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Novo presidente da Colômbia ameaça sistema que julgará crimes de conflito armado

Adiamento da aprovação do regulamento da Justiça Especial para a Paz foi visto como desafio ao atual Governo, que insiste na "urgência” em aprovar o texto

Iván Duque, eleito presidente da Colômbia.
Iván Duque, eleito presidente da Colômbia.NACHO DOCE (REUTERS)

Um dia depois da eleição de Iván Duque como presidente da Colômbia, o Congresso tomou uma decisão que adia indefinidamente a aprovação do regulamento da Justiça Especial para a Paz (JEP), o sistema encarregado de julgar os crimes da guerra civil que assolou o país durante décadas. O plano foi aprovado na noite de segunda-feira, após ser impulsionado pelo Centro Democrático, o partido de Duque, liderado pelo ex-presidente Álvaro Uribe e majoritário no Parlamento, em seu primeiro grande desafio ao Governo de Juan Manuel Santos. Este reiterou a urgência da normatização da JEP. Se não for aprovado amanhã, convocarei [sessões] extraordinárias. A paz precisa estar acima de cálculos políticos, escreveu no Twitter o presidente em final de mandato.

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A iniciativa não é irreversível e, pelo menos no momento, tem, sobretudo, peso simbólico, uma vez que a JEP, que já está constituída, pode funcionar caso a caso mesmo sem esse regulamento. Mas o organismo encarregado de julgar todos os atores envolvidos em meio século de conflito armado com a extinta guerrilha FARC sofreu um novo atraso em seu trabalho. Ela tem vida graças à Constituição, e, se não houver um projeto de lei de procedimento, o que vai ocorrer é que a JEP, pela via da jurisprudência, vai continuar tomando decisões processuais, disse a jornalistas o ministro do Interior, Guillermo Rivera. Por isso insistimos na urgência em aprovar esse projeto de lei. O Governo não vai se resignar, vai insistir. Temos o compromisso indeclinável de implementar normativamente o acordo de paz, enfatizou.

Seja como for, este movimento demonstra a vontade de Uribe, principal opositor dos acordos de paz, e do uribismo, que foi a plataforma que impulsionou o novo presidente. O direitista Duque, diferentemente das vozes mais radicais de sua coalizão, afirma que não tem a intenção de esmigalhar o que foi pactuado em Havana com a antiga guerrilha e, em seu primeiro discurso depois de eleito, prometeu buscar canais que permitam uma desmobilização e reinserção efetiva dos ex-guerrilheiros das FARC. Entretanto, ao mesmo tempo deixou claro que modificará esses acordos. E essas mudanças acarretam obstáculos como este. O processo de paz, disse, terá correções para que as vítimas de verdade sejam o centro do processo e garantamos verdade, justiça, reparação e não reincidência. Isso significa que essas correções já de saída afetarão a JEP, um dos eixos do processo de paz.

O presidente eleito (tomará posse em 7 de agosto) não está de acordo com esse sistema concebido entre as FARC e representantes do Governo de Santos durante mais de quatro anos de negociação. A JEP estabelece penas alternativas à prisão e uma ampla anistia para os antigos combatentes. Duque também rejeita que ex-líderes da guerrilha possam ocupar as vagas parlamentares negociadas. Defende que cumpram prisão antes de entrarem para o Congresso.

Respeitamos as decisões que forem adotadas no Congresso, mas manifestamos nossa preocupação, afirmou Patricia Linares, presidenta da JEP. Não se pode dilapidar uma opção como esta e ainda mais quando o projeto foi avançando de maneira positiva, quando o país inteiro, as vítimas, nós mesmos e a comunidade internacional reclamam a urgência de termos normas de procedimento.

A responsável pela Justiça Especial também recordou que esta decisão não paralisa completamente seu trabalho: Já avançamos cumprindo e recorrendo ao marco normativo, principalmente ao Ato Legislativo 01 de 2017. Ou seja, para continuarem trabalhando, as salas que compõem este tribunal se arrogam no seu status constitucional e nas normas da lei mencionada por Linares. Há questões que exigem esse outro procedimento, e por isso insistimos na necessidade de que o Congresso responda, especificou.

Poucas horas depois de o uribismo vencer a votação, mais de uma centena de colombianos se concentraram às portas do Congresso, na praça Bolívar, em Bogotá, para mostrar seu rechaço. Uma pequena amostra da polarização que divide a Colômbia desde o começo do processo de diálogo com a guerrilha mais antiga da América Latina.

Novas afinidades parlamentares

Os congressistas de alguns partidos mais críticos ao ex-presidente Álvaro Uribe nas últimas legislaturas começaram esta nova etapa manifestando no Senado seu respaldo ao mandatário eleito, Iván Duque. Assim fizeram setores do santismo, agrupados no Partido da Unidade Nacional, membros do Partido Liberal, do Partido Conservador e do Mudança Radical, a formação do ex-vice-presidente Germán Vargas Lleras.

As novas Câmaras, eleitas em 11 de março, demonstram assim – a não ser que se alterem os equilíbrios das bancadas partidárias – que a única oposição clara ao Governo de Duque será numericamente liderada pelos Verdes, que aumentaram sua representação parlamentar e anunciaram apoio ao esquerdista Gustavo Petro no segundo turno do pleito presidencial, disputado no domingo passado.

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