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Premiê irlandês pede que o Papa passe “à ação” no tema dos abusos

Leo Varadkar pede uma resposta firme do Papa em relação aos abusos sexuais de membros do clero. Ele lembra que a Irlanda se modernizou e que a religião já não está no centro da sociedade

Daniel Verdú
O Papa, acompanhado pelo primeiro-ministro Leo Varadkar, em sua chegada a Dublin neste sábado.
O Papa, acompanhado pelo primeiro-ministro Leo Varadkar, em sua chegada a Dublin neste sábado.STEFANO RELLANDINI (REUTERS)
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O mundo mudou radicalmente na última década. Mas a Irlanda, onde o papa Francisco aterrissou na manhã deste sábado, dá a sensação de ter feito isso em uma velocidade maior. O catolicismo continua tendo influência. Mas desde 2009, quando a comissão Ryan descobriu 80 anos de abusos a menores, houve transformações estruturais que foram adiante, apesar da oposição sistemática da Igreja. Hoje o país tem um primeiro-ministro gay, descriminalizou o aborto e os casamentos homossexuais e sofreu uma crise econômica brutal da qual saiu mais rápido e mais forte do que qualquer parceiro da União Europeia. O catolicismo perdeu força (caiu de 95% da população para 76,1%) e autoridade moral e, durante esse tempo, a única revolução no céu foi a da empresa aérea irlandesa Ryanair. O desafio para o Papa, em um lugar onde costumava jogar em casa e que hoje reivindica uma mudança de mentalidade, é enorme.

A Irlanda é hoje um lugar mais difícil para um Pontífice do que aquela que João Paulo II encontrou em 1979. Especialmente quando acaba de vir à tona outro escândalo de abusos maciços na Pensilvânia que a Igreja Católica e o Vaticano encobriram durante anos, assim como aconteceu aqui. O próprio primeiro-ministro, Leo Varadkar, lembrou a Francisco e o advertiu de que a Irlanda mudou e que a religião já não está no centro da sociedade. O Papa foi direto ao assunto. “Não posso deixar de reconhecer o grave escândalo causado na Irlanda pelos abusos a menores por parte de membros da Igreja encarregados de protegê-los e educá-los. O fracasso das autoridades eclesiásticas —bispos, superiores religiosos, sacerdotes e outros— ao enfrentar adequadamente esses crimes repugnantes provocou justamente indignação e permanece como causa de sofrimento e vergonha para a comunidade católica. Eu mesmo compartilho esses sentimentos”, disse o Pontífice.

O Papa, que se reunirá com um grupo de vítimas de abusos, também se referiu ao papel da proteção de menores. Mas não houve alusões claras ao mais recente escândalo descoberto na Pensilvânia, onde um relatório do grande júri revelou há duas semanas que mais de 1.000 crianças foram abusadas por cerca de 300 religiosos. E nem ao encobrimento que, de acordo com o relatório, chegou ao Vaticano. “Desejo que a gravidade dos escândalos dos abusos, que fizeram emergir as falhas de muitos, sirva para enfatizar a importância da proteção dos menores e dos adultos vulneráveis por parte de toda a sociedade”, afirmou. Pouco para aqueles que esperavam palavras mais duras ou medidas concretas como, certamente, o próprio primeiro-ministro, que se referiu à Pensilvânia e pediu mais contundência: “As feridas ainda estão abertas e há muito a fazer para trazer justiça e verdade e curar as vítimas. Santo Padre, peço-lhe que use sua posição e influência para garantir que sejam tomadas medidas na Irlanda e em todo o mundo”.

O Papa, cuja última visita à Irlanda aconteceu em 1980, para aprender inglês durante três meses, também enfrenta nesta viagem o processo de ajuste de uma Igreja Católica profundamente afetada em uma sociedade na qual perdeu um importante peso específico. A aprovação do aborto, do divórcio e da lei dos casamentos homossexuais oferece uma perspectiva social muito diferente. Mas Francisco tentou reforçar os valores tradicionais da família como o casamento exclusivo entre um homem e uma mulher e a rejeição ao aborto. “Este encontro é uma oportunidade para reforçar o compromisso de respeito sagrado pelo dom divino da vida em todas as suas formas. [...]”. O aborto, de acordo com o Pontífice, está relacionado a uma “cultura do descarte materialista que nos tornou cada vez mais indiferentes aos membros mais indefesos da família, incluindo os nascituros, privados do direito à vida”.

Mas em maio, a descriminalização do aborto foi aprovada por maioria esmagadora em um referendo histórico na Irlanda. O primeiro-ministro se encarregou de lembrar isso a Francisco em um discurso claro e contundente. “A Irlanda do século XXI é um lugar muito diferente e cada vez mais diverso. Há cada vez mais gente que adere a diferentes fés, ou que se sente à vontade em religiões não organizadas. Votamos em nosso parlamento um referendo para modernizar nossas leis, entendendo que os casamentos nem sempre funcionam, que as mulheres têm de tomar suas próprias decisões, e que as famílias têm diferentes formas, incluindo aquelas encabeçadas por um avô, um pai solteiro, dois pais do mesmo sexo ou divorciados.”

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