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Como ‘Vila Sésamo’ explicou o 11/9 às crianças sem uma só menção às Torres Gêmeas

Depois dos atentados de 2001 em Nova York, que nesta terça-feira completam 17 anos, a série enfrentou o dilema de como descrever o medo e o estresse pós-traumático aos pequenos

Parte dos personagens de 'Sesame Street' (Vila Sésamo) dos Estados Unidos: Cookie Monster (no Brasil, Come-Come), Prairie Dawn (Sofia), Berth (Beto), Elmo, Ernie (Ênio), Oscar e Grover.
Parte dos personagens de 'Sesame Street' (Vila Sésamo) dos Estados Unidos: Cookie Monster (no Brasil, Come-Come), Prairie Dawn (Sofia), Berth (Beto), Elmo, Ernie (Ênio), Oscar e Grover.Cordon Press
Guillermo Alonso

Os ataques de 11 de setembro no World Trade Center, em Nova York, e no edifício do Pentágono, na Virgínia, deixaram 2.996 mortos, mais de 6.000 feridos e mudaram o mundo. Qualquer um que tivesse consciência naquele momento lembra-se do que estava fazendo e como enfrentou as imagens do primeiro ataque acompanhado ao vivo na televisão e que inaugurou o século XXI com nove meses de atraso. Mas como as crianças enfrentaram isso? É interessante rever, 17 anos após os eventos, como o popular programa Sesame Street explicou a seus espectadores mais jovens como lidar com o medo despertado pelo que aconteceu na capital financeira do mundo. No Brasil foi feita uma adaptação de Sesame Street, chamada Vila Sésamo, baseada nos personagens originais.

"As crianças não estavam cientes do que tinha acontecido. Precisávamos encontrar um modo legítimo de falar disso.  Assim, a equipe decidiu escrever um episódio que falasse dos traumas e medos"

Lewis Bernstein, produtor

A 33ª temporada da série infantil estava em plena filmagem quando que ocorreram os ataques, no final daquele verão nos EUA. O episódio em que a edição tratou do tema, o de número 3.981 (atualmente, a série está no 4.480) foi ao ar em 4 de fevereiro de 2002. Nele, Elmo e Maria estão comendo na loja de Hooper quando irrompe um incêndio na cozinha. Elmo e Maria chamam os bombeiros e o prédio é esvaziado sem nenhuma vítima. Enquanto várias pessoas curiosas se reúnem em frente ao fogo, a sequência termina com um plano fechado de Elmo, que treme de terror e se refugia atrás das costas de Maria.

Elmo está traumatizado e, por isso, se recusa a entrar novamente na loja de Hooper, apesar de o fogo já estar extinto e os bombeiros já terem liberado o local. Um bombeiro se aproxima de Elmo para explicar seu trabalho e como cada parte de seu uniforme o ajuda. Em seguida, convida Elmo e Maria para visitar a sede dos bombeiros para explicar que estão sempre prontos para agir toda vez que há um incêndio. Aliviado, Elmo decide voltar para a loja de Hooper.

Rosemarie Truglio, responsável pela questão educacional do programa, admitiu tempos depois: "Sentimos que precisávamos fazer alguma coisa em resposta ao 11 de Setembro, mas sabíamos que tínhamos que ser muito cuidadosos. Nossos espectadores são muito jovens e os pais estavam se voltando para programas de televisão educacionais, como um refúgio seguro". Para isso, o programa recorreu a imagens e metáforas amigáveis: não há ataque terrorista, mas sim fogo simples, e nele não há chamas, apenas fumaça. Os roteiristas optaram por se concentrar na síndrome de estresse pós-traumático que muitas crianças poderiam sentir nos meses após o ataque e apresentar os bombeiros, cuja figura parece ameaçadora para Elmo no capítulo, como trabalhadores que estão a seu serviço quando há um incêndio. Além de o episódio ser dedicado a eles, muitos dos que aparecem são autênticos bombeiros da cidade de Nova York. Nos atentados morreram 343 bombeiros.

"As crianças não estavam desconectadas do que aconteceu", recordou o produtor Lewis Bernstein. "Precisávamos encontrar uma maneira legítima de falar sobre isso. Então, a equipe decidiu escrever um episódio que falava sobre traumas e medos. Não apenas prestamos homenagem aos bombeiros, mas queríamos ensinar às crianças que você não deve se assustar com coisas que não estão sob seu controle, e que sempre haverá adultos para te proteger e cuidar de você ”.

A maneira como Sesame Street combina ficção e métodos educacionais é a chave para seu sucesso desde 1969 e lhe rendeu 167 prêmios Emmy e 8 prêmios Grammy, tornando-se o programa infantil mais premiado da história. O personagem de Hooper já havia sido um elemento-chave da série quando o ator que lhe deu vida (Will Lee) morreu em 1982. A equipe da série se perguntou se deveria omitir o problema explicando, simplesmente, que Hooper havia se mudado. Mas, depois de consultar vários psicólogos infantis, decidiu abordar a questão da morte e do luto diretamente. Em uma cena que ainda vem sendo estudada hoje, todo o elenco explica ao Big Bird (que no Brasil era chamado de Garibaldo) o que é morte e que Mr. Hooper nunca mais voltará. O episódio foi selecionado pelos Daytime Emmys (os Emmys que premiam os formatos transmitidos diariamente) como um dos dez momentos mais influentes de sua história.

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