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O sexo entre espécies e os segredos de Denny, a primeira híbrida

Sapiens, neandertais e denisovanos copulavam entre si e é provável que tivessem filhos com características peculiares

Uma mulher observa uma reprodução de um neandertal em uma exposição sobre essa espécie em Londres.
Uma mulher observa uma reprodução de um neandertal em uma exposição sobre essa espécie em Londres.Will Oliver (Pa images via Getty)
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Os humanos têm uma sensibilidade especial para se distinguir uns dos outros. O neurologista argentino Facundo Manes conta como comprovou esta tendência em um experimento com chilenos mapuches e não mapuches. “Colocamos eletrodos neles e lhes mostramos fotos de ambos os grupos sociais. Em questão de milésimos de segundos o cérebro se dá conta se as pessoas da foto pertencem a sua etnia ou não, e se pertencem a foto é associada com algo positivo, do contrário, com algo negativo”, explica.

As pequenas diferenças entre os indivíduos de nossa espécie têm servido para negar a humanidade a grupos quase idênticos em um grande número de ocasiões. Não é difícil imaginar o receio mútuo que devem ter sentido as populações humanas há mais de 30.000 anos quando os sapiens ainda tinham de compartilhar a Terra. “Os denisovanos e os neandertais eram bastante diferentes geneticamente. Como comparação, um denisovano e um neandertal eram mais diferentes entre si do que duas pessoas quaisquer dos dias de hoje, não importa de onde sejam”, explica Vivian Slon.

O sequenciamento do genoma de espécies extintas mostrou que alguns de seus membros superaram esse receio inicial, copularam e tiveram descendência. Na atualidade, todas as populações humanas, salvo os subsaarianos, têm pelo menos 2% de DNA neandertal, e os estudiosos do material genético antigo observaram que, apesar do escasso número de indivíduos do período Pleistoceno cujo genoma foi sequenciado, os vestígios de cruzamentos entre diferentes espécies aparecem nas análises com uma frequência inesperada.

Os híbridos não são uma mescla das espécies de seus pais, mas costumam apresentar novas formas e tamanhos

Há três anos, uma equipe do Instituto de Antropologia Evolutiva de Leipzig (Alemanha), liderada por Svante Pääbo, o pai da revolução do DNA antigo, sequenciou o genoma de um humano moderno encontrado na Romênia. Só era preciso voltar quatro gerações para encontrar um ancestral neandertal na árvore genealógica daquele homem. O achado parecia improvável, mas esta semana foi anunciada uma descoberta que até agora vinha sendo considerada impossível. Slon, Pääbo e vários outros membros do dream team da paleogenética de Leipzig encontraram o primeiro caso de descendência direta entre dois grupos humanos distintos. Denny, como chamaram a jovem de 13 anos achada na caverna siberiana de Denisova, tinha uma mãe neandertal e um pai denisovano.

“Esses estudos nos dizem que a mistura entre esses grupos seria frequente quando se encontravam, embora não se encontrassem muito porque eram pequenos e estavam separados por grandes distâncias”, afirma Sergi Castellano, um pesquisador do University College, de Londres, que quando trabalhava em Leipzig demonstrou que neandertais e humanos procriaram durante dezenas de milhares de anos. Mais difícil de saber a partir das análises genéticas é a natureza daqueles encontros, se se tratava de um sexo mais ou menos consentido, se depois Denny foi criada também pelo pai ou se a tribo a aceitou como uma a mais.

A adolescente de Denisova foi um pequeno milagre. As espécies de seus pais tinham começado a se separar havia 390.000 anos e desde então sua compatibilidade reprodutiva não parava de cair. Este fenômeno foi observado nos cruzamentos entre neandertais e sapiens. “Existem alguns estudos genéticos que indicam que a mescla afetou negativamente a fertilidade neandertal. As mães sapiens que engendravam fetos masculinos tinham desenvolvido um tipo de histocompatibilidade para o cromossoma Y do neandertal que, em muitos casos, acabaria resultando em abortos naturais”, acrescenta María Martinón-Torres, diretora do Centro Nacional de Pesquisa sobre a Evolução Humana (CENIEH), em Burgos, na Espanha.

É possível também que seu caráter mestiço complicasse sua vida. “Existem estudos, como os de Rebecca Ackerman, sobre híbridos de primeira e segunda geração de macacos babuínos que demonstram que nos híbridos ocorre um número muito elevado de anomalias pouco frequentes nas populações originais, e que são sem dúvida reflexo de alterações do desenvolvimento”, afirma Martinón-Torres. “Nestes híbridos há um número significativamente maior de patologias dentárias bilaterais e assimetrias cranianas, por exemplo. Além disso, os híbridos costumam ser muito maiores ou muito menores que as espécies parentais, o que é evidência de uma modificação dos processos de desenvolvimento normais”, continua, “Podemos dizer que, embora a peça se encaixe, o encaixe não é biologicamente perfeito”, conclui.

Os dentes dos humanos encontrados em Denisova são gigantes se comparados com os dos neandertais

A diretora do CENIEH observa também outro mistério em torno daqueles humanos com pais de espécies diferentes. “Sabemos pouco sobre como reconhecer um híbrido no registro fóssil. Temos sempre a ideia de que tem de ter um pouco de seu pai e de sua mãe ou uma morfologia intermediária de ambos. No entanto, esses estudos sobre híbridos de babuínos feitos por Ackerman indicam que muitas vezes não se parecem nem com o pai nem com a mãe, mas que ocorrem novidades morfológicas.” A própria Martinõn-Torres, em um artigo publicado na Current Anthropology que aborda a questão dos denisovanos como híbridos, propôs que na busca de mais indivíduos dessa espécie haja a identificação de anomalias, como mudanças de tamanho significativas, assimetrias ou patologias dentárias. Neste sentido, recorda que, na comparação com os dos neandertais, “os dentes achados em Denisova são gigantes”.

É muito provável que Denny fosse uma menina especial para seu grupo, mas dela só se conserva um pequeno fragmento de osso e seu genoma não nos diz se era maior ou menor que um neandertal ou um denisovano normal, ou se tinha um crânio assimétrico. Para completar essas lacunas do quebra-cabeças, os caçadores de denisovanos estão há anos varrendo amplas regiões da Ásia em busca de novas jazidas nas quais se possa começar a reconstruir esta espécie que só conhecemos pelo DNA. Quando forem encontradas, a experiência diz que também serão achados os rastros do sexo entre espécies e será possível saber mais sobre como se relacionavam entre si e até procurar reconstruir como foi o final do restante de espécies humanas com as quais já não podemos copular.

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