí, que acompanhou a mãe em espetáculos nos últimos anos.

Em dezembro de 2015, a artista aceitou a pena de seis meses de prisão por sonegar meio milhão de euros (2,2 milhões de reais) cinco anos antes. Caballé ratificou o acordo que fez com o Ministério Público em declarações que, por motivos de saúde, realizou em sua casa através de videoconferência. Para não cumprir a pena, a cantora teve que pagar uma multa de 240.000 euros (cerca de um milhão de reais). Ela admitiu que em 2010 figurou como residente em Andorra para pagar menos impostos, embora morasse em Barcelona. Sua última atuação foi em agosto de 2014 no Festival de Música de Cambrils, onde se apresentou ao lado da filha.

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