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A formação do Governo na Itália faz água e deve naufragar

A Liga Norte e o Movimento 5 Estrelas haviam proposto ministro contrário ao euro, para ocupar a pasta da Economia

Daniel Verdú
Giuseppe Conte chega à sua casa, no centro de Roma, em 26 de maio de 2018
Giuseppe Conte chega à sua casa, no centro de Roma, em 26 de maio de 2018Fabio Frustaci (AP)

O presidente da República da Itália, Sergio Mattarella, rejeitou na tarde deste domingo o nome de Paolo Savona, o economista eurocético escolhido pela Liga Norte e o Movimento 5 Estrelas (M5S) para ocupar o Ministério da Economia. A decisão é um golpe mortal para a formação de Governo, que sai de novo dos trilhos no último minuto e coloca a Itália diante de um novo pleito, 83 dias depois de realizar eleições.

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Mattarella advertiu durante semanas: o presidente da República não é um mero tabelião que se limita a assinar o que lhe colocam sobre a mesa. Menos ainda quando se trata do nome de um economista que defende a possibilidade de que saia do euro um dos países fundadores da União Europeia (EU). Mas as pressões foram crescendo até se transformarem numa extorsão. Savona ou morte. Ou seja: bloqueio ou realização de novas eleições. Um cenário onde todas as pesquisas indicam um importantíssimo aumento de votos da Liga Norte de Matteo Salvini.

O artigo 92 da Constituição confere ao presidente a nomeação do primeiro-ministro e de sua equipe, assim como a oposição aos nomes sugeridos. Mas voltar às urnas tendo como pano de fundo o mantra de ser ele, condicionado por Bruxelas e Berlim, quem se opôs à vontade dos cidadãos era a pior opção de todas as analisadas no palácio presidencial de Quirinal. Às 20h10 (17h10 em Brasília), após uma longa rodada de consultas, apareceu Giuseppe Conte, o primeiro-ministro italiano. “Rejeitei o mandato de formar o Governo da mudança. Agradeço ao presidente da República por ter me dado o mandato e às formações que indicaram meu nome. Posso assegurar que dediquei o máximo esforço e atenção a essa tarefa. Obrigado a todos”, afirmou. Tudo aconteceu com grande rapidez.

A tarde de domingo começou com a sensação de que a Itália teria Governo, mas ela foi se diluindo à medida que os protagonistas desfilavam pelo palácio do Quirinal. Primeiro, subiram para se reunir com Mattarella os líderes do M5S, Luigi Di Maio, e da Liga Norte, Matteo Salvini. Um procedimento insólito nessas circunstâncias, que enfraquecia ainda mais a figura do desconhecido Conte, que recebeu a tarefa de formar Governo na quarta-feira passada. Sinal de que tudo se complicava de forma extraordinária.

Ao final desse primeiro encontro, enquanto era realizada a reunião com Conte, compareceu a versão mais radical de Salvini. Uma “contraprogramação” grotesca que continuou aumentando a pressão contra o presidente, quando este ainda não havia se pronunciado, e que permitiu ao líder da Liga Norte lançar mão de seu repertório mais duro. “Queríamos eliminar a lei Fornero e dar dignidade ao trabalho; e baixar os impostos, que é o contrário do que Paris e Bruxelas desejam. Frear uma invasão que recomeçou nas últimas horas”, declarou Salvini, dando a entender que tudo aquilo já era passado. “Se alguém quer assumir a responsabilidade de que não nasça um Governo disposto a trabalhar amanhã de manhã, que explique isso a 60 milhões de italianos”, concluiu, numa clara ameaça ao presidente.

A situação era de máxima tensão. O atual ministro da Economia, Pier Carlo Padoan, mostrou sua preocupação com as inclinações eurocéticas do novo Executivo e com a “insustentabilidade” econômica do programa de Governo. A situação ficou ainda mais delicada na semana passada, quando começou a circular o nome de Savona. Ele publica nesta semana um livro de memórias no qual afirma, entre outras coisas, que “o euro é uma jaula da Alemanha, país que substituiu a vontade de ser potência militar pela de ser potência econômica”, deixando a porta aberta para a saída da moeda única. Uma possibilidade que já estudou de forma minuciosa há dois anos, com o desenho de uma espécie de Plano B que o M5S e a Liga Norte defenderam nos últimos dias.

Conte passou todo o fim de semana encerrado em um gabinete da Câmara dos Deputados tentando mediar entre o palácio presidencial e os dois partidos antiestablishment. O designado como candidato a primeiro-ministro conhecia a vontade de Mattarella de buscar uma alternativa a Savona. Sabia perfeitamente que seria muito complicado digeri-lo na Europa e que um gesto nesse campo teria desbloqueado a situação. Mas sua figura, escolhida num jogo de vetos cruzados entre ambas as formações, não tinha nenhum peso real, e as decisões importantes foram impostas.

O assédio contra Mattarella nas últimas horas foi permanente. O M5S, através de um dos homens fortes do partido, Alessandro Di Battista, acusou-o passar dos limites se aplicasse o veto; e Salvini deixou a corda ainda mais tensa. “Os jornais e os políticos alemães nos insultam: ‘Italianos pedintes, preguiçosos, viciados em evasão fiscal, aproveitadores e ingratos.’ E teríamos que escolher um ministro da Economia que os agrade? Não, obrigado! Os italianos primeiro.” O conflito chegou a tal ponto que inclusive o Avvenire, jornal dos bispos italianos, saiu em defesa de Mattarella, um homem solitário que assume agora a responsabilidade de guiar a Itália neste momento convulsivo.

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