_
_
_
_
_

No Peru, venezuelanos encontram precariedade em vez da terra prometida

Segundo a OIM, 85% dos imigrantes trabalham sem contrato. Mais da metade tem formação universitária ou técnica

O músico Andrés Ruiz e o advogado Darwin Gavidia tocam em Lima.
O músico Andrés Ruiz e o advogado Darwin Gavidia tocam em Lima.Miguel Mejía
Mais informações
“Minha barraca foi queimada. Perdi roupas e remédio”, diz venezuelana em Boa Vista
A corrida contra o relógio dos venezuelanos para cruzar a fronteira antes que peçam o passaporte

Andrés Ruiz, de 31 anos, chegou há uma semana a Lima com um violino como bagagem. Bacharel em Música pelo Conservatório da Universidade dos Andes, em Mérida (Venezuela), era diretor da banda municipal e dava aulas para mais de 100 alunos em uma escola secundária. Agora, com Darwin Guardia, um advogado de 40 anos de sua cidade, ele é um músico de rua.

Como Ruiz, mais de 400.000 venezuelanos chegaram ao Peru fugindo da crise em seu país e atraídos pela oferta de emprego do Governo. Em maio, a Imigração concedeu uma permissão de trabalho extraordinária, gratuita e provisória a todos os imigrantes da Venezuela que deram entrada ao pedido de residência temporária, que, ao mesmo tempo, lhes dá acesso a serviços de saúde e educação.

A medida permite desenvolver "atividades geradoras de renda de maneira subordinada ou independente" por um período de até 60 dias corridos que poderão ser prorrogados automaticamente, de acordo com o documento. Mas a chegada maciça de venezuelanos provocou o colapso no sistema e a demora para obter as licenças é cada vez maior. O Executivo tenta controlar a onda migratória exigindo o passaporte para entrar no país, assim como fez o Equador, o país de trânsito para a entrada no Peru.

"A viagem pelo Equador durou sete dias, dormimos no chão, com nossas malas. Passei pela fronteira em Rumichaca nos dias em que a fila era de 5.000 a 7.000 pessoas do lado equatoriano", lembra Ruiz. O dinheiro de seus dois empregos deixou de ser suficiente para sustentar a filha de três anos e seus pais, e ele partiu para fazer a vida no Peru.

Este músico vive em um colchonete em um quarto que divide com outros venezuelanos. Todos os dias vai trabalhar em uma rua no centro têxtil de Gamarra, onde os varejistas vendem roupas fabricadas a preços baixos, em uma das áreas aonde se dirige a maioria dos imigrantes. Em galerias comerciais é comum os atendentes serem venezuelanos e, nas ruas, jovens de mesma nacionalidade vendem café, artigos para animais domésticos e alimentos, e anunciam ofertas das lojas.

Segundo uma pesquisa da Organização Internacional para as Migrações (OIM), 34% dos venezuelanos recebem o salário mínimo ou menos, 85% trabalham sem contrato e 65% têm algum nível de ensino superior. A maioria dos profissionais venezuelanos que chega ao Peru vive alguns dias ou meses desempregada, prepara e vende arepas e café, ou atua em trabalhos como taxista ou vigia.

Yannely García, de 21 anos, havia concluído o curso de Contabilidade na Universidade dos Andes e faltava um semestre para terminar o de Educação. Ela viajou por seis dias de San Cristóbal (Táchira) para Tumbes, no Peru, e agora trabalha como vendedora em uma loja de roupas para bebês, também em Gamarra.

"Somos cinco irmãos, viajei para ajudar minha família porque estava gastando muito nos estudos: as fotocópias, por exemplo, eram muito caras. Estou no Peru há três meses e no primeiro mês e meio a única coisa que consegui foi fazer faxina em apartamentos. Era cansativo", diz. "Com três meses de trabalho falta pouco para pagar a dívida de 450 dólares que fiz para a viagem ao Peru", afirma, acrescentando que o restante do dinheiro é gasto no pagamento de aluguel, água, internet e transporte. "Exigem muito no trabalho, mesmo que a gente dê o máximo", diz a jovem.

Valentín Duarte, de 22 anos, trabalha na galeria Santa Lucía, em Gamarra. Formou-se como técnico sênior em Propaganda e Marketing há três anos em Maturín, capital do Estado de Monagas. Mora no Peru há um ano e, depois de três outros empregos, agora é vendedor em uma loja de ternos. "Nunca tinha vendido na rua: comecei a vender sucos (frutas), depois dobrei roupas numa loja, e consegui um serviço de escriturário com um advogado, mas as pessoas que têm mais dinheiro se aproveitam, e ele não quis me pagar, por isso tive que deixar esse emprego. Talvez minha formação me ajude a não sentir vergonha com o público", explica.

Valentín Duarte, publicista que trabalha vendendo trajes em Lima.
Valentín Duarte, publicista que trabalha vendendo trajes em Lima.Miguel Mejía

Precariedade no trabalho e xenofobia

Nas últimas três semanas os venezuelanos vêm enfrentando o pior ataque xenófobo desde o início do êxodo. O racismo entrou na campanha eleitoral para prefeito de Lima. "Os venezuelanos vão decidir o futuro do Peru nas próximas eleições porque teremos um milhão de venezuelanos tirando empregos de outros peruanos", é a mensagem de um dos candidatos. No entanto, a entidade responsável pela organização das eleições informou que apenas 26 venezuelanos votarão nas eleições municipais de outubro.

"O venezuelano tende a ser explosivo e o peruano, estrondoso. Não se deve entrar em provocações. Tive excelentes empregadores, com exceção do que mencionei: quem sabe trabalhar com boas intenções se sai bem", argumenta Valentín Duarte. "O Estado tem que criar uma política de migração que não temos", reconheceu o ministro do Trabalho do Peru, Christian Sánchez.

Uma jornalista venezuelana que trabalha em uma loja de roupas em Gamarra, e que preferiu não dar seu nome, afirma que os trabalhos que consegue só lhe garantem a sobrevivência: “Irei embora do Peru, não é como tinha imaginado”.

Mais informações

Arquivado Em

_
_