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A frase sobre os “fascistas do futuro” que José Saramago nunca disse

Fundação José Saramago desmente a autoria de frase atribuída ao autor que circula na internet no Brasil e na Espanha

José Saramago, em Barcelona, durante a apresentação de sua novela 'Ensaio sobre a lucidez', em 2004
José Saramago, em Barcelona, durante a apresentação de sua novela 'Ensaio sobre a lucidez', em 2004Consuelo Bautista
Pablo Cantó

O escritor português José Saramago morreu em 18 de junho de 2010, mas um texto atribuído a ele só apareceu este ano, nas redes sociais. “Os fascistas do futuro não vão ter aquele estereótipo de Hitler ou Mussolini. Não vão ter aquele jeito de militar durão. Vão ser homens falando tudo aquilo que a maioria quer ouvir. Sobre bondade, família, bons costumes, religião e ética. Nessa hora vai surgir o novo demônio, e tão poucos vão perceber a história se repetindo”, diz. Não que a frase pertença a uma obra póstuma, motivo pelo qual só teria aparecido agora; ela é falsa. Saramago nunca disse nem escreveu essas palavras.

Ainda assim, a citação é reproduzida há meses na Internet, tanto no Brasil como em países como a Espanha. Mas a Fundação José Saramago confirmou ao EL PAÍS que “essa frase nunca foi dita ou escrita por José Saramago”. Nesse caso, a falsa citação tem uma vida muito curta: não há referências no Google anteriores a abril de 2018. As menções mais antigas à frase no buscador são dois tuítes publicados em 5 e 6 de abril pelo senador Lindbergh Farias (PT) e pelo jornalista Chico Pinheiro, respectivamente. O segundo, que contava com mais de 4.000 retuítes, foi eliminado pelo autor após a Fundação José Saramago ter advertido que era uma citação falsa.

Essa frase tem o mesmo poder que uma das menções mais famosas (e compartilhadas) do mundo: “Os fascistas do futuro se chamarão a si mesmos antifascistas”, atribuída falsamente a Winston Churchill. Ano passado, a política espanhola Cristina Cifuentes, do conservador Partido Popular, a dedicou ao Podemos.

As citações falsas são um tipo de fake news amplamente difundido na Internet. Muitas delas estão já tão arraigadas que são consideradas certas para a maioria, embora não sejam. No Brasil, não são poucos os textos ou frases falsamente atribuídos a personalidades como Clarice Lispector e Arnaldo Jabor. Outro dos exemplos mais famosos é o lema “parem o mundo que eu quero descer”, atribuído ao cartunista argentino Quino. Centenas de quadrinhos manipulados e artigos de jornais afirmam que essa frase aparece numa tirinha da Mafalda, personagem de Quino, embora ele mesmo tenha desmentido isso em mais de uma ocasião

Há, de fato, outro texto muito difundido nas redes e atribuído a Saramago que também é falso, segundo a Fundação Saramago: sua “definição de filho”.

Algumas dicas nos ajudam a reconhecer citações falsas na internet antes de compartilhá-las. Por exemplo, elas costumam fazer referência a personagens falecidos – a quem, naturalmente, não podemos perguntar sobre sua veracidade. Também existem sites especializados em detectar esse tipo de frase, como o Quote Investigator, com mais de 900 artigos publicados.

Por último, lembre-se de que uma frase não se transforma em verdadeira só por estar acompanhada da foto em branco e preto do suposto autor. E se ela fala de “fascistas do futuro”, menos ainda.

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