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O lobista “mercador da morte” que foi condecorado pelo Exército Brasileiro

Tomas Sarobe Piñero era lobista de empresa espanhola que tinha contrato para desenvolver um simulador no Brasil que causou uma rixa entre oficiais. Sua influência para que o projeto ocorresse é considerada determinante

Tom Sarobe, de gravata vermelha à esquerda, junto com o general Mourão, que segura uma arma.
Tom Sarobe, de gravata vermelha à esquerda, junto com o general Mourão, que segura uma arma.

Em outubro de 2010, o Exército Brasileiro e a empresa espanhola Tecnobit assinavam um contrato para a construção de um Simulador de Apoio de Fogo (SAFO), para projetar cenários e missões virtuais para treinamentos de militares a custos mais enxutos, a um custo de 13,98 milhões de euros (32 milhões de reais, pela cotação da época). Após um processo licitatório considerado suspeito por setores do próprio Exército, segundo denunciou ao EL PAÍS o coronel da reserva Rubens Pierrotti Junior, o que se viu depois foi um desenvolvimento problemático do equipamento marcado por uma série de vaivéns e oito reprovações de etapas — Pierrotti, que foi supervisor operacional do projeto, foi responsável por sete delas. Durante todo esse tempo, o espanhol Tomas Sarobe Piñero, conhecido como Tom Sarobe, foi quase onipresente. Seu papel junto a militares brasileiros antes, durante e depois do desenvolvimento do simulador é apontado por Pierrotti como determinante para que o Exército escolhesse a Tecnobit para desenvolver o simulador.

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Isso porque Tom Sarobe, engenheiro de formação, fazia as vezes de representante comercial da Tencnobit por meio de sua empresa, a Semit Continental. "Ele é um mercador da morte", admitiu o general da reserva Antonio Hamilton Mourão, candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro, a este jornal. "Atua no mercado internacional de produtos de defesa", explicou o oficial da reserva, que também se referiu a ele como "lobista", "relações públicas" e "representante comercial" da Tecnobit. Mourão se aproximou de Sarobe a partir de 2012, quando foi designado para, segundo Pierrotti, "destravar" o andamento do projeto do simulador.

A empresa afirma por sua vez que Sarobe "formava parte de uma agência comercial que deu efetivamente respaldo [ao projeto]". Em fevereiro de 2008, dois anos antes da assinatura do contrato com a Tecnobit, um decreto do Ministério da Defesa concedia a medalha do mérito militar, no grau de cavaleiro, a Sarobe, sem nenhuma justificativa aparente. O EL PAÍS tentou em diversas ocasiões contactar Sarobe, mas não obteve sucesso. Questionado, o Exército tampouco se posicionou sobre ele.

Sarobe é conhecido por seu envolvimento na alta maçonaria espanhola. Teria sido entre os maçons que ele conheceu o general Marco Aurélio Costa Viera, quando o oficial, na época coronel, era adido militar na Espanha, no início dos anos 2000. Conta-se que, nessa "aproximação", Marco Aurélio ficou devendo um favor a Sarobe, depois que o engenheiro espanhol deu suporte para que o militar resolvesse uma questão pessoal. No ano de 2010, quando foi realizada a licitação, Marco Aurélio Costa Viera, já general, era chefe da Diretoria de Educação Superior Militar, subordinada ao Departamento de Educação e Cultura do Exército. Segundo aponta Pierrotti, a ideia de contratar a Tecnobit, representada por Tom Sarobe, para desenvolver o simulador foi de Marco Aurélio.

Ato do poder Executivo de fevereiro de 2008 que condecora diversas personalidades.
Ato do poder Executivo de fevereiro de 2008 que condecora diversas personalidades.

Pierrotti assegura ter repassado na época as informações sobre essa suposta troca de favores entre Sarobe e o general Marco Aurélio ao comando do Exército. O EL PAÍS entrou em contato com o general, que negou qualquer favorecimento à empresa. Assegurou que, na época em que era adido, não teve nenhum tipo de contato pessoal com Tom Sarobe, muito menos no âmbito da maçonaria. "Não sou maçom. Aliás, não gosto de maçom. Acho que é um troço antigo e, para mim, só tem bandido lá dentro".

E o nome do Tomas Sarobe, condecorado no grau de cavaleiro.
E o nome do Tomas Sarobe, condecorado no grau de cavaleiro.

Seja como for, Tom Sarobe já possuía alguma relação com oficiais do Exército brasileiro anos antes da assinatura do contrato com a Tecnobit, já que ele fora condecorado com a medalha da ordem do mérito militar, no grau cavalheiro, em 2008. Sobre esta relação, o próprio general Marco Aurélio explica o que deve ter acontecido. "Existia uma aproximação da Tecnobit em outros campos. Ela já estava aqui [no Brasil] e tinha um representante em São Paulo. E esse pessoal, quando se aproxima muito... O que acontece em coisas de interesse do próprio Exército é que ele costuma condecorar. Essas medalhas são entregues pelo gabinete do comandante", argumenta o general. Ele acrescenta: "Isso deve ter sido uma aproximação que eles fizeram, alguma facilitação que foi feita... O Exército é cioso e não dá medalha para qualquer um, então alguma troca de interesses entre ambas as instituições foi feita. E ele [Tom Sarobe] deve ter sido intermediário, de modo que ganhou medalha por causa disso. Mas outras pessoas, inclusive de empresas, também ganharam medalhas".

Decreto de março de 2013 com os critérios para a concessão da Ordem do Mérito Militar.
Decreto de março de 2013 com os critérios para a concessão da Ordem do Mérito Militar.

Já o general Mourão, que já participou de reuniões da maçonaria no Brasil, e é "amigo" do general Marco Aurélio Vieira, admite que pode ter havido uma aproximação entre os dois devido à maçonaria. "[Marco Aurélio] era adido militar [na Espanha], e com certeza o Tom Sarobe deve ter se aproximado dele dentro desse... O trabalho do adido, uma das funções do adido, é essa diplomacia militar, essa aproximação do Exército ao país no qual ele está instalado". A maçonaria, explica o general, "é uma ordem destinada à melhoria do ser humano, ela tem as suas lojas instaladas em cada um dos países, e eventualmente quando você conhece os maçons, há uma aproximação, mas não é algo que seja fundamental para que se estabeleça uma relação", diz. Foi em uma loja maçônica em Brasília que Mourão defendeu, em setembro do ano passado, que os problemas políticos do país seriam resolvidos com uma intervenção militar.

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