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Ana Amélia: “Petistas me chamam de golpista e bolsonaristas, de traidora”

Vice da chapa de Geraldo Alckmin faz elogios velados ao candidato Jair Bolsonaro e defende suas eleitoras: "Temos que respeitá-las. Não posso dizer que estão erradas, é a convicção delas"

Isadora Brant

Ex-senadora pelo Rio Grande do Sul, Ana Amélia Lemos (PP), 73 anos, há oito anos trocou a carreira de jornalista pela política. Candidata a vice-presidente pela chapa de Geraldo Alckmin (PSDB), ela admite que aprendeu mais no Senado do que em 40 anos como jornalista: "E mais nesta eleição, do que em oito anos no Senado". A candidata trocou uma reeleição, que chama de "quase garantida", pela briga pelo Planalto. Mas mesmo com a união do Centrão, o que garantiu o maior tempo de TV, sua chapa não empolgou o eleitorado, que entrou de cabeça no fla-flu direita-esquerda.

"O sistema político faliu", repete ela ao contar seu legado quase em tom de despedida. "Poucos parlamentares podem oferecer ao eleitor, no término do mandato de oito anos, cinco leis aprovadas e uma emenda constitucional. Fiz tudo o que podia ter feito", diz. O pouco tempo de política não a blindou de polêmicas. Critica os partidos, com frequência até mesmo o seu, e não se ao candidato de extrema direita do PSL. "O assessor econômico de Bolsonaro disse que era preciso, no Congresso, que apenas o líder se manifestasse. O que ele quer dizer com isso: 'Nós não queremos fazer a barganha do toma lá dá cá'. Que é o que funciona."

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Pergunta. Por que a sua candidatura com o Geraldo Alckmin não decolou?

Resposta. Você tem que perguntar isso para o eleitor, porque ele fez as escolhas dele. Eu digo que o sistema político faliu, e esse desempenho é um reflexo disso. Se você fez uma aliança com sete ou nove partidos nacionalmente, essa aliança foi feita pelos líderes. Mas e a base? Começa aí o problema. Além disso, temos outro elemento, a sobrevivência política de quem está disputando uma reeleição e percebe um movimento do eleitorado no caminho inverso que o seu partido indicou.

P. O Centrão, que apoiou Alckmin, vai apoiar quem no segundo turno?

R. Que Centrão? Esses mesmos partidos que estavam com Lula, pelo menos a maior parte deles, menos o DEM, que estava na oposição. Apoiaram a Dilma. O presidente do meu partido está com o [Fernando] Haddad no Piauí. É sobrevivência política. Para se assegurar, eles precisam estar onde a onda está. Ir para onde os eleitores se movem. Não há matemática na política.

P. A senhora sempre defendeu o PP, mesmo após seu partido ser fortemente atingido pelas denúncias da Lava Jato...

R. Não, não. Meu partido é o do Rio Grande do Sul.

P. E por que o PP gaúcho seria diferente do nacional?

R. Porque o MDB gaúcho também é diferente do partido nacional. Porque o PT gaúcho também é diferente do partido nacional. Porque são partidos muito mais comprometidos com as causas e ideias partidárias, pelo compromisso ético do exercício correto. O gaúcho é muito exigente em relação a esses valores. O líder do meu partido, Celso Bernardi, é uma pessoa respeitadíssima. É um professor, foi secretario de Educação, deputado federal. E ele tem uma relação de respeito com todos os partidos. Tenho a honra de dizer que estou lá. As pessoas perguntam por que eu não mudo de partido. Porque todos os partidos têm problemas. Todos. Do PT, da esquerda, da direita, do centro. Todos têm problemas no Brasil. Aí vão cobrar só do meu? E outra coisa, a minha régua moral é uma só. Ela vale para meu companheiro e para meu adversário. Não pode mudar conforme a conveniência.

P. Não raras vezes, a senhora foi chamada de “Bolsonaro de saias” por suas opiniões contra ambientalistas e em defesa do agronegócio. Isso a incomoda?

R. Acho que foi o [Guilherme] Boulos que disse isso. Não fico ofendida com nada. Falem mal, mas falem de mim. As pessoas que me conhecem sabem que eu faço esse enfrentamento. Em vez dele dizer que estou errada e provar cientificamente, usando argumentos técnicos, ele me faz um carimbo para anular a relevância do que eu disse. Essa é a tática da esquerda, destruir quem não está seguindo a sua cartilha. Eu não me importo nem um pouco, pelo contrário. Quem estou defendendo, e a causa que eu estou defendendo, me compreende. Pode dizer o que quiser. Afinal, não pode dizer que eu sou corrupta.

P. Qual a sua opinião sobre Jair Bolsonaro?

R. Ele é fruto desse sistema político que faliu, de sempre se posicionar contrário a tudo o que apareceu na frente. Ele inclusive esteve no meu partido. Tem um instinto político. Vota sempre olhando a população. A cada eleição, quando mais ele radicalizou o discurso, mais votos ele fez no Rio de Janeiro como deputado. É só olhar o histórico das votações. E gastando muito pouco. Então, ele conseguiu, digamos assim, ser uma espécie de porta-voz dessa dessa indignação e da oposição ao politicamente correto. Ele tem coragem de fazer isso, assume e faz. E isso aliado ao eleitorado que agora vai às ruas  mulheres influentes dando apoio, empresários importantes dando apoio. Tenho que respeitar a manifestação de quem está agindo dessa forma. Eu não seria democrata se não respeitasse.

P. Como a senhora avalia a acusação de que Bolsonaro flerta com o autoritarismo?

R. Aí é o futuro que vai responder, no exercício do mandato. Uma coisa é o discurso outra coisa é a prática. O discurso dele é esse. E ele é coerente com esse discurso. Por mais imagens que apareçam [sobre o comportamento do ex-deputado] e você fale que é horror, tem um grupo grande de mulheres que não se incomoda com isso. O que eu vou fazer, chamar essas mulheres de quê? Temos que respeitá-las. Não posso dizer que estão erradas, é a convicção delas.

P. A senhora se incomoda com as atitudes machistas de Bolsonaro?

R. Primeiro que não permitiria esse tipo de enfrentamento comigo. Renan Calheiros fez isso comigo no Senado, e chamei ele de coronel. De igual para igual. Ele nos chamou de vivandeiras apressadas e eu disse: "O coronel quer calar as mulheres, não vai calar não". Esse é um embate que temos que fazer. Claro que tem que ser no nível do respeito. Mas a política é isso. Só porque eu sou mulher tenho que ser coitadinha? Não. Eu tenho que bater. No plenário somos iguais. Sou senadora e ele é senador.

P. Mas as mulheres são minoria no Senado, certo?

R. E estou lá para representar essa minoria. O que eu fiz lutando até contra uma mulher. Votei pelo impeachment, e não é porque Dilma é mulher. Mas pelo crime cometido, porque a régua moral é a mesma. Fiz o mesmo com o Aécio [Neves], a quem tinha apoiado. A declaração infeliz dele falando com o Joesley foi algo inaceitável. Apoiei a decisão do Supremo que mandou ele sair do exercício do mandato.

P. Como avalia o movimento de mulheres contra o Bolsonaro?

R. Esse movimento acabou sendo apoderado pela esquerda, e com muita inteligência – a esquerda não sabe governar, mas ninguém faz oposição como eles. O PT é o mestre, PHD em oposição. Talvez 80% da manifestação tenha sido feita pelos partidos de esquerda.

P. Mas isso desqualifica o movimento?

R. Não, pelo contrário. O movimento foi uma reação. Olhando os dados das pesquisas, o índice de rejeição dele é maior entre as mulheres. É esperteza da esquerda se aproveitar. Mas mesmo com tudo o que aconteceu, com a história da ex-mulher, com as declarações do vice, ele aumentou na última pesquisa do Ibope. Aí temos que respeitar a manifestação do eleitorado. Não há outra atitude mais democrata do que de respeitar o eleitorado. Agora, eu estou numa situação ótima, porque os petistas me chamam de golpista e os bolsonaristas me chamam de traidora. Estou bem com os dois lados.

P. Qual a sua opinião sobre Fernando Haddad?

R. Conheci Fernando Haddad no lançamento de um livro do [senador] Jorge Viana. Tenho uma relação com alguns petistas que respeito. Viana me convidou para o lançamento na biblioteca do Senado e conversamos e foi lá que o Haddad me disse: “Senadora, não bata tanto no PT”. O pedido dele não funcionou muito. Tive a oportunidade de entrevistá-lo como jornalista, é uma pessoa moderada. Mas ele é discípulo do Lula. O presidente da República será o Lula. É ele quem está definindo essa eleição. Foi apreendido um material, a colinha  aquele impresso onde vai o número dos candidatos , e estava lá a foto do Lula e o 13. Se estão botando a imagem do Lula, é ele quem vai mandar.

P. A senhora sempre afirmou se dar bem com a Manuela D’Avila, vice de Haddad. Inclusive a apoiou no passado...

R. Sim. Foi para mostrar que eu era capaz de ter uma maior abertura do meu partido, que era considerado conservador, e entrar numa região de eleitorado mais a esquerda. Chegamos a ter um vice-prefeito de Porto Alegre e ganhamos uma prefeitura estratégica na região metropolitana. Claro que muitos não entenderam esse meu gesto, em que contrariei até o diretório municipal do partido. Mas o tempo mostrou que tivemos um reflexo positivo. Éramos uma espécie de patinho feio e acabamos nos tornando um partido respeitadíssimo na Prefeitura de Porto Alegre.

P. Alckmin disse que no segundo turno ele apoia “todos, menos Bolsonaro”, a senhora disse “todos, menos o PT”. Afinal, com quem a senhora vai apoiar?

R. Eu disse agora para ti que nenhum dos dois quer o meu voto. Os petistas me chamam de golpista e os bolsonaristas me chamam de traidora. Isso significa dizer que não querem meu voto. Se quisessem meu voto, não me tratariam dessa forma. Então digo que nem as moscas a gente atrai com vinagre.

P. A senhora costuma dizer que não gosta de rótulos, que é feminina. Considera que seu ativismo pela igualdade entre homens e mulheres na política representa a luta feminista?

R. Sim, sei disso. Eu prefiro trabalhar sobre conceitos e atuação do que essa coisa de rótulo. Gosto muito e fico feliz quando as mulheres chegam e dizem: “Você me representa”. Ouço muito. Isso é a retribuição a minha dedicação. Não pelas agendas de interesses das mulheres que as represento, mas pela atitude.

P. As pautas de interesse das mulheres são uma realidade em sua atuação.

R. Presido a Fundação Milton Campos, do PP, e fiz um ativismo grande por mais mais mulheres filiadas ao partido. Trouxe mulheres para serem candidatas. Eu sempre disse que os 30% da cota da nominada para mulheres era para inglês ver. É bonitinho botar, mas quais as condições que oferece para ela se deslocar, fazer reunião? Quem vai pagar essas despesas? Por mais abnegação que tenha uma líder comunitária de periferia, é difícil para ela sem nenhum suporte financeiro. E com a decisão do Supremo [uso de no mínimo 30% do Fundo Eleitoral para campanha de mulheres), teremos uma mudança gradativa. O que eu fiz para as mulheres foi exatamente isso, oferecer reuniões, mobilização, discutir pautas de interesse das mães, sobre doenças, autismo, drogas...

P. E sobre o aborto?

R. O problema é o seguinte, o Brasil é um país católico. Não sou católica, mas eu vou à missa, gosto de levar passe espírita, de ir na igreja evangélica, de ir em qualquer lugar, Deus é um só. Temos que respeitar os princípios morais e dogmas religiosos das pessoas. Não pode a minoria determinar o que a maioria quer. Esse é o brilho e força da democracia. O papa Francisco foi falar com os líderes argentinos sobre a questão do aborto e optaram por manter o que já estava, que é igual o que determina a lei brasileira. O que você tem que fazer é evitar o aborto, evitando a gravidez, com métodos anticonceptivos. É o único caminho. Você tem laqueadura.

P. Não é fácil para uma mulher conseguir laqueadura no Sistema Único de Saúde (SUS).

R. É isso que tem que mudar. O marido pode fazer vasectomia sem consultar a mulher. Já a mulher tem que pedir licença para o marido. Toda essa política de métodos contraceptivos é que tem que mudar. O SUS demora seis meses pra fazer uma laqueadura.

P. Ações sobre saúde da mulher são muito importante em sua atuação política. Esse é o seu legado?

R. É uma área muito cara para mim. Fiz leis de alto teor de conflito de interesses como a que obriga os planos de saúde no Brasil a fornecerem aos seus clientes que têm o diagnóstico de câncer o remédio quimioterápico oral. Tenho outro projeto que está tendo grande repercussão pois agiliza o registro de pesquisas clínicas para novos medicamentos no Brasil. Fui relatora do projeto de lei que trata de iniciar o tratamento do câncer em até 60 dias no SUS. E tenho trabalhado com outras doenças, mielona múltiplo, ELA [esclerose múltipla], câncer do reto, câncer de próstata, fibromialgia. 

P. Sem estar no Congresso para defender essas bandeiras, quais os planos para o próximo ano?

R. Cada dia com a sua agonia. Vamos votar. Ganhar e ir para o segundo turno.

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