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COLUNA
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O perigo de que todos queiram ser Bolsonaro

Não é verdade que bandido bom é bandido morto, ou que o policial tem carta branca para tudo. Assim, pelo contrário, se agudiza e se exacerba a violência.

Juan Arias
Jair Bolsonaro, levado nas costas por simpatizantes em Curitiba, o 28 de março passado.
Jair Bolsonaro, levado nas costas por simpatizantes em Curitiba, o 28 de março passado.Rodolfo Buhrer (REUTERS)

Não será fácil para o ex-paraquedista Jair Bolsonaro ganhar a eleição presidencial, por causa das suas posturas extremistas, mas corre-se o perigo de que ele contagie outros líderes políticos no que é seu ponto forte: a luta contra a violência e a tentativa de libertar o país do medo que hoje o sacode, simplificado por ele com o slogan fácil de que todos têm o direito “de voltarem vivos para casa”. Neste momento, outros candidatos, por medo de contradizê-lo ou de lhe exigir que explique como conseguiria o milagre de acabar com a violência, começam também a tentar aparecer como cruzados contra “os bandidos”. Como se isso fosse fácil diante da degradação que governo após governo, de todas as cores, a segurança pública sofreu neste país.

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Nenhum candidato, por medo a ver Bolsonaro crescer, terá a coragem de afirmar na campanha que a violência não se vence com mais violência, e sim mudando pela raiz as estruturas sociais e os pecados de cumplicidade dos políticos com o banditismo. Não é verdade que bandido bom é bandido morto, ou que o policial tem carta branca para tudo, desde que seja para acabar com os delinquentes. Assim, pelo contrário, se agudiza e se exacerba a violência.

Existe o perigo, sempre por causa do efeito Bolsonaro e do simplismo de suas propostas primitivas para exorcizar o medo que sofrem os cidadãos, que a sociedade exasperada não queira escutar propostas sensatas para conseguir uma vida com menos perigos e o direito de não ser assassinado para que lhe roubem um celular. Ninguém vai se preocupar de perguntar a Bolsonaro como ele pensa resolver outros temas fora da violência, e não menos graves, como o da implicação da Justiça na política e desta na Justiça, nem sobre como pensa em dar trabalho aos 14 milhões de cidadãos à espera de um, nem onde pensa colocar o Brasil no mapa do mundo, ou o que fará para reduzir as trágicas desigualdades sociais e defender as liberdades conquistadas pela democracia. Será que lhes basta saber que ele armará até os dentes até mesmo os professores nas escolas, e que um revólver resolve os problemas melhor que uma luta contra todas as desigualdades que são as que engendram a violência?

O grande perigo é que Bolsonaro, com sua gramática elementar e os fogos fátuos de suas propostas cheias de pólvora e vazias de cultura, impeça que as eleições virem um palco de discussão para repensar este país. O Brasil está doente de violência não porque faltem armas, mas porque seus melhores valores foram sacrificados no altar da impunidade, no pacto de sangue entre a legalidade e a ilegalidade. Haverá entre os que pretendem disputar as eleições quem tenha a coragem de se apresentar como o “anti-Bolsonaro”, oferecendo soluções opostas às suas, sem medo de perder votos e sem perder a dignidade democrática e o respeito pelas ideias difíceis, mas que são as que mudam o mundo? Não se trata de que, para o Brasil dolorido de hoje, seja necessário um candidato santo, nem que seja político ou filósofo, jovem ou menos jovem, de direita ou de esquerda, mas sim de alguém capaz de devolver as esperanças perdidas e o milagre de poder voltar a dialogar em paz, apresentando com força suas ideias e capaz das escutar todas.

Nunca os atalhos, e muito menos os autoritários, foram criadores de paz e prosperidade para um país. Isso se constrói com paciência, com ideias, com projetos capazes de fazer cambalear as instituições carcomidas e prostituídas do poder pelo poder. Nesse caso fico com Marina Silva quando diz que “é melhor perder ganhando do que ganhar perdendo”. A política fecunda não é construída pelos fracos, e tampouco pelos messias, pelos heróis ou pelos fanfarrões. Constrói-se sem mentir à sociedade com a força das ideias que não morrem e que acabaram sempre transformando o mundo.

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