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Todos os bispos chilenos apresentam renúncia ao Papa pelos escândalos de pedofilia

Agora cabe ao sumo pontífice decidir se aceita todas as renúncias ou somente algumas delas

Membros da conferência de bispos do Chile, Luis Fernando Ramos Pérez, à direita, e Juan Ignacio González, nesta sexta-feira no Vaticano
Membros da conferência de bispos do Chile, Luis Fernando Ramos Pérez, à direita, e Juan Ignacio González, nesta sexta-feira no VaticanoAndrew Medichini (AP)

A limpeza no episcopado do Chile, que há dias estava na cabeça do Papa, começou a ganhar corpo. Depois dos encontros privados mantidos pelo Pontífice nos três últimos dias com os bispos chilenos no Vaticano para apurar responsabilidades pelos casos de abusos sexuais por parte do clero nas últimas décadas, chegou o anúncio. Todos os bispos apresentaram de imediato sua renúncia em bloco e puseram seus cargos à disposição de Francisco “para que livremente decida sobre cada um de nós”.

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A partir deste momento, o Papa deverá decidir se aceita todas as renúncias ou somente algumas delas, o que de algum modo confirmaria o grau de envolvimento e responsabilidade de cada prelado nos casos. Este processo poderá prolongar-se no tempo e durar vários dias, semanas e até anos, se o Pontífice decidir levar adiante uma depuração completa da Igreja chilena, que poderia ser progressiva. Agora resta saber o que acontecerá com os bispos cuja renúncia Francisco aceitar e qual será seu destino.

Desde 2015, os casos de abusos no Chile por parte do clero gravitam em torno do nome do bispo de Osorno, Juan Barros, acusado de acobertar os abusos do ex-padre Fernando Karadima. Durante sua recente viagem ao Chile, o Papa defendeu Barros, que sempre negou as acusações. Mas os protestos das vítimas desencadearam a investigação que resultou nesse processo de expurgo. O Papa, que inicialmente havia tachado as acusações de “calúnias”, pediu perdão no voo de regresso a Roma e convidou três das vítimas a irem ao Vaticano. Pouco depois, enviou ao Chile uma missão especial encabeçada pelo arcebispo de Malta para averiguar os casos em profundidade. Barros havia apresentado sua renúncia em duas ocasiões, mas o Pontífice não a aceitou. Desta vez, parece claro que será um dos que deixarão o cargo.

As reuniões com os bispos chilenos no Vaticano terminaram nesta quinta-feira, dia 17. O Papa, por meio de uma carta pública, lhes agradeceu pela “plena disponibilidade que cada um manifestou para aderir e colaborar em todas aquelas mudanças e resoluções que teremos de implementar”, o que indica que a questão está agora completamente nas mãos do Pontífice e que será ele, e não os bispos chilenos, que se encarregará das mudanças e decisões que ocorrerão.

No primeiro dia de encontros Francisco lhes entregou um documento particular de 10 folhas escrito pessoalmente por ele e lhes pediu que meditassem sobre o conteúdo, tendo em vista as próximas reuniões. Um dos presentes vazou o texto para a imprensa e a televisão chilena Tele 13 divulgou o conteúdo da mensagem na íntegra. No documento, o papa confirma mudanças, regeneração e substituições na Igreja chilena; fala de medidas “em curto, médio e longo prazo” para chegar à raiz do problema e “para restabelecer a justiça e a comunhão”; e deixa claro que cabeças cairão, mas ressalta que essas medidas não serão suficientes e será preciso ir à origem da questão.

Segundo Francisco, a gravidade da situação requer aprofundar muito mais. “Os problemas vividos hoje dentro da comunidade eclesial não são solucionados somente abordando os casos específicos e reduzindo-os à remoção de pessoas; isto – e eu digo claramente – é preciso fazer, mas não é suficiente, é preciso ir mais além”, escreveu no documento. Também fala que algo não funciona em todo o corpo eclesiástico. “Seria irresponsável de nossa parte não aprofundar na busca das raízes e das estruturas que permitiram que esses acontecimentos específicos ocorressem e se perpetuassem”, acrescenta.

O texto escrito pelo Papa é fruto do relatório de 2.300 folhas que seus enviados especiais ao Chile, o espanhol Jordi Bertomeu, oficial da Congregação para a Doutrina da Fé, e Charles J. Scicluna, arcebispo de Malta, lhe entregaram há algumas semanas. Segundo o documento redigido por Francisco para os prelados chilenos, foi confirmado que “para alguns religiosos expulsos de sua ordem por causa da imoralidade de sua conduta e depois de ter sido minimizada a gravidade absoluta de seus atos delitivos (...) foram confiados cargos diocesanos ou paroquiais que implicam contato cotidiano e direto com menores de idade”.

No texto, o Papa adverte que a Igreja do Chile experimentou “uma transformação em seu âmago” e acrescenta que “seu pecado se tornou o centro das atenções”. E também fala de uma série de erros das autoridades da Igreja chilena na hora de investigar e punir os abusos. E das irregularidades nos procedimentos, o tratamento dado às vítimas e o modo de administrar suas denúncias.

As vítimas dos abusos no Chile, que haviam passado alguns dias no Vaticano a convite do papa, não demoraram a expressar sua satisfação. “Fico tremendamente alegre para começar a sanar esta Igreja que não merece esses verdadeiros corruptos e criminosos”, afirmou Juan Carlos Cruz, que na adolescência sofreu abuso do influente sacerdote Fernando Karadima, caso que desatou a crise que a Igreja chilena atravessa atualmente.

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