_
_
_
_
_

“Enquanto o México não regulamentar as drogas, será impossível uma pacificação no país”

O novo Governo anunciou sua disposição para legalizar a maconha e o cultivo de papoula. EL PAÍS consulta a opinião de advogados e analistas

David Marcial Pérez
Soldado mexicano queima plantação de maconha.
Soldado mexicano queima plantação de maconha.AP

O novo governo mexicano parece decidido a mexer no vespeiro regulatório das drogas. Em apenas duas semanas desde a vitória esmagadora de Morena, a possível secretária de Governo, Olga Sánchez Cordero, lançou vários dardos no sentido da legalização como ferramenta da nova política de segurança pública. “Tenho carta branca para fazer o que for necessário para pacificar o país”, disse esta semana. O debate está aberto no país mais maltratado pela guerra contra as drogas.

Mais informações
Só o zapatismo resiste a Obrador
Canadá é o primeiro país do G20 a legalizar a maconha para fins recreativos
A inevitável paz entre López Obrador e a elite empresarial mexicana

Já foi descriminalizada no Canadá e em quase a metade dos Estados dos Estados Unidos. O que estamos pensando, nos matando, enquanto toda a América do Norte está descriminalizando, assim como muitos países europeus?”, defendeu Cordeiro na semana passada. O debate no México não é novo. Um ex-presidente, Ernesto Zedillo, foi um dos protagonistas de uma acalorada declaração em favor da legalização no início desta década. Mas foram os quatro gols históricos da Suprema Corte em 2016 que abriram ainda mais as portas. Desde então, o presidente Enrique Peña Nieto encabeçou uma virada, com um projeto de lei para elevar a quantidade mínima que se considera crime e permitir os usos terapêuticos. O Parlamento só validou a legalização com fins medicinais.

“A iniciativa do novo Governo é uma condição necessária, mas não suficiente, para a pacificação do país. Para que a legalização da maconha e da papoula tenham efeitos na pacificação é preciso acompanhar a medida de um fortalecimento das instituições civis que garantam a segurança: desmilitarização, programas sociais para os consumidores, para os camponeses que até agora trabalharam para o crime organizado e que agora passariam a setores legais”, aponta Froylan Enciso, professor pesquisador do Programa de Política de Drogas do CIDE.

Desde que Felipe Calderón colocou o Exército na rua em 2006 para combater o crime organizado o saldo é de mais de 160.000 mortos, dezenas de milhares de desaparecidos e desalojamentos forçados. No ano passado, as taxas de violência estouraram até colocarem o ano 2017 como o mais sangrento desde que se tem registros. “É preciso modificar essa política de drogas que justificou a militarização, a exploração do exército em trabalhos de segurança pública que vão além do marco constitucional.”

A polêmica Lei de Segurança interior, aprovada no fim do ano passado pela maioria priista no parlamento, consolidou o uso do exército em ações policiais. O novo Governo não deixou muito claro se sua intenção é anular ou buscar brechas da lei para interpretá-la em seu favor.

“Não é preciso pensar na política de drogas como panaceia, como bala de prata. A nova legislação deve controlar o consumo, trânsito e produção, mas não se pode encarregá-la da solução da segurança pública”, afirma Aram Barra, ativista de direitos humanos e propositor de um dos históricos projetos diante da Suprema Corte. “Em todo caso”, acrescenta, “sem uma regulamentação das drogas é impossível pensar em uma eventual pacificação do país. É preciso pensar em uma regulamentação responsável que devolva às mãos do Estado a produção para que haja uma separação entre o mercado legal e ilegal, afetando diretamente os recursos do crime organizado. Estima-se que algo entre 20% e 60% das receitas do narcotráfico venham da maconha”.

Segundo dados do departamento especializado do CIDE, entre 2006 e 2012 foram presas no México 156.000 pessoas por consumo de maconha. Seis de cada dez réus presos são encarcerados por crimes contra a saúde, 67% deles por consumo de cannabis. Só na Cidade do México foram presas 3.000 pessoas em 2013 por delitos vinculados a posse ou consumo.

“O México deveria estar liderando esse debate, porque é um dos principais produtores —de papoula e de maconha— e por sua condição de rota física inevitável para o mercado EUA”, defende Gabriel Regino, advogado penal e subsecretário de Segurança durante a época na qual Obrador foi prefeito da Cidade do México, que aponta o cenário geoeconômico como causa dessa lentidão: “Não há nenhuma potência do G8 que produza droga natural. Tudo acontece do Trópico de Câncer para baixo. A negativa vem para impedir que os países produtores alcancem um superávit comercial.”

A Casa Branca já demonstrou sua preocupação com a iniciativa do Governo mexicano. Nos EUA, com a maconha legalizada em 39 estados para fins medicinais e em 9 deles sem restrição, incluída a Califórnia, cujo peso econômico equivale à quinta economia mundial, a regulamentação da cannabis representou um negócio milionário. Para Regino, os EUA estariam “garantindo seu autoconsumo antes que o México entre no negócio legal”. Barra considera, de seu ponto de vista, que a resistência do vizinho do norte se deve mais a uma estratégia de saúde pública. “Os EUA estão há anos terceirizando os custos negativos do problema do consumo no México.”

O México é o segundo maior produtor de maconha e o terceiro de ópio do mundo. No entanto, e apesar da aprovação no ano passado dos usos medicinais da cannabis, os derivados farmacêuticos de ambas as substâncias continuam sendo em sua grande maioria importados. “Ainda não há”, destaca Regino, “uma regulamentação que facilite o comércio e a distribuição. Em relação à papoula, há uma série de países que produzem opiáceos medicinais aos quais a ONU aloca algumas cotas. Nós nos vemos obrigados a importar morfina desses países apesar de que temos todos os meios e recursos.”

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_