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Maduro faz aceno a Trump e diz que crise migratória foi inventada para justificar intervenção humanitária

Em discurso na Assembleia Geral da ONU, o presidente venezuelano afirmou estar disposto a "apertar a mão" do mandatário norte-americano

Nicolás Maduro, nesta quarta-feira, na Assembleia Geral da ONU
Nicolás Maduro, nesta quarta-feira, na Assembleia Geral da ONUEDUARDO MUNOZ (REUTERS)
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Nicolás Maduro usou o alto-falante das Nações Unidas nesta quarta-feira, 26, para dirigir a palavra de Donald Trump e dizer que, apesar de suas diferenças ideológicas "abismais", está disposto a "apertar a mão" dele e dialogar "com uma agenda aberta" sobre questões bilaterais e aquelas que afetam toda a América Latina. O presidente da Venezuela fez isso depois de acusar os Estados Unidos de liderarem uma campanha que busca demonizar seu país e que tem como objetivo justificar uma intervenção humanitária.

O sucessor de Hugo Chávez decidiu de última hora viajar para Nova York e participar da Assembleia Geral da ONU, em meio à crescente pressão internacional. Fez isso para falar sobre o que chamou de "verdade da Venezuela". A gestão de seu Governo levou o país ao desastre econômico e social e desencadeou uma emergência migratória sem precedentes na região. Maduro negou quase tudo. Por exemplo, que houve um êxodo de milhões de pessoas. E o que não podia negar, como a gravíssima crise que aflige os venezuelanos, a hiperinflação desenfreada e a escassez, ele atribuiu a uma suposta perseguição do inimigo externo e uma conspiração da mídia. No entanto, aceitou o desafio de Trump, que, apesar de lhe fazer uma seriíssima advertência, abriu a porta para uma reunião bilateral.

"Estaria disposto a apertar a mão do presidente dos Estados Unidos e sentar-me para falar sobre as questões das diferenças bilaterais e os assuntos da região", disse o presidente. "Aqueles que têm opiniões diferentes são os que têm de dialogar”, reiterou Maduro no plenário da Assembleia. Ele misturou ataques verbais e acusações contra a vasta maioria da comunidade internacional com a disposição de falar com "humildade, franqueza e sinceridade". "Acreditamos no diálogo político como o caminho para resolver conflitos", disse.

É a terceira vez que Maduro se dirige à ONU em nome do povo venezuelano, da mesma plataforma em que Chávez chamou George Bush de diabo. "Cheira a enxofre", disse o ex-presidente, que morreu em 2013. "Sua voz ainda ressoa pedindo justiça para o mundo", afirmou Maduro. A viagem de Caracas a Nova York só foi confirmada no último momento porque seu gabinete estava avaliando as "condições de segurança". Ele foi acompanhado de sua mulher, Cilia Flores, que na terça-feira foi colocada na lista de sanções dos EUA. Falou quase no final do segundo dia da Assembleia, com o plenário praticamente vazio e Donald Trump a caminho de Washington. No entanto, Maduro se estendeu por cerca de 50 minutos, mais que o dobro do tempo normalmente empregado pelos oradores.

Com a linguagem dupla que o caracteriza, Trump declarou pela manhã que estava "aberto" para se reunir com Maduro e, ao mesmo tempo, não descartou a possibilidade de uma ação para “proteger o povo venezuelano” de uma ditadura "horrível". Na terça-feira, em uma reunião com o presidente colombiano, Trump sugeriu que o Governo venezuelano poderia ser derrubado "rapidamente" por uma sublevação do Exército.

Maduro tentou jogar a cartada da vitimização. Sua intervenção foi dirigida, em boa medida, a seus seguidores, às bases de Chávez e a seus poucos aliados. "A Venezuela é vítima de uma agressão permanente”, afirmou. O líder chavista, cada vez mais isolado no tabuleiro internacional, disse que trazia "a voz de um povo histórico". "Nosso país é um país assediado, agredido." Falou das reservas de petróleo e ouro, defendeu a chamada "revolução socialista do século XXI", qualificou como “livres” as eleições presidenciais sem garantias realizadas em 20 de maio e tentou exibir estabilidade. "Hoje a Venezuela está mais forte do que nunca."

O Governo venezuelano vem promovendo há semanas a exibição do regresso de cidadãos que deixaram o país em busca de oportunidades. Tem feito isso organizando e filmando repatriações de centenas de pessoas, o que não pode ser comparado à realidade de um êxodo em massa. Somente a Colômbia acolheu em menos de dois anos cerca de um milhão de venezuelanos, segundo estimativas oficiais. Nessa linha, Maduro rejeitou, sem ser capaz de provar suas afirmações, que haja uma situação de emergência migratória. "É uma fabricação da mídia", disse, "para justificar uma intervenção humanitária". A esse respeito, afirmou que os EUA e seus aliados estão seguindo o mesmo padrão das armas de destruição em massa do Iraque, na tentativa de mudar o regime de uma forma que ele descreveu como "ilegal" e "criminosa".

O presidente venezuelano também mencionou a tentativa de assassinato em 4 de agosto, que, segundo ele, tinha como objetivo "criar o caso" e, desse modo, poder ativar os mecanismos de intervenção militar. Todo o seu Executivo desde então se concentrou na investigação desse ataque, realizado com drones durante um desfile militar, e na divulgação dos avanços. Maduro tentou vincular novamente os EUA, Colômbia, México e Chile à organização do ataque fracassado, garantindo que foi planejado e, em alguns casos, até houve oferta de apoio logístico desses países. Desta vez, o presidente venezuelano deu um passo a mais e aproveitou para pedir à Organização das Nações Unidas que nomeie um delegado especial para investigar o ataque de modo independente. Ele também convidou os EUA a enviarem especialistas do FBI para ajudar os investigadores venezuelanos a "esclarecer a verdade".

Nesta mesma quarta-feira, Canadá, Colômbia, México, Chile, Peru e Paraguai assinaram uma petição ao Tribunal Penal Internacional (TPI) de Haia para que abra uma investigação sobre o Governo de Maduro. A mesma Agência de Direitos Humanos da ONU, com sede em Genebra, divulgou um relatório em junho passado documentando a brutal repressão do regime, especialmente por meio das chamadas Operações de Libertação do Povo (OLP). Seus investigadores nem sequer puderam entrar na Venezuela para realizar o trabalho, já que as autoridades lhes negaram permissão, por isso, tiveram que contar com depoimentos de vítimas, advogados e médicos, além de outros estudos.

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