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Castigo exemplar em Marrocos para uma agressão sexual gravada

Tentativa de estupro de uma menor que suplicava “você não tem coração, não tem irmã?” leva a penas de 10 e 8 anos de prisão para os autores

Francisco Peregil
Cena do vídeo publicado no YouTube que mostrava a agressão sexual contra Khaula, a menor de 16 anos.
Cena do vídeo publicado no YouTube que mostrava a agressão sexual contra Khaula, a menor de 16 anos.ObservAlgerie.com
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Um homem em plena rua tenta violentar uma menor que suplica aos gritos que a deixe: “Você não tem coração, não tem irmã? Você gostaria que fizessem isto com você?”. O vídeo dessa cena abalou Marrocos. Foi gravado em janeiro e publicado em 27 de março nas redes sociais. Durava apenas um minuto, e felizmente foi eliminado do YouTube poucas horas depois de que a notícia viesse à tona. Mas o dano estava feito. Lá se via como o agressor a despia enquanto alguém continuava filmando. A perseguição e abordagem ocorreram na aldeia de Bouchane, próxima à cidade de Benguerir, na província de Marrakesh. A polícia levou apenas 24 horas para deter ambos.

A sala de primeira instância do Tribunal de Apelações de Marrakesh pronunciou nesta semana uma sentença sem precedentes em Marrocos, levando-se em conta que o estupro de Khaula, a menor de 16 anos, não foi consumado. O autor da agressão, de 21 anos, foi condenado a 10 anos, depois de ser acusado pela promotoria de “formação de quadrilha, atentado violento ao pudor de uma menor, chantagem e calúnia”. Para o homem que filmou a cena com seu celular a pena foi de oito anos por “cumplicidade” na agressão. Outro indivíduo presente durante o fato terá de cumprir dois anos de prisão por não denunciar o crime.

Os agressores ameaçaram compartilhar o vídeo no Facebook se Khaula não se submetesse às suas vontades. Em Marrocos, a humilhação diante de uma agressão sexual se estende não só à vítima, mas também à sua família, que às vezes precisa mudar de domicílio. Mustafa, seu pai, declarou à imprensa local em março: “Desde que ela sabe que o vídeo está na Internet se encontra ainda pior. Não para de chorar, não come, não dorme…”.

Fátima, a mãe de Khaula, reconheceu nesta quinta-feira ao site Lesiteinfo que jamais teria imaginado uma sentença semelhante. “A decisão da Justiça é lógica, embora a pena seja dura”, afirmou. Khaula declarou ao mesmo veículo que eles merecem essa condenação. “Desperdiçaram suas vidas por nada.”

Não sabemos se a gravidade das penas responde a um caso isolado, ou se representa uma mudança de mentalidade dos juízes

Omar Arbib, diretor em Marrakesh da Associação Marroquina de Direitos humanos (AMDH), acompanhou o julgamento muito de perto. “Estamos satisfeitos se o compararmos com outros julgamentos de agressões sexuais em que as penas são muito mais baixas. Desta vez se fez justiça”, afirmou por telefone a este jornal. “A polícia e as autoridades judiciais fizeram seu trabalho. Mas não sabemos se a gravidade das penas responde a um caso isolado ou se isto representa uma mudança de mentalidade dos juízes. Espero que haja mais conscientização sobre as agressões sexuais.”

Arbib lamentou que a justiça para os agressores não tenha sido acompanhada pela assistência social a Khaula, a menor de 16 anos agredida. “Ela recebeu só duas sessões de tratamento psicológico, quando o normal é que receba assistência durante dois anos. Por causa da agressão e da repercussão midiática ela está passando muito mal.”

O código penal marroquino prevê em seu artigo 485 penas de cinco a dez anos de prisão por qualquer atentado ao pudor praticado com violência, seja consumado ou em grau de tentativa. Quando a vítima é menor de idade ou deficiente físico ou mental, a reclusão pode chegar a 20 anos. “Agrediram a garota em plena rua”, observa Omar Arbib. “Despiram-na e não se completou o estupro porque naquele momento alguém passava pela rua. Os fatos são muito graves.” O ativista de direitos humanos comentou que não foi a primeira vez que o agressor tentava estuprá-la. “Ela declarou que já tinha tentado várias vezes na saída do colégio.”

Já Saida Idrisi, presidenta da Associação Democrática de Mulheres de Marrocos, manifestou ao site Huffpostmaghreb sua inconformidade com a sentença. “As penas não são suficientemente severas para ações tão graves. O principal acusado teria merecido 15 anos em qualquer outro país”. Quanto à vítima, Idrisi observa: “Estas imagens dela circularam por todos os sites e terão um impacto sobre ela, sobre sua escolaridade e mais tarde sobre seu futuro. Em nenhum momento se fala de reparação à vítima”.

Nos últimos anos houve em Marrocos vários casos de enorme repercussão que estão alterando a maneira como a sociedade encara as agressões sexuais. No final de 2015, Khadiya Essouid, uma menor de 17 anos, foi atacada por oito homens em um pequeno povoado ao norte de Marrakesh. Estupraram-na e gravaram a cena em vídeo. Ela os denunciou, mas eles saíram em liberdade condicional. Ameaçaram divulgar o vídeo se ela não retirasse a denúncia definitivamente. Seis meses depois, em 29 de julho, Khadiya atou fogo a si mesma em plena rua. Morreu dois dias depois. A autópsia revelou que estava grávida.

Em agosto passado, outro vídeo comoveu a sociedade marroquina. Em apenas 50 segundos se via como vários jovens atacavam em pleno dia, dentro de um ônibus, uma jovem deficiente, sem que ninguém interviesse. A difusão desses crimes nas redes sociais está provocando um despertar em Marrocos contra o assédio às mulheres.

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