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Coluna
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A outra Copa que o Brasil precisa ganhar

Para devolver aos brasileiros a paixão por sua identidade, também temos de ganhar a Copa da confiança

Juan Arias
Um torcedor acompanha o jogo entre Brasil e Suíça.
Um torcedor acompanha o jogo entre Brasil e Suíça.Marcelo Chello (EFE)

Sou dos que querem que o Brasil ganhe a Copa outra vez. Tenho certeza de que a maioria espera o mesmo, já que o que falta hoje a este país são motivos de alegria. Não acha, meu querido e genial Xico Sá? Mas gostaria que os brasileiros conquistassem também outra copa, a da tolerância, a de se sentirem orgulhosos de ter nascido aqui.

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Desejo essa vitória social para que aqueles 60 milhões de brasileiros, na maioria jovens, que, de acordo com a última pesquisa do Datafolha, gostariam de deixar o país por falta de oportunidades, possam alcançar seus sonhos aqui sem necessidade de fugir. Sair livremente do próprio país, neste mundo de globalização, para enriquecer-se com novas experiências, é algo que não pode deixar de fascinar jovens brasileiros. Mas querer ir embora porque não encontram o indispensável necessário para se realizar aqui é um crime que deveria envergonhar aqueles que os governam. Ninguém abandona suas raízes sem dor.

Para devolver aos brasileiros a paixão por sua identidade, também temos de ganhar a Copa da confiança, aceitar as diferenças que nos dividem, porque seria utopia pretender que todos podemos pensar a vida da mesma forma. Cada um cresce com suas ideias e sua visão do mundo. Se todos pensássemos e amássemos igual, o mundo seria de uma monotonia avassaladora.

As guerras fratricidas, a vontade de pretender que todos pensem como nós, os rótulos colocados nos outros como estigmas de segregação nascem da incapacidade de reconhecer a originalidade do outro. A intolerância, as excomunhões e a soberba de se acreditar mago das receitas fáceis para conflitos complexos costumam acabar na porta do inferno, onde Dante Alighieri, na Divina Comédia, escreveu: “Deixai toda esperança, vós que entrais.”

Para o Brasil, país que adotei como meu com todos os seus defeitos e virtudes, desejo neste momento não só que ganhe a Copa do Mundo para que milhões possam viver um sopro de felicidade, mas também que essa vitória seja a antecipação de outra felicidade maior: a de voltar a ser um país com mais pessoas se respeitando do que se odiando. O Brasil só voltará a ser um país reconciliado consigo mesmo quando for capaz de recuperar a Copa de sua riqueza humana, aquela que os brasileiros aprenderam a levar sempre na mala pelo mundo afora. Aquele patrimônio da alma que fazia um amigo europeu dizer, sempre que encontrava um estrangeiro que o fascinava, “deve ser brasileiro”.

Meu desejo é que este volte a ser um país que, em um momento em que o mundo se vê tentado a erguer novos muros, desperte inveja por sua capacidade de integração, por sua arte em saber dialogar e agregar. Foi essa capacidade dos brasileiros de saber enriquecer tudo através da mistura que minha esposa, Roseana, brasileira, me explicou ao pousar aqui. Aprendi que, ao contrário de Espanha, onde as coisas se comem separadas, no Brasil é tudo misturado no mesmo prato. O Brasil é antigo e moderno porque é um amálgama de mil riquezas diferentes, físicas e espirituais, que dão forma e sabor a um novo conceito de humanidade. Tentar dividi-lo injetando os demônios do ódio de uns contra os outros é renegar tudo de melhor e mais cobiçado que possui.

Que 2018 seja lembrado como o ano em que o Brasil venceu duas copas juntas: uma nos estádios na Rússia e outra em outubro, aqui, nas urnas, quando decidirá o seu destino político, fonte hoje de insatisfação e, ao mesmo tempo, de esperança, uma palavra desprezada em nossos dias, quando se esquece que é o motor da existência. Por mais rico que seja um povo, sem esperança de algo melhor para todos, e não só para um punhado de privilegiados, restariam apenas o vazio e o medo. Restaria aquela porta desesperadora e fria do inferno da Divina Comédia de Dante. Por que não apostar na porta que nos conduzirá a uma nova era, em que poderemos viver juntos vitórias e derrotas, sem medo de nos olharmos nos olhos outra vez?

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