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O verdadeiro problema de Harley-Davidson (e não é Donald Trump)

Fabricante de motocicletas procura aumentar as vendas no exterior para compensar a queda nos Estados Unidos

Concentração de fanáticos das Harley-Davidson.
Concentração de fanáticos das Harley-Davidson.FABIAN BIMMER (REUTERS)

A Harley-Davidson atingiu Trump onde mais lhe dói: seu patriotismo. A marca de motocicletas é um símbolo sobre rodas da noção de liberdade e rebelião que caracteriza os Estados Unidos. Por isso o presidente republicano criticou duramente a decisão da empresa de levar parte da produção para fora do país para atender à demanda na Europa e evitar dessa forma o novo imposto alfandegário.

Mas como diz Trump, o deslocamento da produção é um processo que há tempos vem sendo feito. Mais exatamente há um ano, quando devido a uma reorganização a companhia iniciou os trabalhos de construção de uma nova fábrica em Bancoc, Tailândia. Nesse ajuste a empresa fechará no ano que vem a fábrica de montagem de Kansas City (Missouri), que por enquanto emprega 800 pessoas.

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A Harley-Davidson já comunicou em maio os sindicatos que metade dos funcionários poderá ser realocada no complexo de York (Pensilvânia), mas que precisa reforçar as operações no exterior para atender à demanda internacional por suas motos. Atualmente, 60% das vendas da empresa são feitas nos EUA e a Europa é o principal mercado fora, com 16%.

A intenção da multinacional de Milwaukee (Wisconsin) é que as vendas no exterior representem metade do negócio global da empresa em volume até 2027. Trump afirma que uma Harley-Davidson “nunca deveria ser fabricada fora dos Estados Unidos”. Mas a realidade é que seu mercado doméstico é maduro e míngua, o que a obriga a olhar para o exterior em sua estratégia a longo prazo.

As vendas de motos novas Harley-Davidson caíram 4% em 2016, tendência que aumentou para 8,5% em 2017 porque os jovens não estão tomando o lugar dos baby boomers que vão deixando suas motos. “Infelizmente não se pode fazer outra coisa para reduzir o excesso de capacidade que temos nos EUA”, diz a empresa nas apresentações feitas pelos analistas.

Puro estilo americano

Os especialistas em imagem de marca explicam que a empresa se encontra no centro do debate sobre o litígio comercial, justamente porque seus fãs compram a imagem simbólica de liberdade que representa, como o caubói dos cigarros Marlboro e os cavalos da cerveja Budweiser. É a quintessência dos EUA e a etiqueta de “Made in USA” é tão importante para seus clientes como o rendimento.

A Harley-Davidson afirma que seu compromisso “é firme com a produção nos EUA” e nega uma relação direta entre o fechamento de Kansas City e a próxima abertura em Bangcoc. “A fábrica na Tailândia nos permitirá ser mais competitivos e facilitará um acesso maior de nossa marca e nossos produtos em um mercado global que se expande”, diz a Harley-Davidson em uma comunicado à imprensa. A empresa também tem operações na Austrália, Índia e Brasil.

35% da produção de Kansas City destina-se ao mercado internacional. A Ásia é o que mais cresce. A Europa o fazia até o ano passado, quando teve uma parada. As motocicletas mais baratas oferecidas ali são montadas na Índia. E todas as que são vendidas em seu mercado doméstico são feitas nos EUA. Os impostos alfandegários reduzem a margem de lucro porque disparam os custos.

Primeiros testes

“O aumento da capacidade de produção na Ásia é consistente com o compromisso da empresa em sua estratégia a longo prazo de focar no crescimento internacional”, disse a Harley-Davidson em maio antes de ser anunciado o imposto alfandegário europeu, “não é nossa intenção reduzi-la nos EUA”. Os primeiros testes de funcionamento na nova fábrica na Tailândia estão previstos para esse ano.

O presidente disse que os funcionários estão irritados. Os sindicatos já criticaram que o investimento seja feito na Tailândia enquanto a empresa se beneficia dos cortes de impostos após a reforma do imposto de sociedades. “Por um lado recebem o dinheiro das diminuições fiscais e pelo outro passam a tesoura”. De acordo com a International Association of Machinists and Aerospace Workers, “é uma emboscada”.

O tempo dirá se essa estratégia também enfurecerá seus clientes e terá impacto nas vendas a favor das motos Indian e Victory. Mas o normal é que ao comprar não se preste tanta tenção como diz Trump na fabricação dos produtos. Os carros da Mercedes, BMW e Audi comercializados nos EUA não são fabricados na Alemanha e a Budweiser é propriedade de uma sociedade estrangeira.

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