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“Poderemos criar elefantes com pelagem vermelha, mas nunca reviver o mamute”

O pai do genoma neandertal explica por que o DNA é uma máquina para viajar no tempo

Nuño Domínguez
O médico e bioquímico sueco Svante Pääbo.
O médico e bioquímico sueco Svante Pääbo.El País

Svante Pääbo tinha 13 anos quando sua mãe o levou ao Egito pela primeira vez. Ficou tão impressionado que memorizou os hieróglifos, aprendeu a história e trabalhou dois verões seguidos classificando pedaços de cerâmica no Museu Mediterrâneo de Estocolmo, que poderia ter se tornado seu local de trabalho, como conta ele mesmo no livro O Homem de Neandertal (sem tradução). Mas no segundo ano se deu conta de que os egiptólogos sempre faziam as mesmas coisas, iam comer na mesma hora, falavam dos mesmos enigmas acadêmicos e eram obcecados pelas mesmas fofocas acadêmicas. “A egiptologia avançava de modo lento demais para o meu gosto”, recorda Pääbo. Depois disso sua carreira foi meteórica.

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Pääbo decidiu estudar medicina na Universidade de Upsala e se especializar em pesquisa. Em 1985 foi capa da Nature — um pódio mundial da ciência —, quando ainda fazia o doutorado, por sua primeira análise do DNA de uma múmia egípcia. Nas três décadas seguintes, Pääbo extraiu do DNA antigas mensagens que colocam a nossa espécie em seu – humilde – lugar. Demonstrou que humanos e neandertais são primos evolutivos, tão parecidos que quando se encontraram na Europa se cruzaram e tiveram filhos férteis, de modo que até 4% de nosso DNA é neandertal. Também revelou que houve um terceiro grupo humano com o qual se cruzaram as outras duas espécies e a este triângulo sexual se somam outros hominídeos de espécie é desconhecida, mas cuja marca genética persiste na atualidade em algumas populações. O diretor do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva de Leipzig (Alemanha) acaba de receber o Prêmio Princesa de Astúrias de Pesquisa Científica e Técnica por descobertas “que obrigam a reescrever a história de nossa espécie”. O pesquisador responde às perguntas de EL PAÍS por telefone, de Copenhague, horas depois de conhecer a decisão do júri.

Pergunta. Quando soube que havia ganhado o prêmio? Já o conhecia?

Resposta. Ontem [terça-feira] me telefonou um representante do júri para me comunicar, embora ninguém tenha me explicado por que me davam o prêmio [risos]. É uma enorme surpresa e, sim, tinha ouvido falar deste prêmio. É um reconhecimento de que esta técnica é válida para extrair DNA de forma rotineira dos restos arqueológicos e estudar não só a evolução dos neandertais, mas muitos outros episódios, como a expansão da agricultura ou os patógenos humanos. Este campo cresceu tanto que já não consigo nem ler todos os estudos publicados sobre DNA antigo.

P. Qual é o momento que mais o marcou em sua carreira científica?

R. Foi em 1966, quando nos demos conta pela primeira vez que as sequências de DNA mitocondrial extraídas de um fóssil que analisávamos provinha de algo que não era um humano moderno nem tampouco outro primata, mas de um neandertal. Graças a esse tipo de técnica pudemos esclarecer o que aconteceu quando ambas as espécies se encontraram pela primeira vez e até descobrir os denisovanos da Ásia, dos quais conhecemos sua sequência genética.

P. Em que está trabalhando atualmente?

R. Os sedimentos das jazidas retêm DNA dos animais e humanos que ali viveram, de modo que, mesmo não havendo fósseis, por exemplo em jazidas onde somente há ferramentas de pedra, é possível tentar identificar a espécie humana que estava presente.

Poderemos obter DNA de animais que viveram há um milhão de anos

P. Poderia também identificar os autores das pinturas rupestres?

R. É uma possibilidade muito interessante, sim. Um problema habitual é que as cavernas foram usadas tanto por neandertais como humanos modernos em várias ocasiões, por isso poderíamos encontrar DNA de ambos. Esta técnica poderia funcionar sobretudo naquelas cavernas nas quais houve uma etapa da presença humana e depois ficaram fechadas, mas não sei se existem casos assim.

P. Qual é o limite temporal para recuperar DNA antigo?

R. Nós recuperamos DNA humano da cova dos Ossos de Atapuerca (Burgos), de uns 400.000 anos. O DNA mais antigo na atualidade é o de alguns cavalos que viveram há 700.000 anos. No permafrost [a camada de solo que permanece constantemente congelada em regiões frias] não me surpreenderia se conseguirmos chegar a milhões de anos.

P. Acha que seria possível reviver espécies antigas?

R. É possível que se consiga incluir algumas poucas variantes genéticas de espécies extintas dentro do genoma de animais atuais, por exemplo, criar um elefante com pelagem vermelha parecida com a dos mamutes. Mas é impossível reconstituir por completo um organismo extinto porque ainda não conhecemos em detalhes como seu genoma estava organizado. Quanto aos neandertais, não se deve tentar nunca, pois seria preciso modificar as células germinativas, algo que somente deveria ser permitido para curar doenças muito graves.

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