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O mundo nauseante da ‘Deep Web’

Atividades da Rede se escondem sob mantos de anonimato que facilitam da compra de armas à pedofilia

Imagem de uma das páginas da 'deep web'
Imagem de uma das páginas da 'deep web'Reprodução

Drogas, armas e munição, notas falsas, pornografia infantil, carteiras de habilitação estrangeiras e piratas digitais para serviços variados. Apenas 15 minutos navegando foram suficientes para chegar aos portais de sua compra. E esses são somente alguns exemplos de tudo o que é possível encontrar na Internet profunda, mais conhecida como Deep Web, o esgoto em que se submergem atividades repugnantes que não querem ser descobertas.

“Mais de 90% da Internet está aqui”, afirma Javier Pagés, diretor executivo da Informática Forense. Sua empresa colabora com a Justiça para investigar casos em que parte das provas podem ser encontradas na Rede. Mas a fração dos usuários que navega “é muito pequena”, afirma.

A maior parte do que se encontra na Internet profunda é ilegal. Por essa razão, não é possível ser acessada com os navegadores comuns (Chrome, Firefox, etc.). É preciso usar outras ferramentas e protocolos. O sistema mais utilizado é o TOR. Foi criado em 2002 para ocultar a identidade do usuário. Não deixa rastros. Nem mesmo no próprio navegador. Em vez de se conectar diretamente ao servidor onde são vendidos os produtos, são feitos vários saltos de anonimato para evitar que as atividades do usuário sejam rastreadas.

“A Internet profunda nasceu para facilitar a comunicação segura entre pessoas que viviam em regimes totalitários, onde as liberdades eram restringidas”, diz Pagés. Mas com o passar do tempo isso mudou. O analista mostra um mapa com as interações produzidas nesse nível: quase todas as conexões estão entre a Europa e os Estados Unidos e não têm nada a ver com a condição política das pessoas.

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Pagés olha seu computador, mas quer que tudo o que explica fique claro. Mostra uma imagem na tela. Na parte superior há um iceberg onde pode-se ver ícones das redes sociais. “É a parte pública, onde a maioria dos usuários navega. Aí tudo é monitorado, vigiado e deixa rastros”. Um pouco mais abaixo está a água: “Aí começa a Internet profunda”, diz. E na parte inferior está a Internet Obscura (Dark Web). O analista expõe uma comparação para que seja mais fácil de entender: “A Internet profunda é como se você vai à praia e quer mergulhar. Na barraquinha te dão a máscara e você pode submergir alguns metros, mas se você quer descer mais é preciso um tanque de oxigênio. Isso é a Internet obscura. Você corre mais riscos e pode encontrar de tudo”.

Esse último nível é o refúgio das mais diversas perversões. “Você encontra de pedofilia à zoofilia”, afirma Pagés. “E relacionadas à violência existem páginas nazistas, de suicídio, de assédio escolar, de organizações terroristas, de máfias, de delinquência organizada, de bandidos... Também compra e venda de inúmeros tipos de vírus”, diz.

Viagem à Internet profunda

A pessoa que acessa a Internet profunda entra em um território perigoso e, portanto, corre mais risco de receber um vírus. Muitos deles com o objetivo de monitorar o equipamento do usuário e espionar a pessoa. “Uma técnica comum é inserir um software de espionagem em uma imagem que você baixa ao entrar na página. Só pelo simples fato de navegar você está exposto a receber um Cavalo de Troia. Nas páginas pornô, 8 de cada 10 vídeos têm vírus”, diz Pagés.

O analista tecla “Lolitas” no navegador. Aparecem imagens pornográficas de todo tipo. Sem nenhuma censura. Parecem jovens. “Isso você já não encontra assim fácil. Há 10 anos sim”, diz Pagés, “mas hoje em dia é preciso entrar em sites pornô para encontrar isso”. Um estudo de 2014 elaborado pela Universidade de Portsmouth concluiu que 80% do tráfego na Internet profunda estava relacionado à pornografia infantil.

Na sequência surge um catálogo na tela. É a Wiki Oculta. Oferece todo o tipo de páginas, divididas em categorias. Uma espécie de índice. A maior parte dos links funciona em determinados momentos do dia, outros são falsos e até armadilhas das autoridades. “Nenhuma dá garantias”, alerta Pagés. Na seção de economia, o analista explica que muitas se dedicam a transferir grandes quantidades de dinheiro sem que a Fazenda seja informada. “Não avisam ninguém, não deixam rastros”, afirma.

Um pouco mais abaixo há uma página em que se pode comprar dinheiro falso. Por 400 dólares ou 0,043 bitcoins (1.480 reais), pode-se comprar notas de 50 dólares (185 reais). “Todos os pagamentos aqui são feitos em criptomoedas”, diz.

No índice de “serviços comerciais do Mercado” destaca-se a palavra pistolas. Oferece vários tipos. Uma Glock custa 500 libras (2.500 reais) e uma Walther P99, 650 libras (3.235 reais). Também vendem munição. E coloca à disposição dos usuários portes de arma falsos dos Estados Unidos por 200 dólares (740 reais).

Todas as páginas abertas por Pagés têm o mesmo formato. “Não investem em estética. Precisam ser fáceis, rápidas. Seu objetivo não é ser atrativas”, diz.

O analista mostra a quantidade e variedade de drogas que podem ser encontradas: cocaína, anfetamina, cristal, ecstasy, psicodélicos, mescalina, ketamina... E os remédios sem prescrição aparecem logo abaixo. Há Viagra, Xanax e Oxicodona, entre outros. E, por último, Pagés entra na página de um pirata digital. Na parte de cima se lê: “Você só pagará pelos trabalhos bem-sucedidos. Se eu não conseguir devolvo seu dinheiro. Entenda que depende do que você quer, algumas coisas levarão mais tempo e precisarão de um pagamento adicional. Mas só depois do sucesso de meu trabalho”. Invadir um e-mail e uma conta de Facebook são 250 euros (1.090 reais). A espionagem de sites chega a 500 euros (2.180 reais).

Pagés navegou 15 minutos pela Internet profunda. Em alguns países isso pode ser crime e levar a penas de prisão e até de morte. “O mais perigoso de mergulhar por essas águas”, explica o especialista em informática, “é a sensação de que é muito fácil e seguro, quando as pessoas não estão preparadas pode causar um problema muito sério. Você entrará em um submundo que é, no mínimo, escabroso”.

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