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Polarização política nos EUA obriga empresas a tomarem partido

Companhias aéreas, supermercados e empresas de tecnologia intensificam seu ativismo na era Trump

Antonia Laborde
Um avião da American Airlines após decolar do aeroporto La Guardia, Nova York.
Um avião da American Airlines após decolar do aeroporto La Guardia, Nova York.REUTERS

As empresas dos Estados Unidos não oferecem mais apenas um serviço, e sim, também, uma postura frente a temas sociais candentes. A American Airlines pediu ao Governo que não utilizasse seus aviões para transportar crianças imigrantes separadas de seus pais, a consultoria McKinsey & Company anunciou que deixará de trabalhar com a agência de imigração dos EUA, a rede de varejo Walmart aumentou a idade para a compra de armas, e a locadora de veículos Hertz eliminou o desconto dado aos membros da Associação Nacional do Rifle. Assim como elas, dezenas de empresas estão confrontando Donald Trump nos últimos meses. Os especialistas atribuem essa tendência à polarização política no país e à relevância que os millennials dão aos valores da empresa para a qual trabalham, e se os produtos que consomem são coerentes com seus princípios.

A política de “tolerância zero” aplicada às famílias de imigrantes recém-chegados em situação irregular é um dos exemplos mais visíveis do novo rumo ativista que as empresas estão tomando. Quatro companhias aéreas —American Airlines, United Airlines, Frontier Airlines e Southwest Airlines— publicaram comunicados em que solicitavam ao Governo que não utilizasse seus serviços para transportar crianças separadas de seus pais indocumentados. As quatro compartilhavam o discurso de que sua missão era unir seres queridos, e que a medida de Trump entrava em sério conflito com seus valores.

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Antes que o mandatário norte-americano recuasse, os diretores da Apple, do Uber e do Airbnb qualificaram a prática de "desumana" e "imoral". Para algumas empresas tecnológicas, não foi tão fácil. No começo do ano, a Microsoft publicou que estava “orgulhosa de apoiar” através de seus produtos o Serviço de Imigração e Alfândegas dos Estados Unidos (ICE, na sigla em inglês). O gigante tecnológico afirmava que suas ferramentas permitiam “acelerar o reconhecimento facial e a identificação" dos imigrantes. Depois do recrudescimento da vigilância fronteiriça e diante das críticas nas redes sociais, a empresa apagou algumas frases do post e insistiu para que Administração altere sua política. O presidente da companhia, Brad Smith, encerrou o assunto na sexta-feira passada. Retificou o discurso anterior dizendo que seu produto “não é usado em absoluto para o reconhecimento facial”, ao contrário do que dizia o blog em janeiro.

Na semana passada, a destacada consultoria de gestão McKinsey & Company anunciou que deixará de trabalhar para o ICE, atendendo a queixas dos seus funcionários. Na Deloitte, corre um abaixo-assinado pedindo aos executivos que encerrem as consultorias prestadas à agência devido a “objeções morais”. Daniel Korschun, professor associado de marketing da Universidade Drexel e pesquisador do ativismo corporativo, afirma que o desafio para as companhias consiste em buscar um equilíbrio entre os valores que professa e o seu comportamento. “Em uma de minhas pesquisas, aparecia que os consumidores são capazes de abandonar uma companhia se ela não tomar partido, especialmente se ela defende publicamente certos valores. Consideram-na hipócrita se não agir assim”, afirma.

Korschun atribui às redes sociais e aos millennials a crescente pressão sobre as empresas para que se pronunciem, já que para esse público não interessa apenas o produto, mas também as atitudes da companhia. Brayden King, professor associado da Escola de Administração Kellogg, na Universidade Northwestern, considera que o papel dos jovens na tomada de decisões políticas das empresas tem relação com o interesse das corporações em atraí-los como empregadores: “Eles não querem vender coisas em que não acreditam, por isso muitas companhias tomam partido e competem para serem escolhidas como seu local de trabalho”.

Depois do massacre de Parkland, na Flórida, onde um aluno matou 17 pessoas, as redes Walmart, Dick’s Sporting Goods e Kroger elevaram de 18 para 21 anos a idade mínima para comprar uma arma. Empresas como Hertz, MetLife e Best Western suspenderam sua política de descontos para membros da Associação Nacional do Rifle (NRA, na sigla em inglês). A companhia aérea Delta cancelou um desconto de viagem para os filiados à NRA, o que levou legisladores republicanos da Geórgia a retaliarem revogando uma isenção de impostos sobre combustíveis equivalente a 50 milhões de dólares (191,5 milhões de reais). “Quando as companhias tomam partido devem fazê-lo de maneira multidireccional. Não podem pensar somente em seus clientes, também precisam considerar seus investidores e empregadores. Todos são importantes”, diz King. “Os executivos têm que ouvi-los mais”, acrescenta Korschun.

Segundo as pesquisas do professor da Drexel, os clientes preferem que as companhias tomem partido mesmo quando não se alinham com suas posturas. Valorizam a transparência acima da zona cinzenta. “Ainda há uma percepção de que se envolver é negativo. Isto porque o risco é supervalorizado, e deixar de assumi-lo é algo subestimado”, explica. King desconhece essa premissa, e defende que 90% dos clientes não sabem que lado defende a companhia da qual está comprando, e que muitas professam uma coisa e fazem outra. Ele salienta que tudo depende do ramo de atividade da companhia, e cita como exemplo a Patagonia, marca de roupa esportiva sustentável. “É normal que nesse caso os consumidores esperem que a empresa respeite o meio ambiente”.

O veto fronteiriço dos Estados Unidos aos imigrantes de sete países de maioria muçulmana irritou muitas empresas tecnológicas. Google, Facebook, Twitter e Uber expressaram seu descontentamento argumentando que a medida afeta muitos de seus empregados e poderia repercutir negativamente em seus negócios. “O perigo do ativismo corporativo é quando as empresas procuram manipular os clientes. O mesmo vale para os empregados. O chefe não pode obrigar seus trabalhadores a irem a campanhas ou doarem dinheiro para suas causas pessoais”, observa Korschun. King esclarece que não há como saber se estamos sendo manipulados, mas diz que os clientes mais sérios podem fazer a tarefa de revisar o histórico das empresas, ver a quem fizeram doações e quais certificados possuem.

O ativismo corporativo não nasceu com Trump. Nos anos sessenta, o supermercado Woolworth, na Carolina do Norte, tentou proibir a entrada de afro-americanos em suas lojas, quando o movimento dos direitos civis já havia atingido seu ponto de inflexão. A Disney também protagonizou um caso muito divulgado em 1996, quando apoiou os direitos dos homossexuais celebrando o Dia Gay. O que é fato é que há cada vez mais pressão sobre as empresas e, portanto, são cada vez mais as que aderem. “Essa reviravolta é inevitável, as companhias que não estão fazendo isso estão demorando, porque agora é assim que o negócio funciona”, conclui Korschun.

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