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Na terra do “candidato de Lula”

As motivações dos eleitores do município com o pior IDH do Estado de Pernambuco para votar no PT. Nordeste é bastião petista que permitiu a Haddad se tornar viável rapidamente

Marina Rossi
Da esquerda para a direita: Pequena da Silva, Maria Luzia Adalto e o filho, Anderson Adalto, em Manari (PE).
Da esquerda para a direita: Pequena da Silva, Maria Luzia Adalto e o filho, Anderson Adalto, em Manari (PE).Teresa Maia
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Com um saco de cinco quilos de arroz nas mãos, Damiana da Conceição, 33, encena como fazia para conseguir o único alimento que chegava à mesa quando ela era mais nova. “Eu caminhava com minha mãe até [a cidade de] Inajá. Colocava o saco na cabeça e voltava”. Moradora da zona rural de Manari, no sertão de Pernambuco, a dona de casa relata que levava um dia inteiro para ir e voltar do município vizinho, que fica a mais de 30 quilômetros de distância. Hoje, os cinco quilos de arroz que Damiana recebia deram lugar ao cartão do Programa Bolsa Família que ela usa para realizar o saque mensal de 427 reais, a única renda da casa, onde ela vive com os quatro filhos.

A dona de casa conta a história do saco de arroz para explicar por que vota “em Lula” até hoje. “Depois que Lula apareceu, a coisa melhorou. Agora dá até para fazer uma feira”, diz. Mas a “melhora” relatada por ela, ainda está longe de boas condições de vida. A casa onde mora hoje já não é mais de taipa, e sim de concreto. Mas ela ainda usa o fogão a lenha que fica na cozinha da casa antiga, que ainda sobrevive no quintal, porque não tem dinheiro para comprar um botijão de gás. A cisterna, construída durante o Governo Lula, está vazia há mais de dois anos porque o caminhão pipa já não passa mais para encher, segundo ela. Na secura onde Damiana vive, a água utilizada é de poço. Quando tem.

Manari fica no sertão pernambucano, a 230 quilômetros do Recife. Com 20.000 habitantes, a cidadezinha está entre os 20 piores IDH do país e o pior do Estado, ficando em um patamar comparável ao Haiti. Mais da metade (56%) das famílias são beneficiadas pelo Bolsa Família, um número que pode explicar por que 79% dos eleitores votaram em Dilma Rousseff (PT) em 2014, enquanto no Estado de Pernambuco, esse percentual ficou em 44%. “Se não fosse o Bolsa Família, o povo aqui já tinha morrido de fome”, diz Maria Elenice da Silva, 30, desempregada, quatro filhos.

O Nordeste concentra hoje mais da metade (55%) da pobreza extrema do país, de acordo com a pesquisa mais recente sobre o tema, um levantamento feio pela LCA Consultores com base em dados da Pnad. Entre os Estados, Bahia e Pernambuco são os que mais concentram essa população. Apesar dos números negativos, foi durante os anos do Governo do PT que a região, e mais especificamente Pernambuco, deram um salto de crescimento. Entre 2008 e 2012, a economia do Estado cresceu, em média, 4%, ante 2,6% da média nacional para o período. Os investimentos em grandes obras como a transposição do rio São Francisco e a Transnordestina, que passam por cidades pernambucanas, além do complexo portuário de Suape, a 30 quilômetros da capital, impulsionaram a economia por meio da criação de empregos.

Governando sob boas condições políticas e econômicas e investindo em projetos de distribuição de renda, Lula ficou na memória de grande parte dos eleitores como “o pai dos pobres”, como resume dona Maria Edilene da Silva. Ela não sabe exatamente a idade que tem, mas sabe responder, na ponta da língua, em quem vai votar: “É Lula, né?”, diz, emendando que esqueceu o nome do candidato indicado pelo petista. Ela, o marido, e os dois filhos, vivem em uma pequena casa de um cômodo. “Construímos essa casa com o dinheiro que recebemos de Lula”, explica.

Preso desde abril acusado de corrupção, Lula não só tem as preferências de voto, como também é o maior cabo eleitoral desta disputa na região. A popularidade do petista levou a alianças contraditórias e apoios duvidosos foram firmados para impulsionar campanhas locais. Em Alagoas, a candidatura à reeleição de Renan Filho ao Governo e a recondução de Renan Calheiros ao Senado, ambos do MDB de Michel Temer, contam com o apoio do PT. No Maranhão, o candidato à reeleição Flávio Dino (PCdoB), cujo partido se aliou nacionalmente ao PT, vê a imagem de Lula, seu grande apoiador, sendo colada também ao clã Sarney, representado por Roseana Sarney (MDB). No próprio Estado de Pernambuco, a campanha pela reeleição de Paulo Câmara (PSB) tem a bênção do líder petista, que decidiu suspender uma candidatura própria, de Marília Arraes, para se aliar aos socialistas, ignorando convenientemente o fato de que em 2016, o PSB foi um dos partidos que apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff.

Damiana: “Se esse homem perder a eleição, você imagina a minha vida como fica?”
Damiana: “Se esse homem perder a eleição, você imagina a minha vida como fica?”T. Maia

Mas os números mostram que aqui, as contraditórias alianças não são um fator tão relevante para o eleitor. Em Pernambuco, Fernando Haddad tem torno 39% das intenções de voto, na pesquisa do  Ibope às vésperas do primeiro turno. Dos Estados pesquisados pelo instituto, é único onde o petista lidera a disputa. No Nordeste, também única região onde o petista está em primeiro lugar, o percentual de votos chega a 36%, segundo o Datafolha. Foi esse bastião lulista que permitiu a estratégia do PT de transformar Haddad em um candidato viável em tão pouco tempo –e é a esperança do partido para segurar a onda de crescimento de Jair Bolsonaro. A fidelidade ao PT na região que concentra mais da metade da pobreza extrema do país não é  passional. Em Manari, somente 3,8% da população estava empregada em 2016, segundo o dado mais recente do IBGE. Sem emprego e vivendo em uma região semiárida, onde nem tudo o que se planta dá, restam poucas alternativas de sobrevivência aos moradores do local que não passem pela ajuda de programas sociais. Na dúvida, a opção pragmática é seguir com o PT.

"Cabelinho bom"

Dona Maria Luzia Adalto explicava, enquanto cortava lenha para cozinhar o feijão do almoço, que ela e os cinco filhos sobrevivem com 535 reais por mês do Bolsa Família. O medo de perder o benefício é a maior motivação para votar no candidato indicado por Lula. “Se não for o candidato de Lula, vão cortar o Bolsa Família”, diz, repetindo o que foi pregado insistentemente pelos marqueteiros da campanha do PT em 2014. A segunda razão é o desconhecimento. "Não sei quem são os outros candidatos", confessa. O próprio Haddad não é de conhecimento da eleitora. "Não sei o nome dele. Sei que é de Lula".

Ao lado dela, também na lenha, dona Pequena da Silva emenda: "Vou saber quem é [Haddad] quando eu olhar na urna". Franzina, mãe de dois filhos, ela vive com 250 reais por mês. Não sabe o número do PT, tampouco a própria idade. "Dizem que eu tenho 50 anos".

O medo de perder o benefício e o desconhecimento do candidato petista são sentimentos repartidos também com Damiana, que mora na casa ao lado. “Não sei o nome do candidato de Lula não. É aquele do cabelinho bom, não é?”, pergunta. “Mas aqui é tudo Lula. Se esse homem perder a eleição, você imagina a minha vida como fica?”.

Apesar da grande de dependência do Bolsa Família, no sertão pernambucano não são apenas os beneficiados de programa social que votam “no candidato de Lula”. Em São Domingos, distrito de Parnamirim, a 400 quilômetros de Manari, a funcionária pública Francisca Edna listava suas razões para acreditar que ali "só dá Lula". "Antes as casas eram de taipa, não tinha TV. Agora tem até antena parabólica", diz. No mercadinho, o comerciante Jeová Pereira da Silva falou que os empregos gerados na era lulista são sua principal razão para a escolha do candidato. "Ele trouxe muitos empregos para a região", diz. "Se não fosse por ele, hoje não teria ninguém aqui. Estaria todo mundo por aí, pelo mundo, procurando trabalho". Para ele, a Transnordestina e a transposição do rio São Francisco "não teriam saído nunca do papel" se não fosse o petista. "Por isso, aqui não existem dois partidos. É PT e acabou".

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