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Análise
Exposição educativa de ideias, suposições ou hipóteses, baseada em fatos comprovados (que não precisam ser estritamente atualidades) referidos no texto. Se excluem os juízos de valor e o texto se aproxima a um artigo de opinião, sem julgar ou fazer previsões, simplesmente formulando hipóteses, dando explicações justificadas e reunindo vários dados

Novidades à vista ou um novo confronto entre PT e PSDB?

Há uma forte indignação com os grandes partidos e demanda por renovação, mas a oferta de candidaturas e os recursos de que disporão os candidatos não favorece a ruptura com a política tradicional

Montagem dos candidatos durante o último debate.
Montagem dos candidatos durante o último debate.PAULO WHITAKER (REUTERS)

Em eleições presidenciais há certos temas que são objeto de controvérsia e dividem o eleitorado, entre eles a maior ou menor intervenção do Estado na economia e o combate à criminalidade com políticas sociais ou com aumento da repressão, por exemplo. Quando os eleitores os analisam, tendem a votar em quem tem propostas mais próximas de suas opiniões. Mas há outros temas em que a quase totalidade dos cidadãos tem as mesmas preferências: maior crescimento da economia (e da renda), baixas taxas de desemprego, inflação e corrupção. Nesses casos, o eleitor escolhe o candidato ou partido que ele avalia que, caso eleito, conseguirá se aproximar mais desses resultados. Para esse julgamento, avaliar o desempenho passado de governos e candidatos é uma informação mais segura do que as promessas feitas durante a eleição. Os votantes avaliam características como experiência e competência administrativa, honestidade (não roubar) e sinceridade (cumprir as promessas de campanha) e isso se torna muito importante em sua decisão de voto.

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É preciso levar em consideração, entretanto, que as escolhas dos eleitores são feitas sob restrições e considerando o contexto político em que se dá a disputa. Temos que escolher entre os candidatos ofertados pelos partidos e coligações. Além disso, em certos contextos determinadas características dos candidatos podem ser mais valorizadas do que em outros.

O período entre 1994 e 2014  foi um dos mais estáveis na história econômica e política do país (embora operassem, pelo menos em parte desse período, mecanismos de corrupção cuja extensão era inimaginável então). Nas seis eleições presidenciais ocorridas nestes 20 anos, PT e PSDB, partidos com projetos políticos mais bem estruturados, conseguiram montar coligações —a partir de negociações que envolveram também as eleições para os Governos estaduais e para o Legislativo— o que dificultou aos demais partidos lançarem candidatos competitivos. Em todas essas seis eleições a disputa se deu entre os nomes destas duas siglas; em algumas, um(a) terceiro(a) candidato(a) teve algum peso, mas não chegou ao segundo turno. A avaliação de desempenho de Governos foi central na escolha de um destes partidos, em cada uma dessas eleições. E um elemento dos mais relevantes na avaliação de governos tem sido o desempenho da economia. Candidatos que representam a continuidade de um Governo sob o qual a economia foi mal têm pouca chance de ser eleitos. De outro lado, o peso da avaliação relativa à corrupção não parece ter sido muito relevante nas eleições presidenciais anteriores.

Aquela estabilidade, porém, ficou para trás após o terremoto político dos últimos anos. As acusações de corrupção em relação aos governos petistas, a grave crise econômica legada pelo governo Dilma e a paralisia decisória ao longo do primeiro ano do seu segundo mandato levaram a um processo de polarização política e ao impeachment da ex-mandatária. Os desdobramentos da Lava Jato e de outras denúncias de corrupção atingiram os principais partidos brasileiros, especialmente PT, MDB, PSDB e PP; as graves denúncias que pesam sobre o presidente Temer e alguns dos principais integrantes de seu Governo; a percepção de falta de legitimidade de seu Governo por parcela significativa da população; e o fato de que a recuperação da economia não tenha se dado no ritmo esperado: tudo isso contribui para que a mais grave crise no período pós-redemocratização ainda perdure, ainda que menos intensa do que dois ou três anos atrás.

Considerando essa enorme mudança no cenário político, quais as principais mudanças podemos esperar nos fatores que influenciarão a decisão de voto na eleição presidencial de 2018, comparativamente às eleições anteriores?

Em primeiro lugar, esta vai ser uma eleição peculiar em relação a como a avaliação da economia impactará a escolha dos eleitores. Enquanto nas eleições presidenciais entre 1989 e 2014 havia razoável clareza quanto a quem atribuir o (bom ou mau) desempenho da economia, na atual eleição haverá uma disputa para jogar no colo do adversário a responsabilidade pela crise. Enquanto MDB e PSDB dirão que a crise foi produzida pelos governos petistas, especialmente o de Dilma Rousseff, o PT tentará convencer o eleitorado que a a situação poderia ter sido revertida por Dilma e que o Governo Temer e seus aliados são os responsáveis pela situação atual. Outros candidatos afirmarão que a responsabilidade é tanto dos governos petistas quanto dos partidos que sustentam o governo Temer. A campanha eleitoral pode influenciar parte do eleitorado a aderir a uma ou outra dessas interpretações.

Outro elemento importante é que, nesta eleição, dadas as dimensões que o fenômeno da corrupção assumiu, parece provável que essa passe a ser uma variável mais importante no processo de decisão de voto do que tem sido até aqui. De toda maneira, a real dimensão e a forma como vai se dar essa influência não são tão óbvias. Parte dos eleitores percebe diferenças entre os candidatos e pode votar em algum que julgue não estar envolvido em corrupção. Uma percepção de que a corrupção é generalizada, porém, pode levar a outros comportamentos dos eleitores: não ir votar, votar em branco ou anular o voto, ou escolher candidatos a partir de outros quesitos, já que a corrupção não serviria para diferenciar os candidatos.

Dada a enorme insatisfação de grande parte do eleitorado com os principais partidos e com as lideranças tradicionais, havia uma expectativa de que fossem lançadas candidaturas competitivas de outsiders com um perfil mais ético. A dinâmica do sistema político, porém, não favorece as chances de candidatos com esse perfil. Depois de alguns ensaios (Luciano Huck e Joaquim Barbosa, para ficar nos mais notórios), ao final poucos serão os candidatos que podem ser considerados como novidade nessas eleições. Pesquisas realizadas pelo instituto Ipsos indicam que entre dezembro de 2017 e a primeira quinzena de julho deste ano a preferência por “um nome novo na política” caiu de 52% para 44% do eleitorado, enquanto a busca por “alguém que é político há muitos anos” subiu de 39% para 50%. Da mesma forma, entre um presidente “experiente” ou um “íntegro e ético”, a opção pela experiência subiu de 31% para 41%, enquanto houve queda de 65% para 56% no quesito integridade, naquele mesmo período. Essa tendência pode indicar que está ocorrendo uma adaptação dos eleitores à medida que percebem a escassa oferta de novidades.

O cenário de um novo confronto entre PT e PSDB passa a ter probabilidade maior do que imaginávamos algum tempo atrás, especialmente quando consideramos o papel das coligações e das campanhas eleitorais. Na avaliação que eleitores fazem de governos, partidos e candidatos, as campanhas têm muita importância, já que boa parte do eleitorado tem pouca informação e é nnelas que vai prestar mais atenção para tomar sua decisão de voto. Assim, quem tem mais recursos —especialmente dinheiro e tempo no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE), mas também apoios políticos nos Estados —pode ter mais chance de convencer o eleitorado, especialmente os eleitores indecisos ou cuja opção hoje ainda não é sólida. Com exceção de Alckmin, Haddad (provável candidato efetivo do PT) e Meirelles —justamente os candidatos apoiados pelos partidos mais envolvidos nos escândalos de corrupção—, os demais candidatos terão pouco tempo de HGPE e relativamente pouco dinheiro do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

De outro lado, porém, o fato de que nos cenários sem Lula como candidato os três primeiros colocados nas pesquisas eleitorais sejam Bolsonaro, Marina e Ciro indica a vontade de parcela significativa do eleitorado, pelo menos até aqui, de escolher um candidato não vinculado aos partidos mais atingidos pelas denúncias de corrupção.

Neste encontro entre as preferências dos eleitores, a oferta de candidaturas e a dinâmica futura das campanhas, persistem várias incógnitas importantes, entre as quais: o quanto as mídias sociais pesarão nesta eleição, já que disso depende a capacidade de candidatos com pouco tempo de HGPE (como Bolsonaro, Marina e Ciro)? Em que medida Lula conseguirá transferir votos para Haddad, estando preso e considerando que na campanha as denúncias de corrupção nos governos petistas serão pesadas e que seus dois postes foram rejeitados pelo eleitorado recentemente (Dilma saiu com baixíssima popularidade e Haddad foi derrotado em 1º turno, em 2016)? Algum candidato mais ao centro (centro-direita ou centro-esquerda) conseguirá crescer, evitando uma dinâmica de polarização entre o candidato petista e Bolsonaro (até aqui o campeão do antipetismo)? Que peso terão as denúncias envolvendo o PSDB sobre o voto em Alckmin e em que medida o candidato conseguirá convencer os eleitores de que está dissociado do governo Temer? Candidatos como Bolsonaro e Ciro resistirão a seus próprias comportamentos e declarações ao longo da campanha? Das respostas a essas questões dependerá, em boa medida, o resultado do primeiro turno da eleição.

Yan de Souza Carreirão é cientista político, professor do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina

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