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Novidade na Espanha e na Copa do Brasil, o VAR altera o comportamento no futebol

Campeonato espanhol e competição brasileira tiveram suas primeiras partidas com arbitragem de vídeo nesse mês

Jogadores do Espanyol comemoram gol confirmado pelo VAR contra o Valencia, pela La Liga.
Jogadores do Espanyol comemoram gol confirmado pelo VAR contra o Valencia, pela La Liga.Toni Albir (EFE)
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Poucas semanas depois do VAR encerrar sua participação histórica na Copa do Mundo da Rússia com um pênalti marcado a favor da França na final contra a Croácia, ele voltou a ser protagonista nas competições mais importantes do mundo. Já presente na Seria A italiana e na Bundesliga desde a última temporada, o árbitro de vídeo foi inaugurado neste mês de agosto na La Liga e na Copa do Brasil – e, ao menos no primeiro caso, foi responsável por atitudes mais pacíficas dos jogadores, menos simulações e uma média inferior de faltas e cartões comparada com temporadas anteriores. Falta saber se é um efeito passageiro provocado pelo big brother da arbitragem ou se a paz se estenderá por toda a competição, sobretudo nos duelos de maior tensão. Mas o futebol já altera seu comportamento.

Um novo ambiente reina hoje sobre os gramados, e também na tradicionalmente conturbada relação entre árbitros e jogadores. A própria gestualidade dos protagonistas mudou. A pose do juiz apertando o fone contra a orelha enquanto escuta seu colega do VAR (uma gesticulação obrigada pela norma) gerou uma situação inédita no futebol espanhol: em meio à batalha, faz-se silêncio enquanto chega a sentença definitiva, e todas as partes (ambos os times, os torcedores) acatam sem reclamar: com a tecnologia não se discute. As perseguições aos árbitros quando tomavam uma decisão polêmica parecem ter desaparecido, e também esses coléricos dramalhões dos protagonistas quando se sentiam ultrajados. Hoje não há discussão que valha, por mais que Luis Suárez, por exemplo, negasse com o dedo indicador ao assistente que estivesse em impedimento no último jogo do Barcelona contra o Valladolid. Um gesto menor em comparação a outros protestos seus e de seus colegas, e até carente de sentido, porque a última palavra é do monitor.

“Ficou demonstrado que o futebol antes era ingovernável, não pela qualidade dos árbitros, mas sim pela atitude dos jogadores”, diz o ex-juiz de futebol Iturralde González. “Agora o atleta se sente fiscalizado. É como quem fura um semáforo às três da madrugada porque acha que ninguém está vendo. Quando sabe que está sendo vigiado, não faz. O jogador é assim também. Sua atitude mudou muitíssimo. O VAR desmascarou seu comportamento de antes. O futebol era uma selva".

Nos 20 primeiros jogos desta temporada da La Liga, os árbitros mostraram uma média de 3,8 cartões amarelos por partida, a média mais baixa desde 2007-08 (3,65). E as que chegam por reclamação são minoria: na última rodada, só quatro de 35. Também não foi mostrado nem um cartão vermelho até o momento, um dado muito significativo se comparado com as seis expulsões da temporada passada nas duas primeiras rodadas, e as 11 de 2007 a essa altura. Também o número de faltas por jogo diminuiu: 25,8, o dado mais baixo ao menos desde 2006. Em quatro vezes o VAR interveio anulando a primeira decisão do árbitro: um gol do Sevilla contra o Rayo Vallecano mal anulado por impedimento; um pênalti para o Rayo no mesmo jogo, que originalmente havia sido marcado fora da área; uma bola que saiu depois de cruzamento no jogo Espanyol x Valencia; e um cartão para Muniesa, em Girona x Real Madrid, que foi dado a Bernardo anteriormente por engano.

“Parecia haver um choque de gerações, que o romantismo se perderia, mas o VAR funcionou bem”, comenta Vicente del Bosque, ex-técnico da seleção espanhola. “Esse romantismo não é ruim, embora a realidade demonstre que é necessário avançar e valer-se da tecnologia para corrigir o que podiam ser más decisões”, acrescenta o treinador campeão do mundo de 2010. “Eu também era reticente porque não sabia como seria administrado. Agora sou um defensor do VAR. Acho uma ferramenta justa”, admite Quique Setién, treinador do Bétis. “E não só isso, eu tentaria ampliá-lo para outras questões para evitar a malandragem, como punir com mais severidade as ações violentas que às vezes não são vistas. Isso ajudaria a reduzir ainda mais a tensão, que já diminuiu porque nos fez ver que os protestos são absurdos. O primeiro impulso é protestar. É difícil de evitar, pela tensão, mas já não tem lugar”, diz Setién.

A cabine de vídeo usada nas partidas da Copa do Brasil.
A cabine de vídeo usada nas partidas da Copa do Brasil.Felipe Oliveira (EC BAHIA)

No Brasil

Assim como na Espanha, o VAR foi usado pela primeira vez em uma competição nacional brasileira nos oito jogos (ida e volta) das quartas de final da Copa do Brasil. Projetado para auxiliar em toda situação de gol, como impedimentos, faltas ou mão na bola, além de pênaltis e cartões vermelhos, a ferramenta estreou nas partidas entre Grêmio x Flamengo, Corinthians x Chapecoense, Santos x Cruzeiro e Bahia x Palmeiras, e continuará sendo usado nas semifinais e finais da competição.

Após os oito jogos, que classificaram Flamengo, Corinthians, Cruzeiro e Palmeiras para as semis, a CBF divulgou um relatório do uso do VAR. Foram, ao todo, 58 checagens do árbitro de vídeo: 22 para cartão vermelho, 20 para pênaltis, 13 para validar gols e três em erro de identificação. No entanto, não são todas que necessitam que o árbitro vá até a tela à beira do campo para rever o lance – ele sequer é avisado se a equipe de vídeo não sente necessidade. O tempo médio por checagem, com e sem conversa com o árbitro de campo, ficou em torno dos 30 segundos; já o tempo médio por checagem que incluiu a visualização da tela à beira do campo pelo árbitro foi de 1 minuto e 18 segundos.

Até aqui, o árbitro de vídeo não causou grandes polêmicas. O lance de maior destaque aconteceu no jogo de ida entre Bahia x Palmeiras, quando o árbitro Anderson Daronco marcou pênalti do tricolor Gregore no palmeirense Arthur e expulsou o atleta do Bahia. Depois de rever o lance na tela, Daronco manteve a marcação da penalidade, mas retirou o cartão vermelho a Gregore. Além desse cartão anulado, o VAR interviu apenas para reforçar o que foi marcado pelo árbitro dentro de campo; foram os casos, por exemplo, do gol bem anulado da Chapecoense contra o Corinthians e em dois pênaltis corretamente não marcados no primeiro jogo entre Flamengo e Grêmio.

O VAR pelo mundo

Segundo a FIFA, o acerto dos árbitros na Copa do Mundo da Rússia foi de 95,7%, e de 99% com a ajuda do VAR. Foram assinalados 24 pênaltis, 0,5 por partida, a média mais alta na história do Mundial, e sete deles foram decretados com a ajuda das câmeras. A ferramenta parece servir à FIFA, mas ainda não agradou totalmente a UEFA, que só usará na Champions League a partir das quartas de final.

Itália e Alemanha implementaram o árbitro de vídeo na temporada passada. Em ambas, o número de cartões amarelos, vermelhos e faltas diminuiu comparado com números anteriores. Com a La Liga aderindo a prática tecnológica, apenas a Premier League, entre os grandes campeonatos, resiste ao VAR. E o bom funcionamento da arbitragem de vídeo nos vizinhos europeus rebate as críticas dos inventores do futebol. Boly, jogador do Wolverhampton, marcou com a mão contra o Manchester City no sábado passado (1 a 1). Pep Guardiola, treinador do City, reclamou após o empate: “A Premier League decidirá quando vai querer que VAR esteja aqui. Eu não sou árbitro e nem trabalho na liga para decidir”.

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