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EUA ameaçam Irã com sanções “sem precedentes na história”

Secretário de Estado quer impor a Teerã um pacto com 12 condições, entre elas o abandono da atividade nuclear e balística e o fim do seu intervencionismo no Oriente Médio

J. M. AHRENS
O secretário de Estado Mike Pompeo na Heritage Foundation
O secretário de Estado Mike Pompeo na Heritage FoundationWIN MCNAMEE (AFP)

A pressão está só começando. O rompimento do pacto nuclear com o Irã é o primeiro passo de um longo e doloroso percurso que tem como fim atar de pés e mãos o regime dos aiatolás. Nessa estratégia, os Estados Unidos anunciaram nesta segunda-feira que exercerão uma “pressão financeira sem precedentes na história”. O objetivo, longe de renegociar o acordo de 2015, será fechar um novo, que inclua o abandono definitivo de qualquer ambição nuclear dos iranianos, o desmantelamento do programa balístico e o fim do expansionismo do país no Oriente Médio. “O aguilhão das sanções se tornará ainda mais doloroso se o Irã não alterar seu rumo”, afirmou o secretário de Estado Mike Pompeo.

O chefe da diplomacia norte-americana não deu pausa ao Irã. Em seu discurso no think tank conservador The Heritage Foundation, deixou claro que, para Washington, a retirada do pacto nuclear marca o início de uma ofensiva contra Teerã. Não só haverá sanções como também, ameaçou, elas irão “esmagar” suas organizações satélites, como o Hezbollah, onde quer se encontrem. “Já não terão mais carta branca na região”, afirmou.

Havia grande expectativa sobre esse discurso de Pompeo. Tratava-se da primeira conferência pública dele desde que deixou a direção da CIA e assumiu a Secretaria de Estado. Seu objetivo era apresentar as linhas mestras da nova política frente ao Irã. E não decepcionou. Pompeo mostrou-se como o líder da ala radical da Casa Branca e começou justificando o polêmico rompimento do acordo assinado em Viena. Aqui havia poucas novidades. O Irã, a seu ver, descumpriu a premissa básica do pacto: reduzir a instabilidade no Oriente Médio. Pelo contrário, desenvolveu um perigoso programa balístico, mentiu sobre suas pretensões nucleares e não deixou de intervir na região. “Abandonamos o acordo por uma razão muito simples: ele fracassou na hora de garantir a segurança do povo norte-americano”, disse Pompeo.

Rompido o pacto, o secretário de Estado vaticinou um futuro obscuro para Teerã, no qual qualquer resistência será castigada se não se render aos desígnios dos Estados Unidos. Os alvos para alcançar essa meta já estão escolhidos. O primeiro será a economia, o grande ponto fraco do Irã. Depois de quase 40 anos de regime, o país está exausto. Nem sequer o alívio representado pelo pacto e a subsequente retirada de sanções reduziram a tensão interna. Os protestos continuam, e no terreno econômico a margem de manobra do Governo é limitada. Os gastos correntes absorvem 95% do seu orçamento, e a fuga de capitais é constante. Com 70% da população nascida depois da Revolução Islâmica de 1979, o futuro do Irã dificilmente passa por manter um sistema em frangalhos.

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Sob este horizonte, uma nova rodada de sanções ameaça causar um colapso. É a repetição do método que já foi ensaiado antes do pacto de 2015, mas desta vez multiplicado pela ambição imperial de Trump. “O Irã se verá obrigado a tomar uma decisão: lutar para manter sua economia à tona ou continuar desperdiçando suas preciosas riquezas em brigas no exterior. Mas não terá recursos para fazer ambas as coisas”, prognosticou Pompeo.

A oferta de Washington para levantar esse cerco radica em que Teerã aceite um acordo muito mais restritivo que o anterior. Na lista de exigências dos EUA figuram 12 condições. O sonho dourado dos falcões de Washington. “É o mesmo número de atividades malignas que o regime desenvolve”, observou o secretário de Estado.

No âmbito interno, os EUA querem que o Irã ponha fim a qualquer ambição balística ou nuclear. Esse requisito inclui abandonar o enriquecimento de urânio e a abertura completa a inspeções. Na frente externa, Washington pretende que Teerã interrompa as ameaças a Israel e à Arábia Saudita, liberte os cidadãos norte-americanos detidos, retire suas forças da Síria, não intervenha no Iraque e deixe de apoiar o Hezbollah no Líbano e os rebeldes huthis no Iêmen.

“Não vamos repetir erros do passado nem permitir uma corrida nuclear na região. As sanções pararão quando virmos uma mudança tangível e sustentada na política de Teerã. Podemos reconhecer que eles têm o direito de defender o seu povo, mas não de ameaçar o mundo”, afirmou Pompeo.

Nesta estratégia, a Casa Branca espera obter o apoio de seus sócios. Para isso, a diplomacia norte-americana pretende fazer uma viagem no tempo e recuperar o consenso que permitiu forjar o acordo de 2015. “Vamos trabalhar com os aliados para achar uma solução duradoura para as atividades malignas do Irã; só pedimos que se considere aquilo que já era aceito antes do pacto”, afirmou Pompeo. Com esse objetivo, Washington enviará emissários às principais capitais.

As possibilidades de sucesso dessa pirueta são complexas. O maior obstáculo é a própria dinâmica isolacionista de Trump. A saída do acordo de Viena foi unilateral. Destinada a contentar suas bases eleitorais, não só deu as costas aos outros signatários (França, Reino Unido, Alemanha, China e Rússia) como também restabeleceu as sanções contra qualquer um que negociar com o Irã. Não importou que o regime tivesse cumprido os termos do texto de Viena, nem que tivesse paralisado o enriquecimento de urânio, desativado instalações e levado a maior parte do combustível nuclear para fora do seu território. Trump assumiu as teses israelenses e considerou que o Irã, com o pacto, só buscava recuperar fôlego para retomar com mais força o desenvolvimento da bomba atômica.

A saída fraturou o Ocidente e plantou a doutrina do America First na zona mais explosiva do planeta. Do terremoto emergiram poucos beneficiados. Israel e a Arábia Saudita se viram agradados, mas a ferida continua aberta na Europa. Lá, as possibilidades de abrir a negociação para outro pacto são escassas por enquanto. A França, segundo os especialistas, pode ser a potência mais próxima dos EUA. Outros países, como a Alemanha, já parecem irrecuperáveis. “A época em que podíamos confiar nos EUA acabou”, sentenciou a chanceler (primeira-ministra) alemã, Angela Merkel.

Os Estados Unidos, mais solitários que nunca, sacudiram o tabuleiro. Sua tentativa de forjar um novo acordo passará, como deixou entrever Pompeo, por procurar outros atores e equilíbrios. Por enquanto, a única coisa que conseguiu é fazer a instabilidade disparar.

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