_
_
_
_
_

O circuito do esporte que abraça Bolsonaro

De Lucas Moura a Emerson Fittipaldi, personalidades esportivas declaram apoio ao candidato do PSL. Manifestações políticas ainda são raras entre atletas em atividade

Lucas Moura, jogador do Tottenham, saiu em defesa de Bolsonaro.
Lucas Moura, jogador do Tottenham, saiu em defesa de Bolsonaro.prisa

“Deus abençoe a todos os trabalhadores e pau nos vagabundos. Bolsonaro neles!”. Foi assim, em um eloquente vídeo publicado no Instagram, que Felipe Melo, volante do Palmeiras, anunciou apoio a Jair Bolsonaro. Na ocasião, maio de 2017, o ex-capitão do Exército ainda era pré-candidato à presidência e filiado ao Partido Social Cristão (PSC). Apesar de ter recebido críticas de torcedores palmeirenses, a exemplo do grupo Palmeiras Antifascista, o jogador se manteve fiel à intenção de voto. Há duas semanas, ele dedicou o gol que marcou diante do Bahia a quem descreveu como “nosso futuro presidente”. Por meio de nota oficial, o Palmeiras salientou que a manifestação de seu atleta era particular, e não do clube.

Mais informações
Juninho Pernambucano: “Se eu fui censurado, toda a imprensa também foi”
A distopia miliciana de Jair Bolsonaro

Outros jogadores de futebol também já saíram a público para endossar a campanha de Bolsonaro, como Jadson e Roger (Corinthians), Rossi (Internacional), Dagoberto (Londrina) e Lucas Moura (Tottenham), que justificou a escolha com base no critério de eliminação. “Faz tempo que estamos em crise e os candidatos que elegemos não adiantaram. Nenhum candidato é o salvador da pátria. Só acho que temos que mudar”, escreveu em seu perfil no Twitter. Questionado por um seguidor, o atacante evangélico refutou o rótulo de preconceituoso atribuído ao ex-capitão: “Se fosse racista, estaria preso”. Ex-jogadores da seleção brasileira, Cafu, Edmundo e Rivaldo completam o time de bolsonaristas declarados.

Nas arquibancadas, Bolsonaro divide opiniões. No mesmo domingo em que Felipe Melo o homenageou em rede nacional, torcedores do Atlético-MG citaram o candidato do PSL ao entoar música homofóbica para provocar os rivais no Mineirão: “Ô, cruzeirense, toma cuidado, o Bolsonaro vai matar viado”. A equipe alvinegra condenou o cântico: “O Clube Atlético Mineiro lamenta profundamente as manifestações homofóbicas de parte dos torcedores. Reiteramos nosso repúdio a quaisquer gestos de preconceito ou de incitação à violência”. Por outro lado, torcidas organizadas como Gaviões da Fiel (Corinthians) e Torcida Jovem (Santos) manifestaram repúdio a Jair Bolsonaro, alegando incompatibilidade entre as propostas do candidato e os ideais das instituições.

Com o kart do filho, Fittipaldi pede votos para Bolsonaro.
Com o kart do filho, Fittipaldi pede votos para Bolsonaro.prisa

Porém, o presidenciável militar ostenta uma ala de apoiadores não apenas no futebol. Jogadores das seleções masculinas de vôlei e basquete e atletas de outras modalidades já levantaram bandeira pró-Bolsonaro. A última personalidade do esporte a seguir o rastro da extrema direita foi o bicampeão mundial de Fórmula 1, Emerson Fittipaldi. Diretamente de Miami, onde vive com a família, o ex-piloto publicou nas redes sociais uma foto ao lado do filho mais novo e um kart com o número 17. “Esse é o meu número, que desejo para os meus filhos e as próximas gerações de brasileiros.” Na última quinta-feira, Fittipaldi visitou Bolsonaro durante a internação no hospital Albert Einstein, em São Paulo.

Mas o grande reduto bolsonarista no esporte é o circuito das artes marciais. Vários lutadores de MMA se revelam eleitores convictos do capitão, inclusive dentro dos ringues, como José Aldo, Wanderlei Silva, Paulo Henrique Borrachinha, Warlley Alves – que ironizou o ex-presidente Lula ao dedicar uma vitória a Bolsonaro – e Felipe Sertanejo, atualmente confinado no reality show A Fazenda, da Record.

A bolha do futebol

Na maioria dos casos, manifestações políticas por parte de atletas, sobretudo ídolos em evidência, são desencorajadas por clubes, assessores e empresários. Existe o temor de que, independentemente da causa ou partido apoiado, uma tomada de posição gere desconforto com torcedores e patrocinadores a ponto de comprometer a carreira esportiva. Nos Estados Unidos, o jogador Colin Kaepernick processou franquias da NFL por boicote depois que ele se ajoelhou durante a execução do hino norte-americano para protestar contra a violência policial. Chamado de antipatriota pelo presidente Donald Trump, o quarterback de 30 anos já acumula duas temporadas no ostracismo.

No Brasil, a figura do jogador politizado não costuma ser assimilada com naturalidade dentro do esporte mais popular do país. O zagueiro Paulo André, atualmente no Atlético-PR, chegou a acusar retaliação de dirigentes por causa de seus posicionamentos em defesa dos direitos dos atletas à frente do movimento Bom Senso FC. Ex-atacante do Atlético-MG nas décadas de 70 e 80, Reinaldo Lima afirma ter sofrido perseguição do regime militar devido a manifestações contrárias à ditadura. “O futebol sempre foi um meio conservador. Não aceitam que um jogador tenha posições políticas, que se proponha a pensar”, afirmou Reinaldo.

Berço da Democracia Corinthiana, liderada por Sócrates e companhia também no período da ditadura, o Corinthians – fora os tímidos apoios de Jadson e Roger a Bolsonaro – já não conta com tantos jogadores dispostos a se aventurar na arena político-ideológica. “Nem me preocupo com política. Não entendo. E não me agrega nada”, diz o lateral-esquerdo Danilo Avelar. Imersos em uma intensa rotina de treinos, jogos e concentrações, boleiros geralmente se sentem mais confortáveis em manifestar suas opiniões depois que param de jogar, como Juninho Pernambucano, que defende Lula e se opõe a Bolsonaro, e Ronaldo Fenômeno, que se tornou cabo eleitoral de Aécio Neves em 2014.

Apesar da onda a favor de Bolsonaro, ainda são raros os jogadores em atividade que abrem o voto ou se engajam na militância de um candidato. Em 2012, na eleição para prefeito de São Paulo, o ídolo tricolor Rogério Ceni apoiou José Serra (PSDB), enquanto o palmeirense Marcos Assunção aderiu à campanha de Fernando Haddad (PT). Há quatro anos, às vésperas do segundo turno presidencial, Júlio Baptista e Neymar também declararam apoio a Aécio.

“Via de regra, o atleta está tão voltado para a competição, em um período curto de sua vida, que realmente não olha para o resto do país. Sem contar que a esmagadora maioria deles é vítima do sistema educacional brasileiro”, afirma o jornalista Juca Kfouri. Ele defende que jogadores como Felipe Melo se expressem livremente e não enxerga motivos para censura a declarações públicas de voto – o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) ameaçou denunciar o volante do Palmeiras por conduta antidesportiva. “Felipe Melo não fez nada mais que dedicar seu gol a um candidato. Outros jogadores têm o mesmo direito, assim como qualquer cidadão.”

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_