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Programa de Marina avança em direitos LGBT, mas ativistas cobram propostas concretas

Presidenciável pela Rede divulgou nesta terça suas diretrizes de Governo e tenta superar polêmica que marcou sua campanha em 2014

Marina Silva, candidata pela Rede à presidência da República.
Marina Silva, candidata pela Rede à presidência da República.Nelson Almeida (AFP)
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"Liberal na economia e progressista no social". Assim as manchetes dos jornais definiram, em agosto de 2014, a primeira versão do programa de Governo da então candidata pelo PSB à presidência da República, Marina Silva. A agenda progressista daquele texto, principalmente em relação aos direitos dos homossexuais, arrancou elogios de entidades que defendem a comunidade LGBT e até mesmo de políticos que não a apoiavam no pleito, como o deputado Jean Wyllys (PSOL). Foi uma euforia que durou pouco: pressionada por líderes conservadores, ela, que é evangélica, divulgou em seguida uma versão corrigida de seu plano, no qual não constava mais o apoio ao casamento igualitário nem à criminalização da homofobia. De campeã da comunidade LGBT, Marina passou em menos de 24 horas a ser atacada como uma candidata contraditória e vulnerável a pressões de grupos religiosos.

Quatro anos depois, agora na Rede Sustentabilidade, Marina Silva modulou seu discurso e fez acenos, nas diretrizes do seu atual programa de Governo, à população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros no Brasil. Ativistas e lideranças de associações que defendem os direitos LGBT ouvidos pelo EL PAÍS consideram que os itens elencados pela ex-ministra do Meio Ambiente neste ano representam um avanço em relação à polêmica de 2014 e, principalmente, em comparação a declarações que ela fez em 2010, quando disputou sua primeira corrida presidencial. Entretanto, eles afirmam que as propostas de Marina ainda são vagas e que falta o comprometimento com projetos concretos.

"Se for comparado ao [programa] anterior, pelo fato daquele ter sido sustado, é um avanço no que concerne Marina Silva", afirma Symmy Larrat, presidenta da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT). "Eu acho que é um programa interessante, mas não é profundo", complementa Marcelo Cerqueira, presidente do Grupo Gay da Bahia. A campanha da ex-ministra afirma que os pontos apresentados na noite desta terça-feira serão detalhados ao longo das próximas semanas.

Nas atuais diretrizes, as pautas caras ao movimento LGBT recebem maior atenção no apartado Direitos humanos e cidadania plena. Nele, a ex-ministra promete, se eleita, "garantir o respeito e o exercício pleno da cidadania por LGBTIs" e a criar "políticas de prevenção e combate a todas as formas de violência e discriminação". Além do mais, Marina coloca como prioridade as "ações específicas para frear o alto índice de homicídios e violência física contra LGBTIs". Afirma ainda que levará em consideração as sugestões do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos LGBT, lançado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos em 2009. Por último, defende que sejam garantidos em lei os efeitos da decisão judicial que regulamentou o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo; e que haja tratamento igual no processo de adoção aos casais, sejam eles hétero ou homoafetivos. 

Apesar dos pontos positivos, Marcelo Cerqueira, do Grupo Gay da Bahia, classificou as diretrizes de "superficiais". "Faltou falar do combate à LGBTfobia e aos crimes de ódio. É importante que ela fale sobre a criminalização da LFBGTfobia", afirma. Outro ponto levantado por Cerqueira é a ausência no texto da expressão "identidade de gênero". "Existem mais de 40 identidades de gênero e o sexo biológico não é determinante", diz. A cruzada contra a identidade de gênero tem sido uma das principais ações das bancadas conservadoras nos legislativos do país —nos últimos anos, elas conseguiram excluir o termo dos planos de educação sob o argumento de querer evitar o que chamam de "ideologia de gênero", que pressupõe que cada indivíduo tem o direito de escolher o próprio gênero, sem ser definido, necessariamente, pelo sexo biológico.

Trecho das diretrizes que trata dos direitos LGBT.
Trecho das diretrizes que trata dos direitos LGBT.

Symmy Larrat, da ABGLT, vai na mesma linha. "A Marina não cita gênero nem identidade de gênero. Quando ela fala que é preciso combater o bullying por orientação sexual ela está falando de uma categoria, não está falando de todos os LGBTs", diz, destacando que opina em caráter pessoal por ainda não ter discutido a redação com o restante da diretoria da associação. "Sinto falta de propostas mais nítidas e de um debate que vá além da seara da violência. A gente não enfrenta só a violência. Nós também estamos excluídos do processo de cidadania", conclui.

Histórico

Posicionar-se em relação a temas polêmicos —como o casamento gay e o aborto— sempre representou um incômodo para Marina Silva, desde que disputou pela primeira vez uma eleição presidencial. Em 2010, por exemplo, ela se declarou contrária ao casamento entre pessoas do mesmo sexo devido a suas convicções religiosas. O desconforto é impulsionado pelo próprio perfil dos seus seguidores mais próximos —muitos dos membros da Rede, partido que Marina criou em 2015, são progressistas nos costumes.  

O tom adotado por Marina para se defender das críticas de que sua fé evangélica poderia interferir em seu governo tem sido o da defesa do Estado laico, algo que ela vem reafirmando nas suas declarações. Recentes decisões da Justiça também têm ajudado Marina a suavizar seu discurso. Por exemplo: a norma do Conselho Nacional de Justiça que impede os cartórios de se recusarem a converter uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo em casamento civil abriu uma brecha para que a ex-ministra trate do tema defendendo o respeito a uma determinação judicial, sem abordar diretamente do assunto.

“Quero parabenizar a Marina. Espero que desta vez ela não volte atrás”

Deputado federal mais engajado na defesa dos direitos LGBT no Congresso, Jean Wyllys (PSOL) afirma que, embora faltem propostas, as diretrizes lançadas por Marina significam "um avanço importante". "Espero que desta vez ela não volte atrás e tenhamos uma campanha presidencial com mais candidaturas defendendo os direitos civis e as liberdades individuais", afirma.

Pergunta. Como avalia as propostas da candidata Marina Silva em relação aos direitos da comunidade LGBT?

Resposta. Acho muito importante que ela tenha incluído essas propostas e, como fiz em 2014, quero parabenizá-la. Espero que desta vez ela não volte atrás e tenhamos uma campanha presidencial com mais candidaturas defendendo os direitos civis e as liberdades individuais e enfrentando o preconceito e os discursos de ódio que tanta violência e tanto sofrimento têm provocado no país.

P. Considera que há propostas concretas ou o programa faz apenas referências genéricas?

R. Há propostas concretas, embora faltem outras. O reconhecimento da decisão do Conselho Nacional da Justiça sobre o casamento civil igualitário e o compromisso de apoiar a inclusão desse direito na lei é uma sinalização muito importante. Também o capítulo sobre o combate ao bullying homofóbico nas escolas, embora a referência seja um pouco genérica, e o reconhecimento da igualdade plena para todas as famílias em relação à adoção e crianças. Faltam coisas, mas o avanço é positivo.

P. Em 2014, Marina Silva foi criticada por movimentos que defendem os direitos LGBT porque, depois de apresentar um programa de governo que propunha o casamento igualitário e a criminalização da homofobia, recuou nesses dois pontos. Você considera que há avanços nas atuais diretrizes em comparação às propostas da ex-ministra de quatro anos atrás?

R. Na verdade foram mais recuos. Quase tudo o que era concreto e importante foi retirado daquele programa pela candidata depois de receber pressões dos fundamentalistas. Na época, quando Marina apresentou o programa com aquele capítulo sobre direitos LGBT, eu fui o primeiro adversário a elogiá-la publicamente. Algumas pessoas do meu próprio partido não gostaram. Mas eu achava justo fazer um reconhecimento, porque o programa era muito bom. Eu acho fundamental que as questões de direitos humanos e liberdades individuais fiquem acima de qualquer disputa partidista. Temas como o casamento civil igualitário, a lei de identidade de gênero ou o combate ao bullying nas escolas deveriam ser consensuais, como o combate ao racismo ou os direitos da mulher. Infelizmente, ainda não são. Por isso, quando uma candidatura incorpora esses temas ao programa, deve ser reconhecida, porque está contribuindo ao avanço civilizatório. Eu elogiei muito a Marina por isso e, depois, quando ela retirou todos esses pontos do programa, fiquei indignado e também a critiquei muito duramente.

P. Há alguma proposta importante para o coletivo LGBT que não está contemplada nas atuais diretrizes do programa da Marina e que você acredite que deveria estar no texto?

R. Faltam muitas coisas importantes, como a aprovação da lei de identidade de gênero, que garante o direito das pessoas trans a terem seus nomes reconhecidos nos documentos e a autonomia para decidir sobre seus corpos. Falta uma proposta mais detalhada sobre a educação para o respeito à diversidade, que é fundamental para que as próximas gerações não sofram os preconceitos e a violência que nós sofremos. Marina poderia ter se posicionado claramente contra a farsa do projeto autoritário "Escola sem partido". Faltam propostas para prevenir os crimes de ódio e a violência contra a população LGBT. Eu poderia enumerar muitas outras questões. O programa do Guilherme Boulos [candidato à presidência pelo PSOL, mesmo partido de Wyllys] é muito mais completo e detalhado, mas eu reconheço no programa de Marina um avanço importante.

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