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Copa do Mundo Rússia 2018
Coluna
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Com amor, para Tabárez e Sócrates

Crônica em homenagem a dois gigantes que sabem que a bola rola e é apenas uma desculpa para mudar o mundo e acreditar na vida

Torcedor do Uruguai com máscara do técnico Óscar Tábarez.
Torcedor do Uruguai com máscara do técnico Óscar Tábarez.MURAD SEZER (REUTERS)
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Óscar Tabárez, 71 anos, comandante da seleção que eliminou o Portugal de Cristiano Ronaldo na Copa do Mundo, sempre dividiu os treinamentos da equipe celeste, como acontece agora na Rússia, com uma causa nobre: a educação. Um simples “rachão” ou “pelada” entre os seus boleiros ganha tons de uma aula. Não apenas para o jogo seguinte, mas para a vida. Ah se todos fossem iguais a você, Tabárez, El maestro!

Sempre com o espírito do professor primário, ofício que exerceu por décadas nos arredores de Montevidéu, Tabárez não deixa de dar instruções até hoje a jovens jogadores uruguaios, com visitas a museus, estudos de mapas e visões sobre botânica, entre outros diálogos sobre a existência. O futebol, para o técnico, não é apenas uma questão de força física e esquemas táticos, passa pela ideia de formação das pessoas.

Em entrevista recente ao canal ESPN/Brasil, o ex-zagueiro Lugano, capitão do selecionado uruguaio por muitos anos, soletrou parte da cartilha do mestre: "Antes de ser jogador de seleção do Uruguai, você precisa ser um bom ser humano para jogar com ele. Tabárez só convoca profissionais com valores e éticas. Isso importa mais para ele que ser um grande jogador. Se coincidirem as duas coisas, ótimo, mas essa é a ideia dele. Para estar na seleção, primeiro precisa ter esses dois requisitos: valores e ética. Se o cara é bom ou não vem depois".

Ah se todos fossem iguais a você, professor. Sento no banco do Tabárez nesta Copa, qual um curioso cupim na madeira paulofreiriana, e como lembro do meu amigo doutor Sócrates --filósofo maloqueiro que dividiu a palavra e as decisões na maior experiência política e futebolística da história, a Democracia Corintiana.

Milhões de brasileiros descobriram a ideia (de um tal governo do povo e para o povo e pelo povo) na turma de Sócrates, Casagrande, Vladimir e até o roupeiro daquele time vencedor do Corinthians dos anos 1980. Sim, todas as decisões do clube eram tomadas em grupo. Seja na consulta ou no voto. A Democracia Corintiana, que raro acontecimento, ensinou mais sobre a vida com responsa e amor ao próximo do que os livros obrigatórios de Educação Moral e Cívica da torturante (e ponha adjetivos paus-de-arara nisso) ditadura.

O doutor Sócrates amaria viver esse momento do maestro Tabárez. Talvez dividíssemos essa prosa no programa Cartão Verde (TV Cultura), minha primeira experiência de cerveja filosófica na telinha. Saudade danada, doutor, amigo é coisa para não acabar nunca, dane-se a matéria e a ressaca, se é que você me entende. Aliás, doutor, depois dos 50, repito, a ressaca não é apenas uma ressaca, mais parece uma dengue existencialista, sartriana mesmo. Te amo.

O nosso maestro, doutor, rima bola com escola. Por esta obsessão pedagógica, foi reconhecido pela UNESCO com o prêmio “Campeão do desporto para a educação, ciência e cultura”. Na Copa do Mundo, também tem feito história. O Uruguai é um dos destaques. Mesmo de muletas, por causa de uma doença neurológica, El maestro dá a sua aula magna na beirada do campo. Ah se todos fossem iguais a Sócrates e Tabárez.

Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de A pátria em sandálias da humildade (editora Realejo), entre outros livros. Na TV, é comentarista da ESPN/Brasil.

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