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Eleições 2018
Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Como são feitos os questionários eleitorais

A academia e alguns veículos estão se debruçando para tentar entender as diferenças entre as pesquisas eleitorais e as razões de seus erros

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Pesquisas eleitorais sérias, feitas por empresas e profissionais responsáveis diferem entre si? Mas por quais motivos? Diversos. Nos últimos anos, a cobertura midiática em relação às pesquisas eleitorais está se tornando cada vez mais profissional, o que é muito bom. Enquanto isso, a academia e alguns veículos estão se debruçando para tentar entender razões e diferenças entre as pesquisas eleitorais e quais razões de seus erros.

Nas eleições de 2018, nós já temos algumas estatísticas interessantes sobre essas diferenças dos institutos de pesquisa, ou como a literatura chama: “house effects”. Em publicação recente, o Jota foi taxativo: FSB/BTG possui um viés positivo para Jair Bolsonaro de 4 pontos e o DataPoder360 um viés positivo para Haddad de 3 pontos. Outra forma de acompanhar o “house effects” de forma super atualizada é o PollingData. Basta clicar em eleições presidenciais e depois ir em “Viés dos Institutos”.

Segundo a metodologia utilizada pelo PollingData e considerando apenas diferenças maiores que 1.0, fica claro:

Sobre possíveis causas dessas diferenças, existem alguns bons debates e potenciais explicações. O primeiro deles é que são pesquisas bem diferentes. Selecionamos as sete principais, que tiveram uma grande repercussão nas últimas semanas e separamos em pelo menos três tipos.

Segundo a metodologia utilizada pelo PollingData e considerando apenas diferenças maiores que 1.0, fica claro:

Sobre possíveis causas dessas diferenças, existem alguns bons debates e potenciais explicações. O primeiro deles é que são pesquisas bem diferentes. Selecionamos as sete principais, que tiveram uma grande repercussão nas últimas semanas e separamos em pelo menos três tipos.

Face-a-face

São as mais tradicionais: uma pessoa aborda alguém em sua residência ou ponto de fluxo (não vamos entrar nessa diferença por enquanto)

Telefônicas – com entrevista

Com uma base de dados de telefones fixos e celulares válidos o instituto sorteia um número para ligar e um entrevistador realiza a entrevista

Telefônicas – automatizadas (URA)

São entrevistas automatizadas por telefone com URA (Unidade de Resposta Audível). Funcionam como as entrevistas por telefone, mas no lugar de ter uma pessoa entrevistando, o entrevistado ouve uma gravação telefônica e responde digitando um número no teclado, igual o começo de diversos call centers.

Baixamos todos os questionários disponíveis no TSE (você poder fazer o download aqui) e destaco alguns pontos de atenção curiosos sobre as diferenças.

Filtros ou critérios para a entrevista existir

Filtros ou critérios existem para que o(a) entrevistador(a) não entreviste uma pessoa totalmente fora do objetivo da pesquisa. Em pesquisas eleitorais, o exemplo mais simples é perguntar se a pessoa possui título de eleitor e se vota na cidade onde está sendo entrevistada. Chamo atenção para algumas coisas diferentes:

  1. IBOPE faz um filtro para quem declara ter votado na eleição passada. Se a pessoa não votou, está fora da entrevista. Confesso que eu não lembro de nenhuma literatura que sugira um filtro específico para quem votou em eleições passadas. Meu palpite: existe um conjunto na população que sistematicamente não votaria, apesar do voto obrigatório? Se sim, é importante retirá-las das pesquisas?
  2. Vox Populi pergunta se o(a) entrevistado(a) trabalha ou tem alguém no domicílio que trabalha em empresas de pesquisas, agências de publicidade/comunicação/rp e veículo de comunicação. Caso positivo, a entrevista não é realizada. Esse filtro é relativamente comum e seu objetivo é manter a pesquisa longe dos holofotes que ela poderia ter. Eu particularmente acho que para pesquisas públicas e com a obrigação de submeterem o questionário no TSE não faça tanto sentido assim.

Algo que me chamou a atenção na relação entre telefone vs. face-a-face é que o DataPoder360 aparentemente não faz um controle de filtro de título de eleitor naquele local e não pergunta a região/UF.

Exemplo de dois filtros do IBOPE e do VoxPopuli

A ordem e o que vem antes das principais perguntas

A ordem das perguntas em um questionário pode influenciar as respostas. Intuitivamente, quando você vai ter uma conversa importante, vai me dizer que você não reflete a hora e como abordar algumas coisas? Pois bem, com pesquisas eleitorais esta lógica também funciona. Questionários começam com as perguntas de filtro, depois algumas perguntas sócio-demográficas, como idade, e na maioria dos casos, as perguntas eleitorais em sequência.

  1. IBOPE faz duas perguntas sobre “avaliação da vida” de forma mais ampla antes das perguntas eleitorais: “Para começar, como o(a) sr(a) diria que se sente com relação à vida que vem levando hoje?” e “Como o(a) Sr(a) diria que se sente atualmente em relação ao futuro do país, o(a) Sr(a) diria que está…”;
  2. DATAFOLHA e IPESPE perguntam o interesse em relação às eleições;
  3. VoxPopuli faz uma bateria de questões que incluem a avaliação do governo Temer, quem foi o melhor presidente do país e… começa a bateria eleitoral.

Em todos os questionários, a ordem é clara: pergunta espontânea (não se apresenta uma lista dos candidatos) e depois a estimulada (apresenta-se uma lista de candidatos para que o respondente possa escolher). Exceto Vox Populi, que entre uma pergunta e outra, inclui algumas perguntas sobre conhecimento de alguns políticos. Convido o leitor a ler as perguntas no questionário e a analisá-las.

A pergunta espontânea

As perguntas espontâneas são parecidas:

Chamo atenção para sutil diferença do DataFolha, que pergunta em quem o eleitor votará no dia da eleição e não “se a eleição fosse hoje”.

A pergunta estimulada

A principal pergunta dessas pesquisas são as estimuladas, afinal é o principal dado consumido nacionalmente. A pergunta estimulada funciona da seguinte forma: quem está aplicando o questionário precisa apresentar uma lista dos candidatos ao entrevistado. Aqui moram diversos detalhes e as principais diferenças entre os métodos. Afinal, uma coisa é apresentar uma lista para alguém na sua frente, outra bem diferente é por telefone.

Na pesquisa face-a-face o modelo adotado entre os institutos de pesquisa é o uso de um disco circular onde estão os nomes dos candidatos divididos de forma igual. Atenção, não é um cartão com uma ordem (alfabética ou qualquer), mas um disco para que na teoria, todos os candidatos tenham a mesma chance de ser visualizado pelo entrevistado. Observe o GIF ao lado do IBOPE. (A versão estática está no arquivo do questionário).

Todas as pesquisas face-a-face analisadas utilizam um cartão semelhante. Chamo atenção apenas para VoxPopuli que no cartão não deixou apenas o nome do candidato Fernando Haddad (PT), incluiu “Fernando Haddad, apoiado por Lula (PT)”, destoando completamente do padrão adotado.

Ainda sobre VoxPopuli, algumas perguntas são introduzidas entre a estimulada e a espontânea. Inicialmente, o instituto faz perguntas relacionadas aos conhecimentos gerais sobre os presidenciáveis. A partir destas questões, são mapeadas a probabilidade de voto em cada candidato. Em seguida, é perguntado se o participante votaria no Lula, caso possível. Depois destas perguntas, uma alternativa estimulada com o Lula é apresentada – vale ressaltar que este é a única pesquisa que ainda considerava o cenário com Lula . Logo após, perguntam sobre a veracidade da candidatura do Lula; o apoio deste ao Haddad; a opinião sobre o PT ganhar a eleição com ou sem o Lula; e a transferência do voto do participante para o Haddad. Finalmente, é feita uma pergunta estimulada com o Haddad. Desta forma, a pesquisa do Vox Populi introduz diversas perguntas reflexivas, o que pode influenciar as respostas dos entrevistados. Deste modo, ocorre uma diminuição de credibilidade dos resultados apresentados pelo veículo.

E como fica a apresentação dos candidatos por telefone? Esse é talvez um detalhes mais interessantes. É de conhecimento comum que apresentar uma lista é um problema (por isso os discos). Mas não há como mostrar um disco em uma ligação telefônica. Nesses casos o comum é ler os nomes de forma aletória ou em rodízio e é o que FSB e IPESPE fazem. Aleatório é simples, se for um sistema informatizado (o que normalmente acontece) o sistema simplesmente aleatoriza a exibição do nome. Antigamente era utilizado o rodízio, ou seja, o aplicador deveria começar a ler por um nome diferente e seguir a ordem.

O que mais me chamou atenção é o formato via URA adotado pelo DataPoder360. Eles não fazem de forma aleatória e leem os nomes de forma alfabética. Mais ainda, como o limite de dígitos no telefone para que a pessoa possa responder é de 10 dígitos, eles estimulam os 8 primeiros e depois pede para o respondente continuar a bateria com os outros candidatos.

Espero ter contribuido para o debate sobre as difereças das pesquisas eleitorais (além de preparar meu material de aula sobre construção de questionários =] ). Caso tenha notado outras diferenças entre em contato! Existe um bom debate para avançarmos.

Contribuíram para a publicação: Geovana Pessoa e Daniela Teles

Max Stabile é o atual diretor-executivo do IBPAD - Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados, doutorando em Ciência Política (IPOL-UnB) e pesquisador do RESOCIE (Grupo de pesquisa Repensando as Relações entre Sociedade e Estado).

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