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Nico: todas as festas futuras

Uma estranha, atraente e doentia biografia cinematográfica da modelo e cantora, distante do ‘biopic’ convencional, estreia no Brasil nesta quinta-feira

Javier Ocaña

“Estive no topo, e toquei o fundo. E ambos os lugares estão vazios”. A frase da cantora alemã Christa Päffgen, mais conhecida como Nico, mito contracultural junto com o The Velvet Underground nos anos sessenta, ecoa como um antiépico resumo no transcurso do filme italiano Nico, 1988, uma estranha, atraente e doentia biografia cinematográfica, distante do biopic convencional, ambientada num curto espaço de tempo, que não é de ascensão, e sim de declínio.

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Terceiro longa-metragem de Susanna Nicchiarelli, ganhador de quatro prêmios David di Donatello, Nico, 1988 aborda a lúgubre turnê da alemã, junto a um inclassificável grupo de músicos, por ínfimos locais da Itália e Tchecoslováquia. Um filme que, de forma consciente e exata, abandona o glamour em sua composição e sua encenação para ilustrar a existência de uma mulher obcecada pela gravação de sons (de uma caldeira de água às ondas do mar, passando pelos apitos da máquina que mantém seu filho com vida em um hospital), heroinômana, muito inteligente e certamente vazia, que paradoxalmente vive do mito sem olhar para trás.

Nicchiarelli, que se vira para compor um musical sem necessidade de aparentar sê-lo, roda seu relato no clássico formato 4:3, o que, somado ao aspecto sombrio dos cenários, dota seu filme de uma aura nos antípodas da distinção. Tudo é grosseiramente cotidiano: o sexo de meia, as injeções de heroína no tornozelo, o gole aditivo numa uma garrafa de dois litros de Coca-Cola. E, entretanto, com estilosos flashes do passado, de apenas alguns segundos, inserções de um tempo de luzes e sucesso, a diretora italiana também nos devolve o pretérito, e nessa conjunção a obra adquire, quase como num filme de Jim Jarmusch, certa poesia visual do inóspito.

Para Nico, o essencial não era o que tinha deixado para trás, e sim o que tinha pela frente. E nesse contrassenso, o de “todas as festas futuras”, que cantava em All Tomorrow’s Parties com o Velvet, Nichiarelli encontra o interior de um ser humano muito menos fútil que os tempos de fogo e agonia com os quais quis coexistir.

NICO, 1988

Direção: Susanna Nicchiarelli.

Intérpretes: Tryne Dyrholm, John Gordon Sinclair, Anamaria Marinca, Sandor Funtek.

Gênero: musical. Itália, 2017.

Duração: 93 minutos.

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