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Propaganda virtual na eleição ainda deixa mais perguntas que respostas

Pela primeira vez, Brasil vai permitir patrocinar mensagens nas redes sociais. Facebook diz fazer esforço por transparência e Twitter veta anúncios políticos

Rodolfo Borges
A tela de um smartphone.
A tela de um smartphone.ARUN SANKAR (AFP)
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Quantas curtidas são necessárias para conseguir um voto no Brasil? A insistente questão ressurge em mais uma eleição, mas em um contexto inédito: os candidatos estarão autorizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a patrocinar suas mensagens virtuais no Facebook e no Google pela primeira vez durante a campanha. E ninguém sabe dizer exatamente o que isso significará para as disputas pela presidência da República ou por posições no Parlamento em uma batalha tradicionalmente marcada pela força da TV.

Apesar do amplo debate do papel das redes e das notícias falsas na vitória de Donald Trump, as pesquisas mais recentes sobre o assunto nos Estados Unidos sugerem um efeito pequeno nas urnas — levantamento feito em 2013 por pesquisadores das universidades Columbia e da Califórnia indica que apenas 8% dos usuários de Facebook lembram de ter visto o anúncio político. Mas os candidatos se arriscam a sumir se não tiverem uma presença virtual relevante, alerta o cientista político Fábio Vasconcellos, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Algumas mudanças da nova ordem já começam a aparecer. O Facebook iniciou no final do mês passado a exposição pública para todos os usuários da plataforma os conteúdos patrocinados por páginas de empresas e políticos. A novidade foi implantada no Brasil em nome da bandeira da transparência, e a rede social trabalha para complementar a informação antes do dia 16 de agosto, quando estará liberada a propaganda política — como comícios e distribuição de santinhos — durante o período de campanha. A ideia da plataforma é expor o valor pago por cada impulsionamento de mensagem — a propaganda paga de internet está vetada por lei, com exceção do patrocínio de postagens em rede social e a priorização de conteúdo em sites de busca, como o Google.

Post patrocinado na página de Marina Silva.
Post patrocinado na página de Marina Silva.

Nomes como a ex-ministra Marina Silva (Rede), o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB), o ex-ministro Henrique Meirelles (MDB), João Amoêdo (Novo) e o senador Álvaro Dias (Podemos-PR) são os pré-candidatos à Presidência da República com mais publicações impulsionadas no Facebook antes do início da eleição. "Participar da vida digital é uma indicação da força eleitoral do candidato. Hoje em dia se fala muito do [deputado federal e pré-candidato à presidência pelo PSL Jair] Bolsonaro, porque ele tem um ambiente digital muito ativo, e isso leva a imprensa a falar sobre ele", analisa Fábio Vasconcellos. Segundo ele, ainda não está claro que a rede social possa converter votos, mas é por meio desse canal que os eleitores vão disseminar as mensagens que seus candidatos emitirem. O cientista político aposta, contudo, que as redes sociais serão mais relevantes nas eleições de deputados e senadores, por conta da possibilidade de dirigir as mensagens a públicos específicos.

Incertezas

Para além das dúvidas sobre o impacto que a publicidade de Internet pode vir a ter na eficiência das campanhas, há incertezas quanto à isonomia do modelo. Ao contrário do sistema norte-americano, no contexto do qual essas plataformas foram criadas, a lei brasileira não permite comprar anúncio político na televisão e nem mesmo na Internet, com exceção dos impulsionamentos. Ou seja, o candidato não pode comprar uma publicidade (banner, no jargão) de um site muito visitado, mas pode pagar ao Facebook para que uma mensagem (post) em sua rede social seja vista por mais gente. No Google, o concorrente pode pagar para que uma página oficial sua apareça mais bem posicionada se um eleitor buscar na ferramenta alguma informação relacionada a ele. No entanto, a rígida legislação eleitoral brasileira, que agora estabelece até limite de doação e de gasto, não alcança a propaganda virtual de forma tão firme. Por conta disso, várias perguntas permanecem no ar.

Algumas delas foram encaminhadas para Google e Facebook no dia 6 de junho pela ONG Proteste, que quer saber, por exemplo, "quais serão os termos dos contratos a serem celebrados ou já celebrados [entre as empresas] com os partidos políticos ou com candidatos?". Outra dúvida: "Haverá a possibilidade de transferência de dados dos usuários da plataforma do Google neste contexto? Se sim, como será implementada a obtenção do consentimento do usuário e quais dados serão transferidos e para qual finalidade?".

A preocupação com o destino de dados pessoais dos usuários ecoa questões tratadas pela Lei de Proteção de Dados Pessoais, recentemente aprovada pelo Senado. "A reforma eleitoral proibiu propaganda paga na Internet, mas criou exceções para o impulsionamento de notícias e equiparou isso aos [patrocínio de] resultados em sites buscas, que é a atividade do Google”, diz a conselheira da Proteste Flávia Lefèvre, que questiona ainda os critérios para a identificação de fake news e posterior punição de páginas, além de como será controlado o impulsionamento de mensagens por perfis alternativos que promovam as pautas de um determinado candidato. Caso enviadas, as respostas das empresas serão submetidas à área técnica da ONG para avaliação antes de serem divulgadas.

As empresas informaram que seus departamentos jurídicos estão tratando de responder às questões da Proteste, mas o Facebook concordou em se posicionar abertamente sobre parte das muitas dúvidas ao EL PAÍS: um candidato com mais seguidores terá vantagem ao impulsionar suas postagens? A quantidade de tráfego alcançada por uma página é um indicativo da qualidade de seu conteúdo para o Facebook, e isso influencia no preço pago pelo impulsionamento. Resumindo: quanto maior a repercussão da página, menor o preço pago pelo patrocínio. Seguindo essa lógica, um candidato precisaria investir menos dinheiro para alcançar mais pessoas do que um concorrente que tem menos atividade virtual?

O Facebook respondeu por meio de um porta-voz: “O número de seguidores de uma página não influencia o valor gasto por um anunciante. Ao impulsionar uma publicação ou criar um anúncio, o alcance desse conteúdo estará relacionado, entre outros fatores, ao público definido, à qualidade e relevância da campanha para a comunidade". De fato, há mais variáveis envolvidas no sucesso das postagens e a soma dos critérios levados em conta pela rede social que tem mais de 100 milhões de brasileiros cadastrados pode encarecer o valor a ser pago pelos candidatos e influencia no custo-benefício de cada impulsionamento. Seja como for, Facebook e Google, à diferença da TV e do rádio, serão os únicos lugares em que um candidato vai poder comprar propaganda sem limites, o que acrescenta um desequilíbrio potencial nos até então controlados gastos de campanha com anúncios.

Mercado

Das grandes empresas de Internet, apenas o Twitter optou por ficar de fora da campanha deste ano. "A legislação eleitoral brasileira estabelece determinadas obrigações relacionadas à transparência por parte de candidatos, partidos e coligações que fizerem propaganda eleitoral paga na internet. Diante disso, o Twitter decidiu iniciar a venda deste tipo de publicidade somente quando as ferramentas apropriadas para facilitar essa transparência estejam disponíveis na plataforma", informou a empresa em nota. Mesmo diante de tanto escrutínio, Google e Facebook toparam o desafio, e uma projeção da consultoria Borrell Associates sobre o mercado norte-americano de propaganda política ajuda a entender o motivo. Nas eleições legislativas deste ano nos Estados Unidos, os anúncios digitais devem representar 22% do investimento em propaganda política, ou 1,9 bilhão de dólares — em 2014, foi apenas 1%, com 71 milhões de dólares.

Para desbravar o mercado — e também se proteger de acusações de favorecimento, como ocorreu na eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos—, Google e Facebook têm mantido contato com partidos e políticos brasileiros. O Facebook promove de junho a agosto uma série de workshops em capitais para apresentar suas ferramentas. E se esmera em justificar sua opção por participar das eleições. “A publicidade digital é tipicamente mais acessível do que a de TV ou anúncios na mídia impressa, oferecendo a candidatos com orçamentos menores uma maneira mais econômica de alcançar seus eleitores”, diz texto publicado em seu blog sobre mídia.

A contratação de agências de checagem e da agência de notícias AFP pela empresa criada por Mark Zuckerberg apenas para tratar de fake news também faz parte desses esforços. Nesse mesmo sentido, o Google anunciou na última semana uma "coalizão para combater o conteúdo enganoso online durante as eleições". O projeto Comprova envolve 24 veículos de comunicação mobilizados em esforços para identificar e investigar "informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas durante a campanha presidencial de 2018". O Facebook também faz parte da empreitada, que vai contemplar o WhatsApp.

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