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Debate da Band: “Bolsonaro mostrou-se equilibrado, e Alckmin, o candidato do establishment”

Para Eduardo Grin, professor da FGV, debate de presidenciáveis nesta quinta foi treino inicial da campanha, em que candidatos conheceram as estratégias de seus oponentes

Carla Jiménez

O primeiro debate entre os candidatos a presidente nas eleições de 2018 pode ser analisado à luz de uma metáfora do futebol, segundo o professor da FGV Eduardo Grin, doutor em Administração Pública e Governo. “Os times estão se conhecendo para saber como melhor atacar o adversário”, explica ele. Nessa busca por conhecer seus oponentes, os presidenciáveis acabaram promovendo um debate comportado, muito embora tenha revelado a mudança de tática de alguns nomes. “Jair Bolsonaro moderou seu discurso visando mostrar-se com uma imagem mais ponderada”, diz ele. Em geral, todos conseguiram marcar algum ponto no debate, que deve cobrar do PT uma postura mais firme sobre a candidatura. Grin acompanhou em tempo real o encontro dos candidatos transmitidos na noite de quinta pela Band, com comentários no site do EL PAÍS Brasil.

Eduardo Grim, professor da FGV
Eduardo Grim, professor da FGVM.Pisani

Pergunta. O debate da Band teve uma audiência significativa, colocando esse formato tão familiar ao brasileiro, no foco das atenções. Qual pode ser o peso de um debate como o de ontem para o eleitor tirar suas conclusões sobre os candidatos?

Resposta. Os debates costumam balizar voto de eleitores indecisos e mais habituados a acompanhar política. Não é um canal de informação de massa, especialmente pelo horário e extensão (três horas). A audiência significativa é positiva, pois indica que o eleitor está interessado na campanha. Contudo, em sendo o primeiro debate e por não ter evidenciado de forma clara as propostas dos candidatos, ainda é cedo para dizer que ele tenha permitido ao eleitor obter informação sobre os candidatos. Será preciso esperar o início da campanha para que o próximo debate possivelmente já seja uma caixa de ressonância maior sobre o voto do eleitor.

P. O candidato Ciro Gomes falou muito dos devedores no SPC. Esse tipo de apelo tem eco para o eleitor?

R. Sim, deve ter apelo considerando desemprego e o endividamento de milhões de pessoas por meio das mais diversas formas) cartão de crédito, cheque especial etc.). Ele buscou ocupar o espaço deixado pelo PT, mas não polarizou de forma aguda nem com o candidato do PSDB ou mesmo com Henrique Meirelles como representante do partido do presidente Temer. Parece que a campanha ainda precisa encontrar uma linha mais clara e eleger marcas para dialogar com o eleitor. Todavia, o tema do desemprego e da reforma trabalhista dão dicas dessa linha, talvez evidenciando que são questões relevantes para se aproximar do eleitorado do PT como uma alternativa diante da ausência de Lula. Pode também ser uma pista que o PDT já precificou que Alckmin é o candidato que deve crescer junto ao empresariado e que o campo das pautas mais conservadoras como a segurança pública já está ocupado por Bolsonaro.

P. O tucano Geraldo Alckmin usou mensagens para falar com o mercado financeiro, empresários, e passar a tal segurança jurídica que o mundo econômico busca. Até que ponto essa mensagem pode virar votos na corrida eleitoral?

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R. É preciso entender que nem todas as mensagens são direcionadas apenas para o eleitor, mas também para outros públicos relevantes na campanha. Para Alckmin passar a imagem da segurança jurídica busca garantir apoios importantes no establishment político e empresarial. Unificar e fortalecer apoios nesse estrato é estratégico, pois suas conexões sociais e políticas são essenciais para o êxito da campanha. Também, em termos eleitorais essa mensagem dialoga não com a massa do eleitorado, mas com segmentos que têm flertado com a candidatura de Bolsonaro para se mostrar uma opção mais confiável em termos de não criar instabilidade na economia que gere efeitos no emprego, no pequeno negócio etc. Mostrou sua narrativa básica, sabendo que a aliança com o Centrão seria explorada pelos adversários: falou da governabilidade no Congresso para aprovar reformas necessárias para o país, como é o caso da Previdência Social. Ainda que precise chegar ao eleitor mediano com mais clareza, a resposta contra a crítica de ser um candidato que representa a velha política já tem seu norte. Alckmin foi escolhido como alvo central das perguntas mais ácidas como a visão do PSDB sobre o Bolsa Família feita por Henrique Meirelles ou sua visão sobre a reforma trabalhista ao ser questionado por Ciro Gomes.

P. Por que ele foi alvo principal?

R. Natural: ao pouparem Bolsonaro para não lhe dar mais palanque eleitoral, a disputa pelo segundo turno é contra Alckmin. Nas suas respostas, o candidato do PSDB indicou outro ingrediente de seu discurso: representa a mudança com estabilidade e segurança, visando mostrar-se como alternativa ao eleitor que ainda flerta com Bolsonaro. Mais do que isso: visando ser o candidato do establishment político e econômico passa o recado da segurança jurídica e da moderação. Contudo ainda vai precisar dialogar com o eleitor mediano de forma mais clara e empolgada para alavancar sua campanha.

P. O candidato Jair Bolsonaro teve participação diluída em meio a oito candidatos, mas foi a principal busca no Google. O que isso quer dizer? Sua passagem para a TV, num formato mais palatável, pode se reverter em votos?

R. Bolsonaro teve uma boa estratégia: não polarizou, ficou na defensiva e atuou para não ser exposto em suas fragilidades. Ao não polarizar condicionou a dinâmica do debate e desviou essa atuação para os franco-atiradores à esquerda (Guilherme Boulos) e à sua direita (Cabo Daciolo). Sua participação não foi diluída, mas calculada: sair do debate sem perder eleitores e passando a imagem de um candidato equilibrado e com capacidade de responder tecnicamente. Se não reverte em votos, ao menos serviu para reforçar convicções de eleitores e aumentar pontos junto aos indecisos no público evangélico e feminino, por exemplo. Sua estratégia foi bem-sucedida. Dada a expectativa e curiosidade de sua candidatura a busca no Google é compreensível, como já vem ocorrendo. Pode ser por esses aspectos e não pelo “seu programa” de governo que as pessoas comentam e meio por efeito de contágio todos buscam saber algo mais para criticar ou mesmo para confirmar sua opinião.

P. Essa parceria da TV com o Google é uma novidade. Como isso pode ser visto no processo eleitoral?

R. É uma novidade importante que pode indicar uma tendência de mudança da TV como o meio de comunicação ainda predominante para a maioria da população. Eleitoralmente é importante, pois com o acesso mais fácil à internet via celulares, por exemplo, tem-se um recurso de consulta e informação relevante. Essa conexão de mídias deve se intensificar e ampliar a rapidez com a qual o eleitor se informa.

P. Você viu vencedores nesta edição do debate?

R. Do ponto de vista de adotar uma estratégia e ser exitoso, Bolsonaro foi o mais eficaz: o objetivo era não polarizar e ser exposto a fragilidades de sua candidatura. Do ponto de adotar uma narrativa que ainda precisa ser mais bem definida, Alckmin foi bem com o discurso da segurança jurídica, da estabilidade e como candidato das reformas.

P. E o PT, que ficou fora deste palanque eleitoral, não corre o risco de ser apagado da memória do eleitor?

R. Não, porque logo entrará na campanha, tem eleitorado cativo, é organizado nas campanhas, tem o recall de Lula, mesmo com a incógnita da transferência de votos. O PT crescerá na campanha. o que deve ampliar a polarização entre as candidaturas.

P. Mas fará campanha com quem? Com Lula ou com Haddad? Essa demora em dar essa resposta não vai prejudicá-los?

R. Sim possivelmente, essa estratégia do PT deve ser implementada com Haddad, que se não foi por opção deliberada, foi por esgotamento de alternativas – não há outra – e por questão de prazos. Ou seja, daqui a pouco não tem como legalmente registrar candidatura alguma. Mas é claramente uma estratégia de alto risco, pois conta com a premissa de que a transferência de votos do Lula vai acontecer, e para um candidato que não é conhecido nacionalmente, como Haddad. Por outro lado, olhando histórico de eleições, o PT tem um eleitorado cativo que não é pequeno, e continua sendo o partido com maior preferência, com maior estrutura organizacional de movimentos sociais, sindicatos, grande para fazer campanha. Há ingredientes que o tornam bastante competitivo. Teremos de avaliar um pouco, talvez no início de setembro, quando haverá 10 ou 20 dias da eventual indicação, para ver por pesquisa de opinião como ele (Haddad) se comporta.

P. Marina Silva teve boa atuação?

R. No campo das candidaturas de centro-esquerda, ela buscou apresentar-se como o novo que não compactua com a política tradicional em alusão às alianças de Alckmin. Foi previsível nas suas perguntas a Alckmin e pouco convincente nas suas respostas. Na única questão mais incisiva sobre sua posição sobre o aborto ficou em cima do muro ao defender um plebiscito. Essa postura de responder não respondendo já cobrou um preço em suas campanhas anteriores. Mais ainda: com as pesquisas de opinião indicando que o eleitor reduziu suas expectativas com o novo na política e volta a valorizar a experiência, talvez seu discurso contra a velha política possa perder ressonância. Ainda precisará de um eixo mais claro de campanha para dialogar com o cidadão.

P. No geral, os candidatos procuraram realçar uma origem humilde, denunciar corrupção, benesses políticas, e acenar à classe trabalhadora. São estratagemas similares às de campanhas passadas. Não é um discurso velho para um eleitor que está cansado da mesma ladainha?

R. Sim, são similares, mas com duas novidades: um desalento muito maior sobre os partidos e a política, e um enorme desemprego. Então há que se avaliar o quanto essa postura terá apelo eleitoral.

P. Quais estratégias acertadas você vislumbrou dentre os candidatos presentes?

R. Bolsonaro mostrou-se como um candidato ponderado para reverter sua imagem agressiva. Isso pode lhe render pontos junto a eleitores mais conservadores, mas ainda reticentes com a sua retórica. Alckmin com seu discurso para "alinhar a tropa" do establishment político e empresarial foi bem, pois precisa reforçar esse suporte para sua campanha iniciar mais bem organizada, o que ainda é um desafio. À esquerda, Boulos mantém uma postura de crítica ao MDB e PSDB coerente com um eleitorado que não vê o PT como opção.

P. O aceno às mulheres apareceu pontualmente também. Qual apelo deve cativar o público feminino?

R. Eu creio que o apelo ao público feminino não precisa ser necessariamente algo objetivo do tipo valorização da mulher no mercado de trabalho, combater a violência contra a mulher, por exemplo. Essas são agendas que vão seguir ampliando seu apoio na sociedade e com ressonância no Congresso Nacional e STF, para falar de duas arenas, e sobre as quais todas as candidaturas, de uma outra form,a não se oporão. O público feminino precisará ser convencido pela imagem confiável da/o postulante pela respostas que dará a essas questões e outras que afetam a vida, sobretudo das mulheres mais pobres como creches, acesso a saúde, assistência social, pois são essa questões que, em um cenário de desemprego, mais afetam o cotidiano de muitas mulheres que, conforme as pesquisas, representam o público feminino indeciso: negras, de baixa renda, evangélicas e de baixa escolaridade. O diálogo com esse público se dá por meio de "políticas concretas". Quem conseguir traduzir sua mensagem de forma mais fácil amplia a chance de gerar mais confiabilidade.

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