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“Alô, em quem você votaria para presidente? E você confiaria nesta pesquisa?”

Mercado de pesquisas se agita em torno dos institutos que fazem levantamentos eleitorais por telefone. Associação do setor diz que ligações "não são recomendadas", e empresas defendem metodologia

Eleitores aguardam para regularizar o título em Brasília, em maio.
Eleitores aguardam para regularizar o título em Brasília, em maio.Marcelo Camargo (Agência Brasil)
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O alerta foi dado pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep): "Os levantamentos e coletas de opiniões realizados por meio de ligações telefônicas, para pesquisas eleitorais de intenção de voto, não são recomendadas para esse fim". Segundo a Abep, essas pesquisas "nem sempre retratam com fidelidade a percepção real da maioria dos eleitores, em função da falta de listagens exaustivas dos números de telefone, principalmente os dos celulares". Apesar do aviso, duas delas, feitas pelo DataPoder360 e pelo Ipespe, foram levadas bem a sério e agitaram o mercado financeiro brasileiro nesta semana ao mostrar o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) consolidado na liderança. Se, por um lado, o debate coloca as pesquisas telefônicas sob escrutínio público, há quem enxergue uma tentativa de reserva de mercado dos maiores institutos de pesquisa do país, que estariam perdendo receita com a concorrência de empresas menores.

Maurício Moura, presidente da Ideia Big Data, diz que a Abep faz um bom trabalho de zelar pela qualidade das pesquisas que são tornadas públicas, mas considera a questão mais complexa. Pesquisador visitante da George Washington University, Moura destaca que mais de 90% das pesquisas nos Estados Unidos são telefônicas. “Não existe metodologia perfeita, e qualquer coleta de dados tem ponderação estatística, com exceção do Censo [demográfico]. Uma pesquisa feita no horário comercial é diferente de uma pesquisa feita à noite. E há institutos no Brasil com altíssima competência, que fazem pesquisa telefônica com a mesma qualidade dos institutos nos Estados Unidos”, defende o presidente da Ideia Big Data, cujos principais clientes de pesquisas presidenciais são bancos.

Sócio da Cenário Inteligência, o cientista político Adriano Oliveira atribui o impacto das últimas pesquisas no mercado ao fato de elas se restringirem aos índices de intenção de voto. "Não questiono a qualidade [das pesquisas telefônicas], essa polêmica é desnecessária. Mas uma pesquisa face a face ajudaria a ponderar o cenário. Bolsonaro está na frente, mas [o pré-candidato tucano Geraldo] Alckmin tem condições de crescer? Ciro Gomes [pré-candidato pelo PDT] só vai ao segundo turno com o apoio de [ex-presidente] Lula?", questiona Oliveira. As pesquisas feitas por telefone precisam ser breves, sob o risco de ampliar o já alto índice de rejeição — a taxa de recusa no Brasil pode chegar a até 95%, segundo o cientista político Andrei Roman, fundador do Atlas Político. Nos Estados Unidos, é de 80%.

Roman enxerga muitos limites para as pesquisas telefônicas no Brasil. O eleitorado mais radical e fiel, por exemplo, tende a ter mais paciência para aguardar na linha até o final das perguntas, o que pode beneficiar um candidato como Bolsonaro e prejudicar uma candidata como a ex-ministra Marina Silva (Rede). Mas o cientista político reconhece que, no longo prazo, vai ser cada vez mais difícil fazer pesquisas presenciais, porque elas são muito caras. Para se ter uma ideia da diferença, a empresa Vertude Tecnologia registrou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma pesquisa presidencial no dia 2 de junho para ouvir 5.350 pessoas por telefone ao preço de 85.000 reais. A última pesquisa do Datafolha sobre a corrida pelo Palácio do Planalto foi registrada ao custo de 398.344 reais.

O diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, acha temerário publicar pesquisas de intenção de voto feitas por telefone, porque elas não oferecem a mesma segurança das pesquisas presenciais. "Sabemos que elas influenciam numa série de coisas, especialmente no mercado financeiro. O dólar e a bolsa variam. Pelos movimentos que provocam em diversas esferas, é preciso ter muita responsabilidade e muito cuidado na divulgação", defende. Ele lembra que o Datafolha fez pesquisas de tracking telefônico nas eleições de 2002 e 2006 e, depois de perceber que o eleitorado mais escolarizado e de melhor renda acabava super-representado, o procedimento foi abandonado.

Segundo Paulino, a cobertura de telefones celulares e fixos no Brasil é praticamente a mesma da última eleição majoritária, em 2014. No caso dos fixos, nunca passou de 60%, e hoje caiu para menos da metade da população. O crescimento no número de celulares proporcionou o desenvolvimento do mercado de pesquisas telefônicas, mas Paulino não considera as listas de aparelhos móveis confiáveis, pois elas mudam muito. O diretor-geral do Datafolha só abriu uma exceção para as pesquisas telefônicas ao aferir a popularidade da greve dos caminhoneiros, por conta da dificuldade de locomoção causada pela paralisação. "Colocamos uma advertência na matéria [publicada pela Folha de S.Paulo]. Era necessária uma medida da opinião publica. E não incluímos intenção de voto", destaca Paulino.

Novidade

“De fato, embora seja algo consolidado em democracias europeias e nos Estados Unidos, é uma novidade no Brasil”, reconhece Guilherme Alpendre, diretor-executivo do Poder360, responsável pelas pesquisas do DataPoder360. Após os questionamentos da Abep, o site publicou um artigo com perguntas e respostas para defender seu método. “Não existe forma melhor. Diferentes metodologias são aceitáveis do ponto de vista estatístico se forem atingidos no levantamento todos os estratos da sociedade na mesma proporção em que aparecem nos estudos demográficos da população e/ou dos eleitores”, diz a nota.

Segundo o Poder360, entrevistas face a face podem dar grande confiabilidade aos resultados, mas o contato com o entrevistador interfere nas respostas a questões socialmente sensíveis. “Para fazer a rodada da pesquisa presidencial do DataPoder360 de maio de 2018 foram realizados 586.486 telefonemas para se chegar a 10.500 entrevistas completas. Esse número gigante de telefonemas se dá porque houve uma busca intensa dos entrevistados que preenchessem o perfil demográfico preciso dos eleitores, em todas as regiões do país”, explica a empresa. O desempenho dos institutos na eleição deste ano definirá quem tem razão.

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